Quando um(a) amigo(a) do Facebook sugeriu que eu enviasse uma foto para o álbum de Oshogatsu do Descubra Nikkei, o seu gesto provocou uma enxurrada de queridas memórias. Na minha família, todos me chamam de “Tia Patinhas” [“Scrooge McDuck”, inspirado pelo personagem fominha e anti-Natal Ebenezer Scrooge, de Charles Dickens] porque tenho horror à fanfarra da época de Natal, desde a troca de presentes até as decorações de árvores de Natal, de ter que fazer biscoitinhos e enviar cartões, o que para mim é algo que eu simplesmente “não aguento”. No entanto, o Oshogatsu é uma coisa que eu adoro e aguardo ansiosamente todos os anos. O Oshogatsu—a maneira como é comemorado na minha família—é uma ocasião que, ao contrário do Natal, sou eu que imponho neles, como para compensar o meu repúdio pelas extravagâncias do Natal.
Há alguns anos atrás, me dei conta que o Oshogatsu traz consigo as mesmas expectativas que a cada ano o meu pai jogava em cima da minha mãe e de nós, as crianças. Agora que ele se foi, estamos livres de todos os rituais laboriosos que faziam parte das preparações anuais do meu pai. Ironicamente, em vez de conseguir escapar, acabei mantendo e me dedicando às mesmas coisas, temendo que uma diluição daquelas tradições pudesse apagar esse importante legado que quero deixar para os meus filhos, sobrinhas e sobrinhos.
Ainda se recuperando das semanas de comemorações do Natal, a família fica sem aquele entusiasmo para reativar a energia necessária para mais uma celebração—mas, assim como na época do meu pai, conseguimos “dar conta do recado” e milagrosamente o Oshogatsu é comemorado todos os anos, sem atrasos. Eu penso no meu pai quando ouço a campainha da porta tocar pela primeira vez, quando recebemos o nosso primeiro convidado, e penso em como ele se sentiria feliz se ainda estivesse aqui, no comando desta produção—que é o que é na realidade.
Para o meu pai, o propósito do Oshogatsu era convidar toda o seu “vilarejo” de amigos e familiares para fazer pratos tradicionais que levavam dias de preparo, para cantar antigas canções japonesas e contar mais uma vez as mesmas histórias que pareciam ficar cada vez mais elaboradas com o passar dos anos. Mas para nós, as crianças, a festividade sempre terminava da mesma maneira ano após ano—tudo o que nos restava no dia seguinte era uma enevoada memória anticlimática de vozes aborrecedoras e o meu pai berrando para que esquentássemos o saquê e cortássemos mais sashimi.
Apesar disso, continuo a adorar o Oshogatsu. Quando eu paro para pensar nesse dia e nos vários dias que levam para fazer a comida e preparar a mesa, não consigo pensar em quaisquer outros pratos que eu preferisse cozinhar. Sinto um profundo prazer em poder aprimorar as habilidades e técnicas necessárias para me tornar uma mestre em receitas japonesas, e tenho grande motivação para aprender as sutilezas do paladar japonês. Depois de todos esses mais de 60 anos comemorando o Oshogatsu anualmente, ainda fico maravilhada com alguma coisa nova que aprendo a cada ano; e fico boquiaberta de como a minha mãe guardou todas essas receitas na sua cabeça sem escrever nem uma palavra num pedaço de papel. Acima de tudo, fico boquiaberta com quanta comida—tanto em quantidade quanto em qualidade—ela era capaz de fazer na sua pequena e humilde cozinha para este dia especial, ano após ano.
Esse ano, eu dei uma olhada de novo em algumas das nossas antigas fotos de família. Não tinha ninguém tocando a nossa campainha em 2021. Levamos o nosso tradicional ozoni até a a minha mãe de 92 anos, para que fosse compartilhado no seu quintal aberto. Muito diferente da minha mesa de jantar de costume, cheia de vozes de crianças gritando os seus pedidos de um ou dois mochis—alguns até gritando NENHUM mochi—e as minhas irmãs e eu chamando as crianças para virem ajudar a servir.
Esse ano, o meu filho ajudou a avó no preparo do mochi num ambiente obrigatoriamente “mascarado” para que ainda pudéssemos servir uma grande tigela de ozoni.
Eu ainda não tinha acabado de cozinhar—o que por si só já é um fracasso. No Japão, a pessoa tem que acabar de cozinhar e de limpar antes do toque da meia-noite, para que possa então desfrutar do sobá toshi-koshi e dar as boas-vindas ao ano que começa.
Outra nova lição desse ano foi o kuromame. Mal pude acreditar no belo resultado depois de usar uma panela de pressão elétrica, graças a uma receita que eu havia comprado online. A reação da minha mãe foi impagável. “NANI?” como se fosse uma pequena heresia eu ter tomado um caminho mais fácil. Mas até ela concordou que estava delicioso.

Esses belos pratos são “achados” da garagem de um(a) amigo(a). Eles pertenciam à sua avó e precisavam encontrar um lar. Ainda bem que me encontraram.
Para mim, o maki-sushi é imprescindível, apesar de que eu raramente o preparo em outras épocas do ano. Esse ano, eu me diverti muito enrolando-o com todos os recheios—inevitavelmente, deu um total de número ímpar.
Dois pratos que o meu marido “sansei de corpo e alma” gosta, porque ele não cresceu com algumas dessas comidas, é o kazunoko (ovas de arenque) e o kobu-kazunoko (ovas em kombu). Esse ano, eu fiz um pouquinho para a gente, apesar de que geralmente eu e um(a) primo(a) somos os que consumimos a maior parte.
Comprei esses belos pratos online na Etsy—vieram diretamente do Japão, de uma simpática jovem que disse que os havia comprado num “feira de trocas” em Tóquio. Existem muitas variedades de flores, mas eu escolhi a ume (ameixa) para o tradicional Sho - Chiku - Bai (pinho - bambu - ume)—apesar de que pode ter sido uma sakura por engano (ops!)—como também bagas vermelhas do bambu celeste nandina que estão na estação nessa época do ano.
Eu ainda fiz um pouquinho de osechi—e ter preparado esses pratos me lembrou o quanto eu estava sentindo falta da família ao redor da nossa mesa. Como sempre podem ser ouvidas muitas queixas do tempo, esforço e energia necessários para fazer com que o Oshogatsu aconteça a cada ano, eu realmente espero que 2021 seja o único ano em que a família não pôde se reunir. Todos nós fazemos um pouco de monku [reclamações] e então gritamos um possante Kampai [brinde] com um suspiro de alívio e um forte agradecimento ... mais um ano começa com todos nós ainda com saúde suficiente para cozinhar e resmungar e servir com amor aos nossos amigos e familiares que nós geralmente não vemos exceto no dia do Oshogatsu. Tive prazer de fazer osechi “para viagem” para a minha mãe e vários idosos que também estão com saudades dos seus filhos, netos e bisnetos devido ao COVID.
Algumas fotos dos nossos pratos de frutos do mar tradicionais estão faltando, mas me sinto feliz em dizer que as minhas duas irmãs, a minha filha e sobrinhas participaram das suas próprias casas para lembrar e comemorar o Oshogatsu. Obrigada papai, obrigada vovô e vovó por nos ter incutido essas tradições as quais ainda damos grande valor.
Todos nós demos o máximo de si para recriar a nossa reunião enquanto estamos em quarentena de casa. É a minha a maior esperança que possamos estar todos juntos novamente no ano que vem, e que a nossa mãe estará conosco para fazer o primeiro KAMPAI!
Feliz 2021.
Nota do editor: Estas fotos foram enviadas originalmente para a sessão de atividades fotográficas “Tradições do Oshogatsu Nima-kai 2020–2021” do Descubra Nikkei, mas decidimos que a história que as acompanhava também merecia ser compartilhada.
© 2021 Jane Shohara Matsumoto