Em 1998, quando eu tinha 5 anos de idade, eu fui com meus pais para o Japão. Meu pai trabalhava numa farmácia e minha mãe num supermercado, mas como a situação financeira estava difícil, decidiram ir trabalhar no Japão para terem melhores condições de vida.
No começo, os dois trabalhavam na mesma fábrica, mas como o meu pai é nikkei e sabe falar japonês, foi transferido para a matriz da empresa. Nesse meio tempo, minha mãe deixou a fábrica e foi trabalhar numa loja de produtos brasileiros.
Eu estudei no Japão desde a pré-escola até terminar o ensino fundamental e, relembrando, foi a melhor fase de minha vida. Graças aos professores e aos meus colegas aprendi a falar o japonês, tanto que quem ensinou a língua para a minha mãe, que é descendente de espanhóis, fui eu e não o meu pai. Meu irmão, ao contrário, nasceu lá no Japão, mas não fala japonês.
E como meu irmão não conseguia se adaptar ao ensino na escola japonesa e devido também ao chamado “Lehman Shock” que atingiu a economia do Japão em 2008, meus pais acharam que o melhor seria voltar ao Brasil, o que fizemos nesse mesmo ano.
Começamos vida nova na cidade de Campinas, Estado de São Paulo, onde mora a família da minha mãe. Meu pai, que herdou do meu avô o jeito para os negócios, construiu uma grande loja com o nome “Super Shimada”, mas até hoje não sei se esse “Super” seria abreviatura de “Supermercado” ou teria origem em “Superman – ou seja, significando “Shimada, o Super-herói”.
Os negócios foram expandindo aos poucos e, passados cerca de cinco anos, a loja ganhou um espaço destinado a servir comida japonesa, com a minha mãe preparando os pratos que tinha aprendido no Japão. Como seu nome é Camila, ela criou um cardápio com pratos como: “Croquete da Catchan”, “Tempurá da Catchan”, “Karê da Catchan” e ficava feliz ao ser chamada de Catchan pela clientela.
Eu me formei na Unicamp e atualmente trabalho como engenheiro de computação.
O meu irmão completou 20 anos e ajuda na contabilidade da loja, estuda Administração e joga futebol no time de amadores.
A “Super Shimada” abriu recentemente uma filial e os negócios vão indo de vento em popa. Quando se aproxima o final de semana, meu pai sai para pescar com os amigos e volta no domingo à tarde, bastante satisfeito por esse tempo de lazer.
Três anos atrás, casualmente, eu reencontrei nos Estados Unidos a Anelisa, uma ex colega do ensino fundamental no Japão. Nós começamos a trocar mensagens e agora estamos até fazendo planos para nos casar num futuro próximo.
Se a nossa história fosse terminar por aqui, todos diriam: “Mas que estilo de vida ideal, essa família vive uma vida de sonho”.
Mas a realidade é diferente. O nosso “final feliz” ainda não chegou.
Exatamente um ano atrás, o Brasil noticiava a primeira morte de vítima do novo coronavírus no país. Nós então reforçamos as medidas de proteção e segurança e conseguimos terminar o ano sem maiores temores.
Entrando em 2021, porém, a onda de contaminação pelo vírus avançou com fúria e foi ganhando proporções alarmantes! Só entre pessoas do meu convívio, os casos de contaminação foram acontecendo um após outro: parentes e conhecidos idosos ficaram doentes e alguns deles não resistiram; um professor meu da faculdade faleceu aos 51 anos; minha amiga de São Paulo perdeu o pai, a mãe e o avô para a Covid-19.
Como meus pais estão perto dos 60, eu tinha recomendado que permanecessem em casa, no entanto, meu pai teima em acordar na hora de costume e sair, o que me deixa apreensivo.
Minha mãe tinha começado um novo negócio, que é de entregar obento e comida caseira brasileira – tudo preparado por ela – pelo sistema delivery. Eu comecei a trabalhar de casa, ao mesmo tempo em que passei a ajudar nos negócios do meu pai, justamente para poupá-lo.
Ocorre que, no mês passado, a minha mãe passou mal, fez exames e ficamos sabendo que ela estava com a Covid-19. Nós também fizemos os testes e o resultado foi que meu pai e meu irmão testaram positivo e ficaram hospitalizados durante 41 dias. Enquanto isso, o estado da minha mãe se agravou e, infelizmente, ela veio a falecer algumas horas antes de ser transferida para um hospital maior. Dei a triste notícia para meu pai e meu irmão depois que eles tiveram alta.
Desde então, meu irmão vive trancado no quarto, chorando e repetindo a toda hora “A mãe morreu por minha causa”. Ocorre que em fins de janeiro, ele não contou nada para nós e foi a uma festa badalada no apartamento de um amigo. Por seu lado, todos os dias, o meu pai fica sentado na cadeira favorita de minha mãe bebendo e se lamentando: “Eu que trouxe o vírus pra dentro de casa quando saí para pescar”.
Eu estou muito triste, mas nem quero pensar de quem foi a culpa. Meu consolo está nas palavras da Bíblia que a Anelisa me enviou:
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: 2há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; 3tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; 4tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria” (Eclesiastes 3:1-4)
Vou continuar trabalhando remoto, esperando pacientemente que meu pai e meu irmão se recuperem. Quero ir administrando os negócios da família e o bem-estar dos nossos funcionários. Farei tudo o que estiver ao meu alcance com o maior empenho.
Não vai ser a Covid que vai me derrotar, não!
© 2021 Laura Honda-Hasegawa