Discover Nikkei Logo

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2011/8/23/orgullo-e-identidad/

Há dez anos começou a revolução na gastronomia peruana: A cozinha, espaço de orgulho e identidade

1 comentários

Editar nota. A gastronomia peruana está em franca expansão e um dos seus criadores é o chef Gastón Acurio, um promotor incansável que levou o nome do Peru aos mais importantes espaços internacionais. Ele também é um dos idealizadores da Feira Mistura, que acontece no Peru em setembro.

O nascimento do novo século coincidiu com o arranque da nossa gastronomia. Gastón Acurio, o arquiteto deste boom, deu uma conferência sobre a culinária peruana em agosto de 2010 no Centro Cultural Inca Garcilaso do Itamaraty. Às vezes fazia-o como o pregador que seduz o seu rebanho com um discurso que os encoraja a mobilizar-se para um sonho, mas acima de tudo foi o visionário que sabe o que quer e para onde vai.

Gritos de liberdade

Gaston Acurio

A culinária peruana, com toda a riqueza que possui, deve ter conquistado o mundo há 50 ou 80 anos, segundo Gastón. Mas isso não aconteceu porque nós, peruanos, fomos “colonizados emocional e mentalmente”.

O cozinheiro lembrou que a elite peruana sonhava com a Europa e que até muito recentemente o estrangeiro tinha precedência sobre o nativo. Para Gastón, vivíamos hipnotizados, acreditando que o nosso destino era ser um país do terceiro mundo. Se não acreditássemos em nós mesmos, como iríamos conquistar o planeta?

A cozinha está nos emancipando. “É possível mudar através da cozinha, libertar-nos e reconhecer-nos como peruanos”, disse, para depois destacar a “maravilhosa miscigenação” que caracteriza o Peru e cujos frutos virtuosos podem ser saboreados em cada um dos nossos pratos.

O chef lembrou que a culinária peruana já pertenceu à esfera privada, porque fora de casa, em casamentos ou quando alguém era convidado para comer, se consumia comida francesa, como se a comida peruana não tivesse classe suficiente para sair das quatro paredes.

“Os primeiros gritos de liberdade” – Acurio dixit – começaram a ser ouvidos na década de 1980, nas vozes de pioneiros como Bernardo Roca Rey, Cucho La Rosa e Isabel Álvarez.

Gastón destacou um facto fundamental no processo de emancipação: há mais de vinte anos, Emilio Peschiera abriu um restaurante peruano de alto nível no Chile, para competir em igualdade de condições com os europeus. A culinária peruana entrou nas grandes ligas.

Hoje – revelou – os restaurantes peruanos no Chile são os mais caros e sofisticados. Graças a eles, está sendo vendida “uma marca peruana de alto valor chamada culinária peruana”. “Uma conquista sem sangue”, enfatizou.

A União faz a força

A primeira grande conquista da culinária peruana foi a união dos chefs. “Começamos a entender que éramos todos iguais, que cada um tinha um papel, que não importava se tinha um restaurante em Miraflores ou uma carroça de anticuchos na esquina. Todos fizemos parte igualmente, e com o mesmo valor, de uma marca que tivemos que construir e defender, uma marca que era de todos nós, que se chama cozinha peruana”, explicou.

“Tivemos que inventar um mercado no mundo, um prestígio, e para isso a unidade era essencial”, acrescentou.

O passo seguinte foi a construção de um discurso, que consistiu fundamentalmente em ver a culinária como “instrumento de promoção do Peru no mundo e de oportunidades para todos os peruanos”.

O próximo passo? “Compartilhar o discurso com o povo, tentar fazer com que todos os peruanos, independente de sua condição, sintam que têm um espaço de orgulho e identidade na cozinha”. O objetivo era estabelecer “o sentimento de que os peruanos podem realizar nossos sonhos, de que não somos inferiores e de que podemos ser um país líder no mundo”.

Dez anos depois, as mudanças são notáveis. Na época de Gastón não existiam escolas de culinária. Os aspirantes a chef tiveram que emigrar para os Estados Unidos ou Europa para treinar. Hoje existem 6.000 estudantes de culinária no Peru. “Um verdadeiro exército”, segundo Acurio, que substituirá sua geração e liderará a segunda etapa da gastronomia peruana.

A maior revolução foi a dos restaurantes. Antigamente, acreditava-se que a culinária peruana era apenas culinária crioula. Hoje em dia a culinária peruana também é frango grelhado, cebichería, chifa, arequipa, norte, culinária nikkei, etc.

Para Gastón, o Peru tem dois ícones: Machu Picchu e sua culinária. “A culinária peruana é hoje mais um motivo para admirar o Peru”, frisou.

“A gastronomia enriquece a experiência turística”, afirmou Gastón. “Machu Picchu é mais potente se tiver uma gastronomia que a rodeie”, acrescentou.

Se o Japão pudesse...

Em 2009, aproximadamente 90% das marcas que o Peru exportou para o mundo eram restaurantes. Porém, Gastón esclareceu que a presença da gastronomia peruana – em número de restaurantes – no exterior é mínima. A vantagem é que sua imagem é poderosa. “A demanda está criada. Os restaurantes peruanos de qualidade que se criam no mundo vão fazer sucesso”, garantiu.

Acurio lembrou que “há trinta anos havia um restaurante japonês em cada cidade, e era para os excêntricos, para os aventureiros que se dispunham a ter a ousadia de colocar peixe cru, algas marinhas e aquela coisa chamada wasabi na boca que explode o cérebro”. .” (risos).

Três décadas depois, a história é diferente. “Hoje você vê crianças em Lima empurrando o que costumavam ser algas marinhas, peixe cru e wasabi como se fossem chicletes.”

A questão está madura: “Se os japoneses pudessem inventar em 30 anos um mercado que hoje vale 150 bilhões de dólares, que gerou 40 mil restaurantes japoneses de qualidade em todo o mundo, se os japoneses pudessem fazer isso com peixe cru, algas marinhas e wasabi , por que nós, peruanos, não podemos ter certeza de que conseguiremos o mesmo com nosso ceviche, nosso tiradito, nosso chili amarelo?"

A aventura apenas começou. “Cabe a nós iniciar esse caminho e enfrentar todos os desafios”, alertou Gastón.

O acesso aos insumos é um muro difícil de superar. Em Nova York, abrir um restaurante peruano custa o dobro do que abrir um restaurante italiano. “O restaurante italiano diz 'Quero cinquenta marcas de massa' e todas aparecem no mercado. O restaurante peruano diz 'quero ají' e eles dizem 'não vai acontecer'. O restaurante italiano pede pizzarias e há uma fila que dá a volta no quarteirão. O restaurante peruano pede cebicheros, não dá visto (risos). É a verdade. É o preço do pioneiro.”

O desafio não deve deter os chefs peruanos. “Todos são obstáculos, mas o maravilhoso é que, depois de passar por esses obstáculos, você abre a porta do restaurante, e se você construiu um restaurante lindo, se estiver comprometido com a qualidade, o público vai reconhecer isso.”

Gastón reconheceu que a culinária japonesa tinha uma vantagem porque contava com o aval da marca Japan, associada à excelência graças à Sony. A marca Peru está engatinhando e cabe à cozinha revalorizá-la.

E ele está conseguindo isso. O chef revelou que uma vez, em Madrid, onde tem um restaurante, um peruano, dono de uma joalharia, disse-lhe que antes de Astrid&Gastón abrir ninguém lhe comprava joias peruanas. A marca Peru não tinha valor.

Porém, com o sucesso do restaurante de Gastón, a marca Peru ganhou prestígio. E a joalheria peruana começou a encher de clientes.

Para o chef empreendedor, o principal triunfo da gastronomia peruana é “ter consolidado entre todos os peruanos um sentimento de unidade em torno da nossa cozinha, historicamente oposto aos peruanos que de repente, graças à culinária, se sentem semelhantes, nos sentimos participantes de um destino”.

Em dez anos houve uma grande revolução gastronómica. Mas lá fora há um mundo a conquistar. Que desafios a culinária peruana enfrenta? “Todos”, respondeu Gastón. O melhor está por vir.


Links de interesse

Gastón Acurio: http://www.facebook.com/gastonacurio

Associação Peruana de Gastronomia: http://www.apega.pe/

Trailer oficial da Feira Gastronômica Mistura: http://www.youtube.com/user/misturadoc#p/u/6/PwpSK5j2Bd0

* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 52, dezembro de 2010 e adaptado para o Descubra Nikkei.

© 2010 Asociación Peruano Japonesa; © 2010 Fotos: Agencia de Noticias ANDINA

culinária culinária (cuisine) cozinha de fusão identidade Peru
About the Authors

Enrique Higa é peruano sansei (terceira geração ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, um semanal publicado no Japão em espanhol. É coeditor e redator da revista Kaikan da Associação Peruano-Japonesa.

Atualizado em julho de 2024


A Associação Peruano Japonesa (APJ) é uma organização sem fins lucrativos que reúne e representa os cidadãos japoneses residentes no Peru e seus descendentes, como também as suas instituições.

Atualizado em maio de 2009

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Discover Nikkei brandmark

Novo Design do Site

Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações

Atualizações do Site

CRÔNICAS NIKKEIS #14
Família Nikkei 2: Relembrando Raízes, Deixando Legados
Baachan, grandpa, tía, irmão... qual o significado da família nikkei para você? Envie sua história!
APOIE O PROJETO
A campanha 20 para 20 do Descubra Nikkei comemora nossos primeiros 20 anos e começa os próximos 20. Saiba mais e doe!
COMPARTILHE SUAS MEMÓRIAS
Estamos coletando as reflexões da nossa comunidade sobre os primeiros 20 anos do Descubra Nikkei. Confira o tópico deste mês e envie-nos sua resposta!