A crise econômica e o terrorismo levaram milhares de nikkeis peruanos a viajar para o Japão entre as décadas de 1980 e 1990. Tanto quanto uma decisão, era uma necessidade de refúgio, uma trégua, uma bandeira branca em meio à violência onipresente.
No entanto, também houve aqueles que encararam a migração como um desafio, uma forma de provar seu valor fora da zona de conforto.

Um deles foi Rafael Tokashiki Kishimoto. Ele trabalhava para uma empresa automotiva japonesa no Peru quando decidiu se mudar para o Japão em 1997 para recomeçar no país de seus ancestrais.
“Vim motivado pelo desafio de trabalhar fora do Peru”, lembra. “Foi uma decisão difícil”, acrescenta. Dizer adeus a algo familiar, cujas coordenadas sabemos de cor, para mergulhar na incerteza, não é para todos. É preciso muito, mas Rafael se sentia mais atraído pelo novo.
Então, ele fez as malas e embarcou no avião que o levou ao país onde suas filhas nasceram.
A tenda
“Comecei a trabalhar na construção civil, na área elétrica. Como conhecia muita gente lá, me adaptei rapidamente. A parte mais difícil é o idioma, não só a escrita; a comunicação verbal não se aprende em sala de aula”, observa.
Embora Rafael tenha escolhido o Japão como destino em sua busca por uma ascensão profissional em uma vida marcada por uma sucessão de desafios e tenha se adaptado rapidamente ao país, fazer deste país sua parada final não estava em seus planos.
Talvez no futuro surja a possibilidade de retornar ao Peru ou tentar a sorte em outro lugar. O mundo é grande.
"Nos primeiros anos, parecia que vivíamos em um acampamento eterno, já que não planejávamos ficar no Japão para sempre. Não comprávamos coisas grandes e duráveis, mas sim pequenas, baratas e de curta duração", diz ele.
Rafael e sua esposa pensaram que a qualquer momento iriam desfazer as malas e deixar Nihon. Até a família crescer.
Quando tudo mudou
Não é como se um dia eles se sentassem para uma dessas reuniões que mudam o curso de uma vida e decidissem: vamos ficar. Simplesmente aconteceu, por decantação natural.
“Quando nossas filhas nasceram, tudo mudou inconscientemente: compramos um carro, um apartamento e, sem perceber, já estávamos bem estabelecidos”, explica.
Naquela época, Rafael já não trabalhava na construção civil. Oito meses depois de chegar ao Japão, ele conseguiu um emprego em um data center e está lá desde então, quase 30 anos depois.
“Comecei a trabalhar na área operacional, responsável por toda a infraestrutura”, conta. Ele ganhou experiência e anos depois foi transferido para o departamento de design.
"Atualmente, meu foco é prestar consultoria sobre design, construção e operação de data centers para empresas que atendem empresas como Amazon, Google e Microsoft", explica ele.
O caso dele é incomum. Ela encontrou estabilidade em tempos de turbulência constante, algumas tão severas que causaram naufrágios.
Sua habilidade e experiência falam por si, mas também seu domínio do inglês, o que tem sido uma vantagem no Japão. “Aprendi inglês no Peru, e esse é o ponto fraco dos japoneses”, observa.
“Eu sempre digo aos jovens estrangeiros que para serem competitivos no mercado japonês, eles têm que aprender inglês (embora digam que com inteligência artificial você não precisará falar outras línguas, saber outras línguas te torna mais ágil mentalmente)”, enfatiza.
Tripla identidade
É quase impossível para o Japão não influenciar a autopercepção de identidade dos nikkeis peruanos. Em muitos casos, a identidade peruana é fortalecida.
No caso de Rafael, seu status de imigrante reforçou tanto sua identidade peruana quanto sua identidade nikkei. Mas há um terceiro aspecto étnico-cultural que é mais valorizado.
“Estou mais interessado nas minhas raízes okinawanas. Como não moro em Okinawa, ainda tenho curiosidade sobre elas. Por exemplo, se você fizer uma busca por Okinawa na internet, a primeira coisa que aparece é 'karatê'”, diz ele.
“É incrível como o karatê alcançou tantas pessoas, além daquela pequena ilha, e ainda encontro tantas histórias sobre a história do karatê que não saíram de Okinawa.”
E suas filhas? Vocês se consideram 100% japoneses? Um pouco peruano? Nikkei?
"Minhas filhas se consideram 80% japonesas. Talvez com o tempo elas se interessem pelas nossas origens", ela responde.
“Minhas filhas e eu nos comunicamos em japonês, embora eu imagine que seja da mesma forma que nossos avós se comunicavam com nossos pais, com algumas limitações de vocabulário e um sotaque estrangeiro.”
Ficamos (quase certamente)
“Sinto falta do Peru, da minha família e dos amigos, mas graças à tecnologia de hoje, a distância diminuiu”, diz Rafael.
"Sinto falta da comida peruana, mas, felizmente, ela está se expandindo. Já existem restaurantes peruanos nas principais cidades do Japão", diz ele.
O nikkei peruano sente falta do seu país, mas... Sempre há um "mas". Será possível que um dia eu termine quase três décadas de vida no Japão e retorne ao Peru?
Acho que vou ficar no Japão neste momento. Embora nunca se saiba o que está por vir. Assim como nossos avós migraram para o Peru, nós retornamos ao Japão, o que eu chamo de "remigração". Não seria uma surpresa se nossos filhos no Japão tivessem que 'remigrar' para a América do Sul novamente”, ele responde.
"Por enquanto, o Japão está estável e espero que a aposentadoria esteja ao nosso alcance. Voltar ao Peru depende de como o Japão se sair nos próximos anos, mas não há planos no momento", explica.
Rafael, porém, não descarta nada. Nem mesmo o Japão, uma sociedade instável como poucas, está imune aos maremotos que desestabilizam o planeta.
"Há muita incerteza, não só entre os nikkeis que vivem aqui, mas também entre os próprios japoneses, quanto ao futuro do país. Rumores de renda de aposentadoria cada vez mais limitada, aumento de impostos e desvalorização do iene estão deixando muitas pessoas em dúvida", explica.
Japão, um país perfeito?
“O Japão me deu a oportunidade de trabalhar para grandes empresas no mundo todo”, diz Rafael Tokashiki quando perguntado sobre o que a terra de seus ancestrais acrescentou à sua vida.
O Japão é um país grande (em poder econômico, em civilidade, em ordem, etc.). No entanto, viver lá por tantos anos permitiu que Rafael conhecesse outros lados obscuros e obscuros.
"Algo que realmente me intriga é a imagem de uma sociedade perfeita que o Japão tem ao redor do mundo. Morando aqui, você percebe que é um país que ainda tem muito a melhorar, assim como muitas injustiças", diz ele.
Que injustiças? O que não funciona em um país que parece ser a cristalização da civilidade e da eficiência?
"Como qualquer país do mundo, tem máfias, políticos corruptos, licitações fraudadas, imprensa interessada em interesses particulares, etc.", responde.
"Vejo muita injustiça na sociedade japonesa quando se trata de meritocracia; as pessoas ainda são escolhidas com base na idade e nas conexões, não no mérito", acrescenta.
Outra coisa: o abismo que separa homens e mulheres. Não é à toa que o Japão ficou em 118º lugar entre 146 países no ranking de desigualdade de gênero de 2024, de acordo com o Fórum Econômico Mundial.
"O Japão ainda tem uma baixa porcentagem de mulheres em cargos de alta responsabilidade. A desigualdade de gênero também é evidente nos salários", enfatiza Rafael.
Por fim, o Nikkei peruano contesta que o país asiático seja um modelo de integridade: "Há muitas pessoas que se aproveitam do sistema de assistência social, tanto japoneses quanto estrangeiros, enquanto outro grupo nem sabe da existência desses programas".
© 2025 Enrique Higa Sakuda