O ano de 2010 foi especial para Angélica Harada, pois coroou meio século de uma carreira de sucesso dedicada de corpo e alma ao folclore peruano. Enquanto preparava o espetáculo que foi apresentado em novembro por ocasião das suas Bodas de Ouro, a Princesinha de Yungay nos recebeu em sua casa para compartilhar suas lembranças.
Quando você relembra seus cinquenta anos de carreira artística, o que mais o orgulha?
A pergunta é muito legal. Eu olho para trás, para meu início, seus altos e baixos. Você sofre muito. Mas é um prazer, porque gosto de arte. Tem havido muito sofrimento, naquela época o folclore não era tão bem visto, sempre nos marginalizaram, porque diziam “os cholos, o povo da montanha que canta”. Nas festas tinham que nos colocar por último, quando as pessoas já estavam saindo ou tomando seus drinks. Agora o público aceita. Podemos entrar tranquilamente no Palácio do Governo, em qualquer lugar, com o nosso folclore. Disso me sinto muito orgulhoso. Agora completando cinquenta anos, orei a Deus para que me desse vida para que eu pudesse comemorar minhas Bodas de Ouro, e assim agradecer a Deus, meu público, que nos torna artistas com seus aplausos.
Quando começou, não imaginava que iria comemorar cinquenta anos de vida artística, que seria homenageada pelo Estado...
Não. Foi apenas avançar carregando a cultura peruana, porque o folclore faz parte da cultura do nosso país. Cultivamos a música autêntica, sem troco, sem cópia, sem cópia, com toda a essência peruana, e para isso é preciso estudar um pouco na universidade da vida. Isso me faz feliz. Sinto muito orgulho de ter divulgado a música. Já fui professora de dança, professora de canto, sem ter estudado em universidade. O folclore me deu a oportunidade.
Como surgiu em você essa necessidade de se expressar através do canto?
A arte nasce com você. Não sei porquê, porque na família da minha mãe ninguém é cantor, ninguém tem inclinação para teatro, nada, mas por outro lado nasceu para mim. Fiz minha transição em Shacsha, onde nasci, em uma escola muito humilde. Eu nasci para cantar, falei “gostaria que você me pedisse para cantar”. E eu estava ao pé da minha professora, onde quer que eu fosse ela me parava para me dizer “você tem que cantar”, porque segundo ela minha voz se destacava.
Desde que ela se lembra, ela sempre se lembra de cantar.

Com Pastorita Huaracina. (Foto: Retirado do livro Minha vida. O mundo que conheci, de Angélica Harada Vásquez, Princesinha de Yungay)
Sim. Mas aprendi música crioula, música mexicana, gostava de cantar rancheras, pasodoble, corredor, tudo que estava na moda na minha época. Quando vim morar na casa do meu irmão aprendi as músicas da Pastorita Huaracina. Aí minha cunhada me disse “você tem uma voz bonita, você sabe cantar huayno”. Fiquei meio desconfiado, falei “como o público vai aceitar essa japonesa que começa a cantar huayno?” Mas não foi assim. Ensaiei um ano e quando saí fiz sucesso, ela disse “a única japonesa que canta com alma de chola, a Princesinha de Yungay”. Para dar meu pseudônimo tive que fazer um exame no Instituto Nacional de Cultura (INC).
Um exame?
Para atuar nos coliseus era necessário ter o nosso cartão, uma autorização do INC.
Não como agora, onde qualquer um pode cantar.
Agora qualquer um é artista (risos), e como a tecnologia é tão avançada, qualquer um grava e tem seu álbum. Antes não, tínhamos que ter licença. E se íamos para a província tínhamos que ter autorização do conselho provincial, preenchíamos cartões. Agora, esse não é o caso, e que pena. É por isso que não existe controle no folclore, eles fazem o que querem. Há meninas que cantam que já não usam as roupas que deveriam usar, e que antes nos obrigavam a usar, roupas típicas feitas por artesãos. Onde você viu uma mulher da montanha que canta huaynos all Calatita? Pelo contrário, uma mulher da montanha se arruma (risos), coloca uma jaqueta, coloca a manta, coloca uma saia, isso é típico, porque estamos representando a nossa coisa.
Para essa avaliação, um artista precisava se dar um pseudônimo?
Não, não eu, mas o júri. Nos pediram quatro pseudônimos, 16 músicas, eram 12 jurados. Um disse “cante essa música”. Não sabíamos qual das 16 músicas tocaríamos.
Ele tinha que conhecer todos eles.
Todos. Mas eles os fizeram cantar uma ou duas músicas, nada mais. Meu exame no INC foi lindo. Eu nunca tinha usado saia, mas fiz minha saia, minha jaqueta, e como eu tinha cabelo comprido fiz duas tranças, me enfeitei com fitas, fiquei muito cholita. Os jurados gostaram muito de mim, foi a primeira vez que viram uma japonesa cantando huayno. Saí com sucesso. Dos quatro pseudônimos, eles me disseram e se seu nome fosse “Huandoy”. Eles foram obrigados a fornecer um pseudônimo que representasse sua província ou departamento.
Aludindo ao seu local de origem.

Na edição de maio de 1967, a revista Caretas dedicou sua capa a ela como uma ilustre nissei. (Foto: Retirado do livro Minha vida. O mundo que conheci, de Angélica Harada Vásquez, Princesinha de Yungay)
Exato. Por isso existe uma Flor de Huancayo, uma Flor de La Oroya, a Estrela de Pomabamba. Queria cantar com meu próprio nome, Angélica Harada de Yungay. Eles não me aceitaram. E me chamaram Princesa de Huandoy. Eu disse “não, quero representar minha província, Yungay”. Depois subi para falar com o Dr. Gálvez Saavedra, ele era o capitão do júri. Eu disse a ele: “Huandoy é de Caraz, eu quero ser de Yungay”. “Ah, bem, então você será a Princesinha de Yungay.” E aí saiu, mas não pensei que passariam tantos anos com uma princesinha, agora ela vai ser uma princesa (risos). Vou pendurar minhas saias com esse pseudônimo, não dá mais para mudar.
Como você foi recebido quando começou? Como as pessoas viam alguém com olhos puxados cantando huaynos?
Bem, eles me aplaudiram bastante. Estreei-me no coliseu nacional, aprendi bem quatro músicas, ensaiei muito, tinha muito público. Todo mundo pediu outra e eu cantei as mesmas músicas de novo (risos). E eles continuaram me aplaudindo, ora, comecei com o pé direito. Desde então, experimente. Bom, nem tudo que reluz é ouro, sempre houve fracassos, já esbarrei em empresários que queriam ultrapassar os limites, muitos que não nos pagaram, desapareceram e tivemos que vir de carona (risos). Mas lembro-me do melhor, só do bonito. E aquilo me faz feliz.
* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 50, outubro de 2010 e editado para o Descubra Nikkei.
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