Hiromi-chan, iiiko, nê! – assim dona Takeko, vulgo dona Carmen, embalava o bebê cantarolando músicas infantis japonesas. Miwa-chan, um ano e meio mais velha, olhava com interesse para essa miniatura.
Hiromi, nome cuidadosamente escolhido, significa beleza ampla. Quais eram os sonhos e as expectativas dos meus pais em relação a mim ao escolher este nome? Certamente pensaram em coisas boas, desejaram que um ser que viria ao mundo o deixasse melhor. Qual a função da beleza? Alegrar os corações.
Os meus pais ainda com a juventude de muitos sonhos e com fortes laços com a Terra do Sol Nascente, escolheram os nomes para os três filhos: Eiji, Miwa e Hiromi. Para Eiji, na expectativa de sucesso, prosperidade; para Miwa, de bochechas vermelhas sem fim, que a beleza e harmonia dela fossem sempre fonte de paz e alegria onde quer que ela estivesse. Meus pais nos educaram para sermos bênção e não maldição. Passados tantos anos, vejo que eles tiveram sucesso, digo isto não com a pretensão de nos considerarmos superiores aos outros, mas porque lutamos para sermos sal e luz na terra.“Hiro-chan” – era como meu pai me chamava, de um jeito carinhoso. “Hiro-chan, cafezal no hana mini ikooka?” (Hiro-chan, vamos lá ver as flores do cafezal?)
“Hiroooomiii” – eram meus primos me chamando para brincar, ali do portão de casa. “Hirooomiiii!” - O cansaço vencia e virava “Hiro”, depois “Hi”.
A Hi atendia prontamente com alegria após a autorização da mãe, pois tinha horas em que era preciso estudar. Corríamos no terreiro sem café, era pega-pega, futebol, um jogo de pseudotênis, esconde-esconde entre as árvores dos cafezais e o que mais viesse à cabeça. Com as primas tinha também o mamagoto (brincadeira de casinha).“Ô Hiro, vamos pular corda!”
“Hiro, vamos brincar de queimada!”
“Ô Hiro, ô Hi, vamos brincar de escolinha!” – essa era a minha irmã Miwa, e ela sempre era a professora, com suas letrinhas caprichadas! A beleza e harmonia então era a minha companheira nas brincadeiras nas horas lentas dos dias quentes daquele rincão da Alta Paulista.
Depois de um tempinho de minha vida, minha mãe e minha irmã me ensinaram que eu tinha outro nome: “Edna, Edna, É-di-na”. Aprendi que a Miwa era Fátima e eu, Edna.
Comecei a ir para a escola e então fiquei conhecida por “Edna” entre as pessoas extrafamiliares. Os isseis me chamavam de “Hiromi-san”, num tom de respeito.“Okaachan, como foi escolhido o nome Edna?” – perguntei à minha mãe.
“Eu estava com você no colo pensando que nome brasileiro te daria e escutei alguém lá fora chamando: Ednaaaaa, Ednaaaaa! ... e foi assim!”
Até hoje não me identifico com o nome Edna, que para mim soa como se fosse um nome provisório, apesar de ter origem hebraica e um bom significado (deleite, satisfação, alegria). Sinto que não sou eu de fato.
O nome Hiromi fala mais da minha pessoa, da minha ascendência, da minha vivência e identidade, evocando tempos aconchegantes e felizes, de ignorância da maldade que rodeia o mundo.
Já o sobrenome remete à ancestralidade nipônica, fico imaginando como eram e como viviam os meus antepassados no Japão de outrora.
Perguntei um dia ao meu pai:
“Otoochan, qual o significado do sobrenome Ogihara?”
“Significa campo de erva, mato. Só lembrar de haras” – respondeu meu pai.
Numa pesquisa rápida na internet agora parece que significa “campo de Miscanthus sacchariflorus”, uma planta com flores parecidas com o da cana-de-açúcar. Refletindo sobre o significado, achei muito poético e pensei na verdade que há nela: nós, humanos, somos como erva do campo em fragilidade e efemeridade e essa consciência nos faz humildes.
Por fim, Cardoso veio com o casamento. Cardoso significa “cheio de cardos”. Sobrenome de origem portuguesa comum no Brasil. Cardos são matinhos (ervas) cujas flores lindas vão do rosa forte ao rosa com tons de lilás. Curiosamente, combinando com o Ogihara, porque também reforça a ideia da minha fragilidade e transitoriedade, porém isso tudo me faz lembrar também que sou cuidada com esmero pelo nosso Criador, pois se Ele veste muito bem as ervas do campo que de manhã florescem e de tarde já as suas flores caem, quanto mais a mim, ou a nós, que somos mais preciosos aos Seus olhos!
© 2024 Edna Ogihara
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