A menina Mai cursa o 3º ano do ensino fundamental. Seu pai chama-se Lucas e veio ao Japão aos 9 anos, junto com o pai. Sua mãe é Ayumi e seus pais também vieram ao Japão como decasséguis e ela nasceu aqui.
Mai nasceu no Japão, frequenta a escola japonesa, suas amiguinhas são todas japonesas e assim não precisa falar português. Quase todos os parentes de sua mãe moram no Japão há muito tempo, então, não têm oportunidades para se comunicar em português. Portanto, Mai não fala quase nada de português e não conhece coisas sobre o Brasil.
Como gosta muito de ler livros, a menina escolheu o tema “Contos infantis de outros países” para a sua tarefa das férias de verão. Ao comentar sobre isso com seus pais, sua mãe logo sugeriu: “Se for um conto do Brasil, talvez o seu pai conheça, pois estudou até o 2º ano lá no Brasil”.
– Ah, mas eu não lembro nada. Se for livro, pode ser que o meu velho tenha alguns – respondeu Lucas, visivelmente embaraçado pois não gostava de lembrar os anos vividos no Brasil. Mas, para ajudar a filha, marcou uma visita à casa do pai no fim de semana.
Quando estava no Brasil, o avô de Mai trabalhava numa empresa jornalística como repórter fotográfico. A estante estava abarrotada de livros e revistas sobre câmeras e fotografias. Mai e seu pai começaram a procurar algum livro de contos infantis brasileiros.
Foi quando Mai achou na prateleira mais baixa algo que parecia ser um livro grosso de capa preta: era um álbum de fotos.
– Pensava que ele tinha jogado fora as fotos – disse Lucas bastante surpreso.
E à medida que folheava o velho álbum, vieram à memória as palavras de seu pai, enquanto preparava a mudança para o Japão: “Coisas velhas, vamos jogar tudo fora. Vamos começar vida nova no Japão”.
Mai chegou bem juntinho do pai e quis espiar, quando Ayumi entrou na sala e disse: “Nossa! O papai está quase chorando!”. E suavemente pôs a mão sobre o ombro do marido.
Lucas apontou para uma foto, a única que estava colada bem no meio da folha. A mulher de vestido estampado com flores segurava um bebê nos braços e a menina de uns 5 anos bem juntinho dela estava com cara de quem está prestes a chorar.
– Papai, quem é?” – perguntou Mai cheia de curiosidade.
Lucas se conteve, pois estava bastante emocionado, e disse que o bebê era ele e a mulher, a sua mãe.
– Sério? Essa que é a minha avó? A minha obaachan do Brasil? Até parece uma atriz estrangeira! – ficou tão feliz que foi chamar o avô que estava no quintal.
Os pais se entreolharam, sem saber como explicar à filha por que os seus avós não estavam juntos.
– Cadê? Cadê a “descoberta” que a minha netinha fez, hein?
Ao ver a foto que Mai mostrou, o avô começou a falar, todo risonho:
– Sabe, quando moço até que eu era bonitão. Não foi à toa que a Madalena logo se apaixonou. Foi numa festa em Caruaru no mês de junho. Claro, a Madalena era bonita também – relembrou com saudades.
Lucas, porém, sentiu muita tristeza. Por mais que passassem os anos, ele não conseguia esquecer, pois achava que a sua mãe simplesmente o abandonara para não voltar mais.
Madalena saiu de Caruaru levando sua filha de 4 anos e foi morar com Takeshi (nome do avô de Mai). Nasceu o Lucas e ela estava se acostumando à vida em São Paulo, mas uns 3 anos depois, a sua filha teve uma forte crise de asma e Madalena teve de retornar a Caruaru, onde o clima era favorável à condição de saúde da filha. E acabou por não voltar mais a São Paulo.
Takeshi continuou como repórter fotográfico, viajando a trabalho para diversos lugares. Por isso, o pequeno Lucas ora ficava na casa dos avós ora na casa de uma tia. Toda vez que voltava para casa, seu filho corria para ele, chorando e abraçando-o bem fortemente. “Não, não, assim não dá. É muito doloroso”. Por isso, largou o emprego no jornal onde tinha começado muito jovem e decidiu viver no Japão junto com Lucas.
Era intenção de Lucas contar toda a verdade para Mai, mas, antes, tinha que se concentrar, escolher as palavras e aguardar o momento certo.
– Mai, não está com fome? Vamos já almoçar! – acabou falando em voz alta, talvez para esconder a imensa tristeza que sentia toda vez que se lembrava da mãe.
– Papai, sabe qual é o meu sonho?
– O que será, não?
– Meu maior sonho é ir para o Brasil. Conhecer a minha avó do Brasil, conversar bastante com ela, brincar bastante e comer uma porção de comidas gostosas! Papai promete me levar, né?
– Combinadíssimo!
Lucas ficou profundamente comovido com a pureza de alma e com a grandeza do sonho de sua filha.
© 2024 Laura Honda-Hasegawa