Desde 2011, o dia 11 de março se tornou um dia da lembrança para as centenas de milhares de vidas japonesas que foram mudadas para sempre pelo devastador Grande Terremoto de Tohoku Kanto. Muitas vidas foram perdidas como consequência do terremoto e do tsunami que se seguiu. O desastre gerou numerosos problemas que afetaram as pessoas e a região nas semanas seguintes, os quais perdurariam ao longo de meses e anos. Da falha da usina nuclear em Fukushima à contaminação do solo pela água salgada do mar e os danos extensos que a inundação causou a edifícios, casas e carros, os residentes da área tiveram que superar obstáculos quase que intransponíveis até poderem retomar às suas vidas normais. Doze anos mais tarde, muitas pessoas na região ainda continuam a enfrentar dificuldades.
O duplo desastre do dia 11 de março chocou o mundo e acabou mudando a trajetória de vida de alguns indivíduos que moravam fora do Japão. Uma dessas pessoas é Derek Yamashita. Um nipo-americano da quarta geração, Derek cresceu na Califórnia; como resultado das suas muitas conexões pessoais e culturais com o Japão, ele sentiu uma forte vontade de encontrar uma maneira para ajudar aqueles na região de Tohoku. A jornada de Derek teve início com a venda de camisetas para angariar recursos, projeto que arrecadou mais de US$11.000. Com a assistência da Sociedade Japonesa-Americana do Sul da Califórnia (JASSC), os fundos foram enviados ao Japão para que pudessem ser usados nos trabalhos de reconstrução de maior necessidade nas áreas mais atingidas pelo terremoto e tsunami.
Desde então, Derek ficou mais envolvido com a sua comunidade nipo-americana nos Estados Unidos, o que acabou levando ele a uma carreira profissional no Japão. Derek é um voluntário ativo na região de Tohoku e fundou uma empresa de turismo chamada The Hidden Japan [O Japão Escondido]; ele usa estas duas atividades para ajudar a preencher as lacunas culturais entre os Estados Unidos e o Japão, e para continuar a ajudar a região de Tohoku – pela qual se apaixonou e passou a se sentir tão chegado ao longo dos anos. No ano passado, o Museu Nacional Japonês Americano (JANM) reconheceu Derek como um dos 30 Agentes de Mudanças com menos de 30 anos de idade que estão fazendo contribuições extraordinárias para promover a missão do Museu por meio das artes, negócios, cultura, educação, política, esportes, e tecnologia.
O projeto Descubra Nikkei do JANM entrevistou Derek para marcar o 12º aniversário do desastre. Como é o caso em muitos momentos históricos, os acontecimentos de 11 de março de 2011 não serão esquecidos por aqueles cujas vidas foram direta e indiretamente afetadas.
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DEREK DISCUTE O SEU TRABALHO NA REGIÃO DE TOHOKU
O que inspirou você a se envolver com o programa Cidades Irmãs Huntington Beach [na Califórnia] e Anjo [na Província de Aichi, no Japão]? Como a sua experiência com o Projeto Cidades Irmãs, assim como quaisquer outras experiências que você teve com a comunidade nipo-americana aqui na Califórnia, fizeram com que você ficasse tão interessado no Japão?
Eu cresci ouvindo que era japonês e me identificava como japonês. Então, quando surgiu a chance de visitar o Japão, eu aceitei na hora. Essa experiência me fez desenvolver um profundo fascínio pelo Japão e pela minha herança cultural, e além disso despertou um amor pelo povo e cultura do Japão, o que mudaria permanentemente o rumo da minha vida. Logo quando eu estava deixando para trás a excitação de ter ficado maravilhado com as minhas experiências no programa Cidades Irmãs e na casa da família onde fiquei no Japão, o desastre foi mostrado na TV. Eu me senti angustiado ao ver pessoas e comunidades, como aquelas que haviam demonstrando tanta bondade comigo, sofrendo de forma inimaginável.
Por que você escolheu a venda de camisetas como a primeira forma de angariar fundos?
Eu sabia que o que eu poderia fazer em Los Angeles seria algo limitado e, é claro, o que o Japão mais precisava naquele momento eram recursos financeiros para ajudar no socorro ao desastre. É por isso que eu resolvi arrecadar fundos como uma forma de ajuda. Eu também conversei com os meus pais e com a escola sobre o assunto, e decidi que camisetas seriam um ótimo produto para vender, já que gerariam uma elevada margem de lucro e dariam visibilidade à causa num momento em que o desastre estava em todos os noticiários. Escolhi a JASSC porque conhecia o então presidente Doug Erber e sabia que o dinheiro seria usado com muita eficiência e rapidez para chegar até os necessitados.
Durante aquele período, o que significou para você compartilhar com a sua família e amigos que moram aqui nos EUA o seu projeto de arrecadação de fundos para as pessoas afetadas pelo terremoto e tsunami de Tohoku?
Fiquei muitíssimo surpreso com a demonstração de apoio àquela pequena arrecadação de fundos. O prefeito de Huntington Beach me apresentou junto com o projeto na TV local, um estilista nipo-americano chamado Kevin Hosoda desenhou gratuitamente as camisetas, um fabricante de camisetas em Huntington Beach nos deu descontos na produção, e eu tive um apoio incrível dos meus colegas na escola, que doaram muito do seu tempo nos vários estandes que montamos. É claro que a comunidade nipo-americana também ofereceu apoio e eles me ajudaram a conseguir espaço para estandes em festivais e eventos. E além disso, muitas lojas até venderam as nossas camisetas.
Como foi viajar pela região leste de Tohoku e trabalhar como voluntário quando você estava na faculdade?
É, aquela foi a minha primeira vez na região de Tohoku, que é radicalmente diferente de Tóquio e do sul do Japão, onde já eu tinha estado antes. Sua bela natureza e as comidas deliciosas foram o destaque para mim, como também o seu ritmo de vida mais relaxado. A incrível paciência e cordialidade dos locais foi impressionante.
Eu fiquei especialmente surpreso que os moradores de lá, muitos dos quais tinham até perdido familiares e amigos alguns meses antes, fizeram tanto esforço para receber o nosso grupo de voluntários como convidados de honra, mesmo depois de terem perdido tanto. Aquilo com certeza fez com que eu quisesse dar ainda mais auxílio a eles. Enquanto eu estava estudando em Tóquio, viajei mais de 20 vezes rumo ao norte do país para trabalhar como voluntário naquela região, às vezes junto com a JASSC e o Doug Erber.
Quando você entrou na faculdade e depois de se formar, você trabalhou com ou para o Programa [de Intercâmbio com o Japão] JET, o Centro Cultural e Comunitário Japonês Americano (JACCC), a [United States-Japan] Bridging Foundation e, eventualmente, o Comitê Olímpico de Tóquio. O que levou você a trabalhar com essas organizações?
Eu simplesmente me inscrevi no JET como qualquer outra pessoa e fui enviado para Tohoku, já que eu tinha pedido que me enviassem para lá. Isso foi algo pouco comum, já que quase ninguém [fazendo intercâmbio] com o JET pede para ser enviado para essa região. Isso me deu a chance de continuar algumas das minhas atividades de voluntariado, incluindo visitar o lar de crianças onde trabalhei como voluntário e que havia recebido financiamento da JASSC. Maiores detalhes sobre o tempo que passei como voluntário no lar de crianças podem ser encontrados aqui.
Eu me inscrevi na bolsa de estudos da Bridging Foundation para que eu recebesse ajuda durante os meus estudos em Tóquio. Aquela assistência financeira me ajudou com recursos que me permitiram fazer viagens como voluntário a Tohoku com o grupo de voluntários da Equipe Asunaro; essas viagens muitas vezes tinham que ser financiadas por conta própria. A Bridging Foundation também me ajudou a conseguir um estágio num escritório de advocacia em Tóquio com o Koji Yamamoto, um mentor crucial na minha vida que continua a me guiar aqui no Japão.
As colaborações entre o JACCC e o Comitê Olímpico de Tóquio aconteceram muito mais tarde, depois que abri uma agência de consultoria de turismo e viagens em Tohoku.
O que levou você a abrir a sua empresa de viagens, The Hidden Japan?
Meu trabalho e as muitas visitas a Tohoku me fizeram perceber que Tohoku era a minha parte favorita do Japão. Tohoku me deu uma visão autêntica e profunda de um lado diferente do Japão que simplesmente não poderia ser encontrado nas movimentadas rotas turísticas de Tóquio, Kyoto e Osaka. Além disso, Tohoku também oferecia algo único que poderia atrair uma grande variedade de viajantes.
No início, o que eu fiz foi criar um blog de viagens como um hobby, escrevendo como um [bolsista do] JET. Mais tarde, com a ajuda de alguns amigos, eu fiz modificações para que o blog se tornasse um site mais completo; era como um trabalho paralelo que aceitaria anúncios. Quando um bom número de viajantes e agências de viagens começaram a nos contatar, eu e os meus parceiros nos demos conta que o negócio poderia se tornar algo ainda maior, e então passamos a trabalhar em tempo integral para criar a nossa empresa chamada The Hidden Japan.
O desastre de 11 de março teve um tremendo efeito nas regiões costeiras diretamente atingidas pelo tsunami, mas além disso houve também grandes danos econômicos e sociais em toda a região de Tohoku. Essa região está diretamente vinculada de todas as maneiras com famílias que trabalham em outras províncias, como também com as empresas que trabalham juntamente nessa região. Isso pode ser visto na criação do Festival Kizuna, que reúne todos os principais festivais da região de Tohoku e que foi elaborado para ajudar no apoio à região depois do tsunami. Nossa empresa trabalhou nas relações públicas desse festival, como você pode ver aqui.
Nossa agência também é bastante especial por estar baseada na região de Tohoku, já que quase todas as outras agências de viagens que atendem a turistas ocidentais são baseadas em Tóquio ou no exterior. Para mim, essa situação não é algo sustentável ou positivo para a região de Tohoku, especialmente no que diz respeito às áreas atingidas pelo desastre, já que muitos dos lucros e benefícios do turismo receptivo são perdidos dessa maneira.
Todos os nossos agentes moram e trabalham em Tohoku e formam laços profundos com os membros locais das comunidades para onde enviamos os visitantes. Sempre trabalhamos com guias locais, damos prioridade a hotéis de proprietários locais e à culinária local, e ainda trabalhamos com os governos locais para garantir que estamos sendo respeitosos e sustentáveis na nossa maneira de realizer as nossas atividades por aqui. Todos os meus funcionários têm amor por Tohoku e todos nos orgulhamos do fato de termos conseguido estabelecer uma próspera empresa de turismo aqui.
Como a parceria com o governo nacional e com os governos locais japoneses, os quais vêm trabalhando para revitalizar a área, permitiu que você compartilhasse as diversas áreas da região de Tohoku com os seus clientes internacionais e aqueles que moram no Japão?
Por muitos anos, desde a fundação da nossa empresa, nós sempre quisemos planejar passeios que contassem a história do desastre de 11 de março e o caminho para a recuperação que continua até os dias de hoje. Mas isso foi difícil, porque seria um grande desafio criar um tour desse tipo, com a garantia de que seria algo sério e respeitoso.
No ano passado, nós finalmente pudemos começar a fazer pacotes turísticos aqui mesmo, numa parceria com o governo da cidade de Sendai, e estamos começando a receber visitantes aqui. Criamos pacotes que combinam as grandes belezas naturais da área, a excelente culinária e as histórias inspiradoras da população local. Isso é muito importante para mim porque foi uma das razões iniciais para a minha mudança para o Japão, e sei que um pilar fundamental para a recuperação dessa região vai ser o turismo, que poderá ajudar a fortalecer as economias dessas comunidadezinhas.
Eu acredito que aqui existe um grande potencial para a criação de empregos relacionados ao turismo receptivo, incluindo a contratação de guias locais, a realização de confraternizações especiais com a população local, a hospedagem de visitantes em charmosas acomodações locais, e muito mais. O fato de eu estar envolvido em projetos de apoio para Tohoku por mais de 10 anos me ajudou a ficar a par das muitas necessidades dessa região, e agora acho que para mim essa é a maneira mais importante de apoiar Tohoku.
Você ainda está envolvido na assistência à região leste de Tohoku e tem algum projeto em andamento por lá?
Estou sim. Venho trabalhando com o Glenn Tanaka e o seu projeto Walk The Farm [lit. “Caminhe na Fazenda"]. Walk The Farm ofereceu apoio a muitos agricultores nessa última década e está bolando novos planos para continuar a ajudar no longo processo de recuperação dessas comunidades.
Na Província de Miyagi, por exemplo, o tsunami acabou com a indústria agrícola local e foi necessário um enorme esforço para revitalizar os campos depois dos estragos causados pela água salgada. Outro problema é que os agricultores locais vêm lutando para conseguir se manter e as suas cidadezinhas estão passando por uma crise porque não conseguem encontrar jovens agricultores para cuidar dos campos desocupados, agora que os agricultores que haviam ficado por lá estão começando a se aposentar.
Estamos trabalhando com o Glenn para ajudar a administrar esse projeto em colaboração com as cidadezinhas agrícolas ao longo da costa. Estamos ajudando a identificar as necessidades de alguns dos agricultores daqui e a encontrar novas maneiras de atrair jovens agricultores de forma que eles possam montar os seus negócios. Isso também inclui proporcionar experiências “da fazenda à mesa”, através da qual os turistas podem visitar essas pequenas comunidades agrícolas, conhecer os agricultores, trabalhar com eles nas colheitas e preparar pratos locais que eles possam desfrutar juntos. Maiores informações podem ser encontradas no site do Walk The Farm.
O que você gostaria que os leitores aprendessem com a sua jornada?
Eu gostaria de informar aos leitores que muitas pessoas ao redor do mundo se inteiraram sobre Tohoku por causa do desastre do tsunami, mas essa não deve se tornar a identidade do lugar ou o motivo pelo qual é lembrado. Essas comunidades são excelentes destinos turísticos para aqueles que procuram algo diferente, longe das multidões de turistas cada vez maiores que entopem as cidades grandes. Tohoku já passou por um longo percurso no seu processo de recuperação e está pronta para receber visitantes. E eu adoraria fornecer assistência aos viajantes interessados em planejar uma visita até lá.
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