Mal vindos do cogumelo de 1945, meus avós maternos e paternos.
Sonhando novas aventuras, novas sementes e novos amores.
Os jovens vieram do outro lado do mundo, iludidos pelos anúncios do Imperador sobre riqueza e terras, para se conhecerem aqui no Brasil! Cultivaram sob o sol ardente: um novo futuro, um novo lar e um novo casal.
Nunca mais voltaram… terceira geração. Criança grita, é a caçula de três irmãos. Infância difícil, viveu cercada de preconceito. Por isso, não cultivou a língua ancestral. Sinto pelos pequenos judeus, pelos pequenos angolanos, pelos pequenos indígenas, pelos pequenos do mundo inteiro.
Cresceu dividida entre a cultura da Terra do Sol Nascente e a da Terra do Pau-Brasil.
Para se reencontrar, ao passado regressou. Terra ressurgida! Viagem ao Japão com um grupo de artes japonesas, para conhecer os mestres do origami, da cerâmica e seus estúdios. O que não compreendia, não gostava, passou a admirar e a praticar: origami, raku e haicai.
Hoje, sem raça definida, a criança da terceira geração virou mulher e tem uma nova família brasileira. Infelizmente a antiga está sendo extinta pelos Deuses. O meu pai, Paulo, e a minha mãe, Naoko, já faleceram, aos 83 anos. E o meu irmão mais velho tristemente foi levado pela Covid-19. Restando apenas o sobrenome Yamashita, pois o meu pai era filho único. Sobrenome que um dia desaparecerá.
O meu irmão se casou e adotou uma menina, a minha irmã se casou e se divorciou, e ainda mantém o sobrenome do ex-marido. Eu optei por não adotar o sobrenome do meu esposo. A minha filha tem o meu sobrenome como segundo nome, e o sobrenome do pai, Oliveira.
Nesta atual sociedade misógina, infelizmente alguns sobrenomes desaparecerão com o tempo, pois as mulheres não podem preservar o sobrenome do pai.
Palavras e emoções que escrevo aqui para não esquecer, para preservar o pouco da história que resta dos meus Yamashita. Este sobrenome é bem comum, assim como Oliveira. Quando fui ao Japão, acabei conhecendo o Parque Yamashita e o achei lindíssimo, um frio de arrepiar.
Pelo que pesquisei no google, ele recebe esse nome em homenagem a um empresário japonês chamado Yamashita, que foi um importante doador de terras para a construção do parque. Ele foi construído após o Grande Terremoto de Kanto, em 1923. Pena que só temos o sobrenome em comum. Fico imaginando se temos algum tipo de parentesco.
Não me lembro muito bem do meu avô Benji Yamashita, só sei que ele era marceneiro, e os nossos brinquedos foram feitos por ele! Eu era muito pequena, só me recordo de que, onde morávamos, ele mantinha uma edícula fechada a sete chaves. Criança não podia entrar, rs. Lá ele colecionava diversos animais em potes de vidro, conservados com formol. Desde aranhas, serpentes, borboletas, animais marinhos como um cavalo-marinho, e muitos objetos antigos como mangás, discos de 78 rotações, e ferramentas de marcenaria.
Não sei dizer se ele trouxe do Japão, ou adquiriu aqui mesmo. Ele frequentava muito o bairro da Liberdade e o Porto de Santos. Também colecionava orquídeas, mas o meu pai não deu conta dessa coleção depois que o meu avô faleceu, não soube cuidar e acabaram morrendo.
O meu pai adorava fotografia, ao contrário do meu avô. Tenho algumas fotos guardadas dos meus avós maternos, os Kitamuras (eles eram do interior de São Paulo, de uma pequena cidade chamada Agudos, perto de Bauru). Os meus avós maternos tinham uma pequena fazenda no distrito de Domélia, cujo nome de batismo da minha mãe vem daí, Amélia!). A convite dos meus pais, eles vieram para São Paulo, e conheceram o Parque do Ibirapuera e o Museu do Ipiranga.
O meu pai continuou com a tradição do meu avô, a de levar os familiares, principalmente os meus primos do interior que vinham passar as férias aqui, e de outros Estados, como o Paraná, para visitar museus, o Zoológico, o Jardim Botânico, o extinto Play Center e outros pontos turísticos.
Ao contrário da família do meu pai, que era minúscula (apenas pai e filho), a da minha mãe era composta por dez irmãos. Hoje, infelizmente só resta uma irmã, a caçula, que agora está com quase noventa anos, e mora em Minas Gerais.
Como disse anteriormente, a maioria ficou no interior. Após a fazenda ser vendida, os irmãos abriram uma panificadora. As irmãs, a maioria, vieram trabalhar em São Paulo. A minha mãe veio trabalhar com a irmã mais velha, como costureira, e começou a estudar a língua japonesa no Bunkyo, onde conheceu o meu pai.
As tradições culturais japonesas me foram passadas pelo meu pai, e as tradições sobre culinária e artes manuais me foram passadas pela minha mãe. Um fato divertido: quem me ensinou a dobrar o tsuru (grou), símbolo da Paz e da Longevidade, foi o meu pai.
Hoje eu sou escritora e designer, e com os meus livros eu divulgo a milenar arte do origami, misturando-a com divertidas histórias: Mãos mágicas (SESI-SP), A cidade das dobraduras (Edições Barbatana) e Poemanimais, (edição da autora).
Em 2019, como já comentei, fiz uma viagem ao Nihon. E assim escrevi uma crônica, Com o coração aqui no Brasil, sobre uma ginkgo biloba milenar que caiu após uma forte ventania em Tóquio. Fiquei muito triste, pois cheguei a conhecê-la e fotografar. Na posição de turista, a gente passa o tempo todo tirando fotos, rs. Click, click, click. Eu tirei muitas fotos dessa árvore. Às vezes, parecia que ela me olhava e fazia uma pose. Parecia até uma estrela de cinema, ou de um dorama.
Aqui também temos árvores maravilhosas e centenárias, e algumas até em extinção. Parei para pensar, e percebi que precisamos cuidar, respeitar mais a nossa terra, os nossos animais, a nossa floresta, senão… iremos perdê-los.
E eu não consigo imaginar um mundo sem árvores. Seria como um bolo de chocolate sem a cobertura, um jogo de futebol sem os torcedores, uma escola sem os professores, um livro sem as palavras e as ilustrações. Um céu sem as estrelas.
E num estalo eu me lembrei de que, neste verão, com as chuvas intensas, centenas de árvores caíram em todas as grandes cidades. Só aqui no meu bairro foram várias, e então eu chorei. Senti outro aperto no coração, agora muito diferente.
As nossas árvores não são milenares, mas são NOSSAS, fazem parte do Brasil, da NOSSA história e das NOSSAS vidas.
Infelizmente tenho uma lembrança triste. O meu avô paterno trouxe uma muda ou sementes da ginkgo biloba, e a plantou num vaso pequeno, como um bonsai. E como dizem sobre o bonsai: ele não sabe o que é ser grande e mesmo assim nunca deixará de ser árvore!
A minha mãe acabou replantando o bonsai no solo do jardim da sua casa, e por pura falta de informação achou que a árvore não cresceria. Não ficaria tão grande! Nem que as suas raízes se espalhariam e mexeriam com a estrutura da casa. Assim, a árvore de mais de cem anos foi replantada em um jardim com mais espaço, cresceu muito e infelizmente precisou ser cortada.
Desta forma, termino a minha história, com as lembranças vindas dos meus avós e dos meus pais. Palavras e Emoções. Gratidão e Saudades!
© 2023 Tereza Yamashita