Por ter nascido e crescido no Brasil e por ter pais que sempre cultivaram a cultura de seus antepassados, só fui perceber que a culinária brasileira e a culinária japonesa eram distintas quando eu tinha mais ou menos sete anos de idade.
Nessa época um amigo meu, que não é nikkei, disse o seguinte sobre o nosso colega que, como eu, era um dos únicos nikkeis da cidade de Matão, interior de São Paulo:
“Cara, você não vai acreditar: ontem eu almocei na casa do Takeda e a mãe dele serviu arroz sem sal! Você acredita nisso?”.
Após perceber minha hesitação, ele ainda me disse: “Você não acha isso normal, acha?”.
Foi assim que, de queixo caído, descobri que a culinária brasileira e a culinária japonesa não faziam parte de uma mesma cultura, e que, principalmente, elas eram bem diferentes entre si.
E também foi assim que, bem mais tarde, pensando sobre esse assunto, percebi algo ainda mais curioso: que o modo tradicional de preparo do arroz – a base alimentar desses dois países – era a grande diferença entre essas duas culturas. Pois, enquanto uma prega o arroz soltinho e bem temperado, a outra diz que tem que ser grudadinho e sem tempero.
Diferenças essas, vale ressaltar, que apesar de sutis são gritantes a um paladar desavisado – que o diga esse meu amigo.
O sabor do gohan – que é o arroz japonês – é mais acentuado do que o do arroz brasileiro. Os seus grãos também são mais atarracados. Sua característica mais marcante é o fato de que, após preparado, eles ficam bem grudadinhos uns aos outros.
E o seu preparo é extremamente fácil. Basta ter uma panela elétrica ou de pressão, um pouco d’água, um punhado de arroz, vinte minutos de espera e está pronto.
Já o arroz brasileiro, para deixá-lo do jeito certo – soltinho e rachadinho no meio – é algo extremamente difícil.
Inclusive eu já acompanhei testes em que duas pessoas fizeram arroz brasileiro seguindo a mesma receita – quantidade de arroz, de sal, de água e de cebola –, o mesmo método – a altura do fogo, o tipo de panela e a sequência em que se colocam os ingredientes na panela – e a mesma cronometragem – momento de colocar a receita na panela, momento de colocar e de tirar a tampa da panela e momento de apagar o fogo –, e verifiquei que o resultado ficou totalmente diferente um do outro.
Enquanto um ficou soltinho e partidinho, o outro ficou estufado e empapado. Conclusão: fazer arroz brasileiro não é para qualquer um.
Enfim, não tem como comparar a exuberância do arroz brasileiro com a elegância do arroz japonês. Ainda mais se incluirmos as outras formas de preparo.
Por exemplo: no preparo do arroz brasileiro há quem inclua ovo, cenoura, salsinha ou cebolinha – sem contar os ingredientes do Arroz Carreteiro, do Arroz Farofado, do Baião de Dois etc. E no preparo do arroz japonês há quem inclua missô, gergelim e furikake – sem contar os vários ingredientes dos vários tipos de sushis.
Em relação a esses dois tipos de preparo mais tradicionais, eu nunca tive preferência. Pois para mim, eles são tão diferentes um do outro que os considero como pratos distintos. E sou até capaz de servi-los na mesma refeição: gohan com arroz.
Voltando ao começo da crônica:
Tempos depois, aquele meu amigo – o que não é nikkei – jantou em minha casa. E eu, por já conhecer o seu gosto, pedi para que minha mãe preparasse arroz brasileiro. Ela o fez. O meu amigo comeu e ainda o elogiou muito.
Mas não teve jeito. Mais tarde, soube por terceiros, que ele achou estranhíssimo o tempero que nós de casa usamos para a salada: o shoyu.
© 2017 Hudson Okada
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