Minha mãe chamava-se Terezinha. Ela nos deixou dessa vida terrena aos 59 anos e considero que viveu muito pouco. Dizem que as pessoas boas vivem pouco porque precisaram de menos tempo para evoluir espiritualmente. Eu acredito nisso, minha mãe era uma ótima pessoa.
Tenho muitas lembranças com ela e como somos uma família nikkei, algumas dessas recordações remetem a palavras japonesas marcantes.
Nós somos três filhas. Isso mesmo, somente mulheres. Sendo nós três meninas, tivemos uma infância em que não faltaram companhias para brincar, aprendizados em conjunto, mas também muitas brigas com xingamentos, beliscões e tapas entre nós. Levávamos vassouradas e deixávamos minha mãe quase louca. Meu pai, infelizmente, trabalhava bastante fora, então convivíamos menos com ele, mas isso não significa que não nos dava broncas também, contribuindo em nossa criação.
Uma das coisas divertidas para nós, mas motivo para deixá-la enfurecida, era trancar alguma das irmãs para fora da casa, no quintal, até ficarem com vontade de fazer xixi. Era nesse momento que começava a gritaria pelo desespero em usar o banheiro. Então, minha mãe entrava em ação para apaziguar a situação.
Lembro-me de jogarmos água gelada pela janela do banheiro enquanto outra irmã tomava banho, mas obviamente recebia-se o troco. Em seguida, iniciava-se a discussão para minha mãe descobrir quem começou a encrenca, na tentativa de dar um castigo justo a quem merecesse. Porém, a frase mais usada era “Foi ela que começou!”. A forma prática de resolver era colocar todas que participaram da travessura, de castigo.
Nos finais de semana e feriados, para acordarmos e ajudarmos minha mãe no mínimo dos serviços domésticos, não bastava o grito dela de “Hayaku, okinasai” [acorde logo]. Era preciso abrir as janelas para a claridade entrar no quarto, puxar nosso futon [cobertor] e assim, nos incomodar e finalmente levantarmos. Se ninguém nos chamasse, dormiríamos até 11h, meio-dia. Ai, ai, era tanto sono que sentíamos nessa época!
Ouvíamos muitas vezes a expressão “Katazukenasai!” [coloque em ordem], para arrumarmos o quarto, a cama, os brinquedos. Quem não falasse “oyassuminasai” [boa noite] antes de ir dormir e “tadaima” [cheguei] ao chegar em casa, levava bronca na certa. Algumas ordens eram na base da gritaria, por isso mencionei “quase louca” anteriormente. Imagine a situação!
Esses foram exemplos do contato que tivemos desde pequenas com palavras do idioma japonês e que, inclusive, vem sendo ensinadas para a minha primeira e única sobrinha, de 3 anos. Nós da família, ficamos cheios de orgulho e contentes em vê-la já aprendendo costumes nossos.
Aqui no Brasil, às vezes tenho a impressão de que falo “Obrigada” e “Por favor” até demais, e em situações que a maioria das pessoas não costuma falar. Por exemplo, ao recusar um panfleto sendo distribuído na rua, eu digo, “Não, obrigada!”. Apenas observo essa diferença e fico satisfeita em praticar a educação que meus pais ensinaram.
Com o passar do tempo e conhecendo o Japão, fiquei mais esclarecida quanto a isso e entendi a importância dos cumprimentos na cultura japonesa e a certa rigidez na educação dos filhos. Claro que sendo sansei, parte disso se perde com a transição de gerações, mas considero que ainda tive uma criação rigorosa e que foi boa.
Bom, quem ainda acha que filhas do sexo feminino dão menos trabalho do que meninos, talvez precise rever essa ideia. Eu costumava ouvir o seguinte conceito de alguns parentes e amigos dos meus pais: o kanji onna (女) significa “mulher”. Até aí tudo bem, mas 3 kanjis iguais a esse formam o radical do adjetivo kashimashii (姦しい) que significa “barulhento”. Talvez isso possa explicar algumas coisas!
© 2016 Silvia Lumy Akioka
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