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Manga

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Manga ou mangá (Foto: WikiHow)

“Man-ga? Man-ga? Man-ga?”

A cena que ocorria em minha frente era bastante inusitada. Levei alguns segundos para entendê-la:

Uma mulher, com um enorme ponto de interrogação sobre a cabeça, olhando para mim e me dizendo: “Man-ga? Man-ga? Man-ga?”.

Nesse momento, eu percebi que essa seria uma boa oportunidade para treinar a minha intuição – que nunca foi “lá” essas coisas. Comecei a levantar hipóteses:

Apesar de seu sotaque japonês e de sua aparência japonesa, deduzi que essa senhora não se referia às histórias em quadrinhos, mangá. Porque, além de estarmos num supermercado, ela apontava para uma bancada de frutas.

Supus que ela quisesse minha ajuda e então me aproximei. Após ela me perguntar se eu sabia falar em inglês e eu lhe responder que o meu inglês era meia-boca –balançando a mão espalmada para baixo –, fiz gesto para que ela desembuchasse.

Felizmente, o inglês dela também era meia-boca; pois entendi tudo o que ela me disse: ela queria que eu a ajudasse a escolher uma manga que ela pudesse comer naquela mesma noite.

Sim, talvez eu lhe fosse útil. Além de eu ter chupado manga minha vida toda, essa mulher, pelo jeito, não sabia nada sobre o assunto; pois estava cutucando a mais mole e a mais malcheirosa das mangas.

Comecei a trabalhar. A plaquinha da bancada me dizia que essas mangas eram do tipo Tommy. E havia Tommy de todas as cores –verde, amarela e vermelha.

A tarefa não iria ser fácil. Jáchupei manga de casca verde, de casca amarela e de casca vermelha. E todas elas estavam deliciosamente saborosas. Isso se deve ao fato de que a cor de uma manga madura depende de seu tipo.

Pensei bem: “É... a amarela me parece boa. A vermelha... hum... é, a vermelha está... Mas... e a verde, hein?”

Eu não poderia errar. A mulher veio do outro lado do mundo e gostaria de experimentar uma manga madura. E, pelo que entendi, nós não teríamos outra chance. Seu avião partiria no dia seguinte, direto para o Japão.

Por sorte, a minha intuição me salvou novamente. E ela me disse que a lógica da manga Tommy não éa mesma lógica da dos faróis de trânsito. Por isso, eu deveria evitar as verdes, ter cautela com as amarelas e avançar as vermelhas. Assim, peguei a mais rubra que havia por ali.

Nesse momento, a mulher soltou um pequeno ar de alívio. Ela parecia estar de acordo comigo. E o que se passou em seguida, meu caro leitor, foi indescritível:

A boa mulher, segurando a fruta junto ao peito, me fez várias e curtas reverências com a cabeça, e me disse:

“Obiri-gado! Obiri-gado! Obiri-gado!”.

Fui no embalo. Também lhe fiz reverências, e lhe disse:

“De nada! De nada! De nada!”–e, no final, ainda lhe acenei com um joinha.

Mais tarde, jáem minha casa, fiquei na dúvida: eu poderia ter lhe indicado uma manga multicolorida (com tons de verde, de amarelo e de vermelho na mesma fruta). Ao menos algumas de suas partes estariam boas.

Ou, talvez, ter sugerido a ela que levasse uma manga de cada cor. Assim não teria como errar e... hum... mas... Pensando bem, isso poderia soar grosseiro.

Minha dúvida sófoi ter fim após eu ter assistido alguns tutoriais na Internet: “Como saber se a manga estámadura”.

Ufa, acho que acertei.

Espero que essa mulher esteja feliz no outro lado do mundo. E que ela fale para seu marido e seus filhos –com o seu fluente japonês –que, láno Brasil, ela quis provar uma fruta que se chamava man-ga. E que alguém de muita boa vontade a ajudou a escolher a mais saborosa das man-gas:

“A mais vermelha, né!”

 

© 2016 Hudson Okada

Os Favoritos da Comunidade Nima-kai

Todos os artigos enviados para esta série especial das Crônicas Nikkeis concorreram para o título de favorito da nossa comunidade. Agradecemos a todos que votaram!

41 Estrelas
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Sobre esta série

Arigato, baka, sushi, benjo e shoyu—quantas vezes você já usou estas palavras? Numa pesquisa informal realizada em 2010, descobrimos que estas são as palavras japonesas mais utilizadas entre os nipo-americanos residentes no sul da Califórnia.

Nas comunidades nikkeis em todo o mundo, o idioma japonês simboliza a cultura dos antepassados, ou a cultura que foi deixada para trás. Palavras japonesas muitas vezes são misturadas com a língua do país adotado, originando assim uma forma fluida, híbrida de comunicação.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Editorial Committee’s Selections:

  • PORTUGUÊS:
    Gaijin 
    Por Heriete Setsuko Shimabukuro Takeda

  Escolha do Nima-kai:

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About the Author

Udê, ou Hudson Okada, nasceu na cidade de Matão-SP, no dia 02 de agosto de 1979. Mora em São Paulo desde 2005. É neto de japoneses e adora escrever sobre a cultura nikkei.

Faz parte do time de colaboradores do site Descubra Nikkei e do site Tempos Crônicos.



Atualizado em abril de 2017

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