O garoto Nakajima detestava as aulas da escola de língua japonesa. Mas vivendo em Bastos, cidade com uma população muito grande de origem japonesa, a todos os lugares que ia, parecia que estava no próprio Japão. Seja a quitanda, a padaria, o salão de barbeiro, o comércio todo estava nas mãos de nikkeis e o hotel também. A família Nakajima era dona de uma granja e o garoto, que era o segundo dos filhos, tinha que ajudar vendendo ovos. Isto também era uma coisa que não gostava, pois não sabia o que dizer quando a freguesia falava com ele em japonês.
O jovem Nakajima não tinha mesmo nenhum interesse pelas coisas do Japão, tanto que nunca chegou a frequentar o Kaikan, onde aconteciam todos os eventos ligados à cultura japonesa. Nos fins de semana, costuma ir a locais onde se reuniam os jovens não descendentes e vivia dizendo: “Sabe que eu nunca namorei uma japonesa? Legal mesmo é namorar as brasileiras!”.
O nome Tomio, escolhido pelo seu avô, ele mudou para “Antonio”, mas a turma só o chamava de “Japonês”. Ele morria de desgosto, mas aguentava firme e calado.
E quando estava com 17 anos, Nakajima deixou a cidade e foi para São Paulo, dizendo que não tinha jeito para trabalhar na granja e que não gostava da vida no interior.
Maior de idade, ele mudou de endereço e de emprego várias vezes, até que, aos 22 anos de idade, chegou ao bairro do Bixiga e encontrou trabalho na “rua dos italianos”, numa pizzaria. O dono logo reconheceu que Nakajima era bom e a pizza que ele fazia tornou-se a mais pedida pela clientela.
Nakajima andava muito ocupado, mas encontrou tempo para ir a uma festa italiana, onde conheceu Maria Cecília, com quem se casou depois de superar a oposição dos pais dela. E o casal teve dois filhos.
Como Maria Cecília tinha problemas no coração, quem fazia o trabalho doméstico era a empregada e o marido, a mãe e a tia dela ajudavam-na na criação dos filhos. Um dia, a filha casou-se e foi morar na Itália e o filho entrou na faculdade e foi morar em um apartamento com mais três colegas.
Após 23 anos de casados, enfim, estavam a sós e assim tiveram mais tempo para conversar e trocar ideias. Foi aí que a esposa começou a falar de algo que até então nunca havia comentado: que seu sonho era conhecer o Japão!
Foi uma grande surpresa para Nakajima. Descendente de italianos, sua esposa fazia questão de preservar as tradições dos antepassados e com os parentes mais velhos só conversava em italiano. “Que se interessava pelo Japão, essa eu não sabia!”. Foi então que ele se lembrou de quando ia pôr o nome na filha: ele disse que “Regina” estava bom, mas sua esposa insistiu em acrescentar o nome japonês “Sayuri”. E na vez do filho também o nome já estava escolhido: “Renato Yuji”.
- É isso mesmo! Já que é para viajar a um país tão distante como o Japão, podemos ir até o lugar onde estão a minha mãe e o meu irmão! – disse Nakajima com entusiasmo.
- O quê? A sua mãe e o seu irmão se encontram no Japão agora?
- Eles foram pra lá uns dois anos atrás. Depois que o velho faleceu, o meu irmão teve dificuldades para tocar a granja, vendeu tudo e a família acabou indo trabalhar no Japão. Vem cá, vamos nós também?
Foi assim que Nakajima largou sua carreira de 24 anos de pizzaiolo e começou os preparativos para uma nova vida, desta vez no Japão. E a primeira coisa que pensou em fazer foi aprender japonês.
© 2014 Laura Honda-Hasegawa