Da província de Yamanashi, no Japão, para o Brasil. Os pais de Cecilia Kondo, de 59 anos, instalaram-se em Pereira Barreto (SP), a 626 km da capital, tendo nascido em uma cidade onde se concentra uma grande comunidade de descendentes. Morou em um sítio com as famílias dos dois irmãos de seu pai.
Lá, frequentou escola japonesa (nihongakkou) e cresceu falando o idioma. “Meu pai, minha mãe e a bachan falavam nihongo só”. Falava “muito bem” e sabia ler também. “Ler mangá ajudou muito”. Cecilia conta que era “fácil”, pois o kanji vem acompanhado da escrita em hiragana. E complementa: “Mas, mesmo assim, tinha muitas palavras que a gente aprendia, porque lia”.
Contato com a cultura japonesa
Dos cinco aos 16 anos, praticou kendo na associação da comunidade, ACEP - Associação Cultural e Esportiva Pereira Barreto. Seu pai e tio eram senseis. O treino e a dedicação eram coisa séria, tanto que participava de competições em São Paulo (SP) e outras cidades, como Brasília (DF) e Curitiba (PR).
A viagem para a capital paulista era feito de trem, de Santa Fé do Sul (SP), a cerca de 90 km de Pereira Barreto, até a estação da Luz, de onde pegavam um ônibus fretado que os deixava na associação de Yamanashi, na Liberdade. “A gente estendia um monte de colchão e dormia todo o mundo junto”, conta.
Para outras cidades, o trajeto era de ônibus. E, para fretar ônibus, participavam de eventos para arrecadar dinheiro, como o Bon Odori (festival que é realizado anualmente durante o verão, entre julho e agosto, no Japão). Mães e esposas dos atletas de kendo, beisebol e atletismo ajudavam no preparo de comidas para vender.
Paixão por moto
“Comecei a andar de moto com uns 12 anos, quando ganhei uma motoneta, que chama Motovi Puch 50cc”. Já aos 16 anos, ganhou uma RX 125 zero quilômetros de seu pai. “Por esse motivo que até hoje gosto de moto, eu andava muito lá”, explica.

Mais tarde, fez a primeira viagem sobre duas rodas, da cidade natal até Araçatuba, onde fez a faculdade de Odontologia. Depois de se formar, levou a RX 125 de volta para Pereira Barreto. Mudou-se para São Paulo e parou de andar de moto quando começou a trabalhar. Decidiu dedicar-se à carreira e logo se casou e teve filho.
Em 2004, mais ou menos 20 anos depois, certa vez quando pegou a Rodovia Governador Carvalho Pinto, que liga Guararema a Taubaté (SP), viu uma pessoa andando de Harley Davidson e ficou com vontade de ter moto de novo.Cecilia tinha se separado do marido e estava buscando algo que gostasse de fazer, um hobby. “Depois de um mês ‘namorando’ uma moto [uma Virago 250] com placa de ‘vende-se’ numa borracharia em Santana [bairro na Zona Norte da cidade], resolvi comprar. A partir daí, nunca parei mais de andar de moto. A paixão só foi crescendo”.
Assim, a primeira viagem com a nova aquisição foi para Paraty (RJ), no Carnaval. Foi a partir de então que pensou que iria querer viajar sempre de moto. “Antes eu não viajava muito, mas depois que conheci o atual companheiro, fui pouco a pouco deixando de trabalhar de sábado e comecei a fazer viagens longas com ele”.
Mais tarde, em 2019, passou a gostar de fazer trilhas. Ou seja, fazer percursos off-road, mais difíceis, com diversos obstáculos, entre pedras, areia, lama e até degraus. Além disso, começou a participar de grupos de mulheres motociclistas, como Aceleradas e Ladies of The Road.“As Aceleradas aceitam qualquer tipo de moto, desde pequena, de garupa, e é um movimento que estimula mais ainda outras mulheres a andar”, explica.
A nissei visitou sobre duas rodas países como Argentina, Bolívia, Chile, Estados Unidos e Peru, além do Norte do Brasil. “Contando tudo, desde criança até hoje, devo ter rodado uns 400 mil km ou mais, sem falar que ando direto dentro da cidade, né? Mas, em termos de viagem, isso é pouco. Tenho amigas que provavelmente vão passar essa marca, porque elas são mais jovens que eu e já rodaram bastante”.

Dedicação e superação
Pensando na profissão, decidiu fazer um curso de marketing digital. Nessa mesma época, o motociclismo foi tornando-se mais popular, com mais mulheres andando de moto e cada vez mais postando nas redes sociais. E, por não ter visto nenhuma outra mulher fazer viagens tão incríveis como ela fazia, também se interessou por mostrar suas experiências no Instagram, passando a ser conhecida como Japagirl Rider.

A ideia era investir no trabalho, mas, ao mesmo tempo, pensava na possibilidade de fazer vendas pela Internet. Em 2018, após fazer viagem pela Carretera Austral, rodovia no Chile, surgiu o projeto do blog como um investimento e negócio. Aos poucos, foi publicando desde as viagens antigas até as mais atuais.
No ano seguinte, Cecilia já não queria mais trabalhar como dentista, porque passou a viajar muito e considerou dedicar-se apenas ao motociclismo. Assim, surgiu a vontade de tirar um ano de sabático no Alasca. Infelizmente, a pandemia de Covid-19 cancelou esse plano e as viagens foram retomadas no final de 2020.
Para a Japagirl Rider, viajar de moto significa superação e estar em contato com a natureza. “É um sentimento diferente”, diz. Enquanto na Europa teve conforto, em Roraima acampou, pegou estrada de terra etc. “Porque sei que não é qualquer pessoa que faz, então isso para mim é muito mais importante. A gente está o tempo todo mostrando que consegue. Por isso que treino, para melhorar.” E, fazendo as coisas com o coração, é possível conquistar o mundo.
© 2024 Tatiana Maebuchi