Transmitir a cultura imigrando em massa
Os jornais de Okinawa costumam escrever que “no Brasil ainda existe a Okinawa da era Meiji”. Isto é resultado da imigração em massa que trouxe os costumes e o idioma da época, que vêm sendo preservados até os dias de hoje.
Ainda existem famílias onde se fala uchinaguchi, a língua local; nos eventos da associação que reúne pessoas de Okinawa é apresentado o teatro uchinaguchi, além do campeonato de oratória uchinaguchi que acontece anualmente. Em maio deste ano, no fórum organizado pela associação, o tema foi “Uchinaguchi, nossa maior herança”, que foi debatido com fervor.
Na própria Okinawa, entretanto, os usuários da língua estão diminuindo drasticamente. Antes da guerra, professores transferidos para a ilha proibiram o uso da língua de Okinawa na escola e, se algum aluno desobedecesse, recebia o castigo de ficar com uma tabuleta dizendo que usou o dialeto, pendurada pelo pescoço. No pós-guerra, a ilha foi dominada pelas forças americanas e até 1972, quando se deu a devolução ao Japão, durante o período de 27 anos, teve lugar o “movimento para se tornar-se japonês”, quando o dialeto deixou de ser falado pela segunda vez.
Depois da reintegração ao Japão, o sentimento de recuperar a identidade como pessoa de Okinawa foi crescendo e, na década de 1980, a imprensa escrita e falada focalizaram os feitos de pessoas originárias de Okinawa que viviam no exterior. Foi então que as atenções se voltaram à “Okinawa da era Meiji”, referindo-se aos nikkeis da América do Sul.
Na busca pela identidade, em 1990 começou um movimento contrário à saída em massa da ilha: o Uchinanchu Taikai, um grande evento que reúne em Naha pessoas e descendentes de Okinawa vindos do mundo inteiro.
Em outubro de 2011, fui cobrir o “5º Sekai Uchinanchu Taikai” e fiquei surpreendido pela grandiosidade do evento e pensei: “Não existe outra província igual a esta”.
Participaram cerca de 5.200 pessoas de 25 países e somente do Brasil foram mais de 1.200. Do Havaí foram dois aviões jumbo fretados. Brasil e EUA somaram mais da metade do total de participantes.
Reviravolta social no Brasil
Em 2008, quando se comemorou o centenário da imigração japonesa, aconteceu algo notável que foi a reestruturação da sociedade nikkei tendo como centro pessoas descendentes de Okinawa. É o caso de Kokei Uehara, considerado um dos três pilares da sociedade Nikkei e que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social (Bunkyo). Akeo Yogui, da segunda geração de Oroku, tornou-se presidente da Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil. E em abril de 2015, foi eleita para a presidência do Bunkyo a primeira mulher em 50 anos de história. Trata-se de Harumi Goya, que imigrou no pós-guerra ainda criança, procedente da cidade de Yaese, província de Okinawa.
A partir do século XIX, pessoas das classes oprimidas da Europa e Ásia imigraram para o Novo Mundo, instalando-se no continente americano. Consequentemente, na América do Sul, essas pessoas se reuniram e um novo modelo de sociedade começa a ser construído.
Em termos mundiais, a classe rica permanece nos lugares antigos e, para os lugares novos, está se movendo a camada oprimida nos países de origem. Os fracos estão se juntando para formar um grande país. Em certo sentido, está começando uma reviravolta na hierarquia social.
Segundo a matéria publicada no semanário “Shinko”, de 27 de novembro de 2014, intitulada “Sekaishi wo tsukutta business model Trad.literal O modelo de negócios que construiu a história do mundo”, a Inglaterra conta com 4.670.000 imigrantes estrangeiros e o Japão, 770 mil (dados do Banco Mundial). Na Inglaterra isso corresponde a 7,5% da população geral, enquanto que no Japão essa taxa é de 0,6%. “Se sair do país, lá fora acaba se tornando um aburemono (Nota da trad. alguém que fica à margem por não se enquadrar na sociedade nem no mercado de trabalho)” analisa. No caso de funcionário enviado para trabalhar fora, “está sempre com os olhos voltados para a matriz e, retornando ao Japão, ele acaba pertencendo ao ‘grupo internacional’”, mas o imigrante torna-se um sujeito diaspórico, alguém que perde sua pátria. Falando francamente, ele é um aburemono”, salienta.
Com referência ao pensamento insular do japonês do Japão, Masataka Kosaka, especialista em Política Internacional, escreveu em sua tese: “a Inglaterra era um país aberto e o Japão não”, dizendo que embora fosse uma ilha, a Inglaterra se abriu para o mundo e o Japão isolou-se.
Com a mente aberta para o mundo
Por ocasião do “5º Sekai Uchinanchu Taikai”, realizado em outubro de 2011, o então governador Hirokazu Nakaima recepcionou os convidados na cerimônia de abertura dizendo “Okaerinasai”, cumprimento de boas-vindas para alguém que retorna à casa . Além dos descendentes que vivem no exterior, estavam presentes em grande número membros da Associação da Província de Okinawa de Tóquio e da Associação da Província de Okinawa de Hyogo, quando um residente local disse: “Mesmo saindo da ilha e indo para o arquipélago ou para o Brasil, todos são iguais”.
E em novembro de 2013, o Brasil recebeu pela primeira vez a banda de sucesso “Begin”, que começou o show diante de 3.300 espectadores que lotaram o local, notadamente pessoas originárias da província, com um “Tadaima”, que todo filho diz quando regressa à casa.
Bem ou mal, os descendentes de Okinawa já há muito ultrapassaram os limites do “Japão”. Têm uma turma de amigos espalhada pelo mundo e eu tenho a impressão que é esse sentimento, ao mesmo tempo local e global, que impulsiona a oposição ao governo na questão da base naval.
Quando houver o reconhecimento de que a história da imigração deve ser incluída na História do Japão Moderno, pela primeira vez os japoneses do Japão inteiro estarão conectados com o mundo e este será o primeiro passo para o Japão tornar-se uma nação aberta.
© 2015 Masayuki Fukasawa