Minha família é toda descendente de japoneses. Meus bisavós são isseis, meus avós nasceram no Brasil - são nisseis - e casaram-se com descendentes, assim como meus pais, que são sanseis. Apesar disso, pouco da cultura das minhas raízes me foi passada. Descobri a cultura japonesa de verdade já adulta.
Aprendizados na infância e negação na adolescência
Durante a infância, fazia visita à minha avó paterna no interior de São Paulo - ou passava alguns dias de férias lá. Com ela, aprendi a contagem de números até dez, palavras (como abunai, “perigoso”) e frases simples, como mizu chodai (“água, por favor”, expressão mais usada por crianças).
Tanto na casa dela quanto na minha, tínhamos o costume de usar expressões do dia a dia em japonês: ohayou (“bom dia”), oyasumi (“boa noite”), itadakimasu (“obrigado pela comida”), gochisousama (“obrigado por esta refeição”), tadaima (“voltei neste momento para casa”). Mas este hábito se perdeu com o tempo...
Depois, na pré-adolescência e adolescência, passei por outra fase, a de certa negação da cultura e das minhas próprias raízes. Não tinha interesse. Na realidade, meu foco era outro - me dedicar à escola, estudar Inglês e pensar no Vestibular.
A descoberta
Já na época de faculdade, trabalhei na redação de um site comemorativo aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil e, por isso, acompanhava os eventos que celebravam a data. Em seguida, comecei a estagiar no Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social), onde iniciei o real conhecimento da cultura japonesa. Foi como uma imersão!
Assim, aprendi valores e costumes, além de conhecer sobre cinema, música (shamisen, uma espécie de banjo, e taiko, o famoso tambor japonês, que são meus favoritos!), dança (tradicional e folclórica), arte - ikebana (arte do arranjo de flores), kirigami (arte do corte de papel), furoshiki (técnica de embrulho com tecido), shodo (caligrafia), entre outros -, idioma, história da imigração e estabelecimento dos japoneses no Brasil, datas comemorativas (como o Dia das Meninas, Hina Matsuri; Dia dos Meninos, Kodomo no Hi; e Ano Novo, shougatsu).
Conheci também os festivais de cultura japonesa. Para mim, os de maior destaque são o Bunka Matsuri, realizado pelo Bunkyo; o Tanabata Matsuri - Festival das Estrelas, organizado pela pela ACAL – Associação Cultural e Assistencial da Liberdade e pela Associação da Província de Miyagi; e o Festival do Japão, do Kenren (Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil).

Descobri que existem diversas parcerias entre os governos brasileiro e japonês para de bolsas de estudo no Japão - a grande maioria nas áreas de Exatas e Biológicas. Há oportunidades oferecidas pelo Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia (MEXT); pela JICA (Japan International Cooperation Agency ou Agência de Cooperação Internacional do Japão, em Português), órgão que apoia o crescimento e a estabilidade sócio-econômica de países em desenvolvimento; e pela Fundação Japão, organização vinculada ao Ministério das Relações Exteriores do Japão para promover o intercâmbio cultural e a compreensão mútua entre o Japão e outros países.
Conheci restaurantes tradicionais japoneses e a história dos comerciantes da Liberdade, que em 1912 começou a receber os primeiros imigrantes que passaram a viver lá e abriram seu próprio negócio.
Novos interesses
Esta convivência com a cultura nipônica até despertou em mim o interesse em estudar o idioma japonês, o que decidi fazer depois de terminar os cursos de Inglês e Espanhol. Nas aulas, aprendi ainda mais sobre a cultura, valores e costumes.
Despertou também a curiosidade. Decidi saber mais sobre o trajeto e a história de minha família. Perguntei aos meus pais e meus avós o que sabiam ou lembravam. Assim, pesquisei detalhes de quem veio ao Brasil, em que ano e navio, e qual a província de origem. Consegui encontrar informações pelo banco de dados do projeto Ashiato ("pegadas", em Português), lançado em 2008, ano do centenário da imigração japonesa no Brasil com o objetivo de preservar a história e permitir aos descendentes conhecer suas origens.
O projeto realizou a transcrição de 210 mil registros de embarque de imigrantes japoneses que viajarame 322 navios, no período de 1908 a 1972, originalmente em kanji (ideogramas) para a língua portuguesa. O material foi doado ao Museu da Imigração (antigo Memorial do Imigrante), no bairro do Brás, e ao Museu Histórico de Imigração Japonesa no Brasil (MHIJB), na Liberdade, ambos em São Paulo.
Nesta busca pela história e até mesmo de identidade, descobri que sou descendente de quatro províncias: Hokkaido, Fukushima, Kumamoto e Nagano. E quis saber mais. Tive a curiosidade de conhecer as associações de cada uma destas províncias e suas respectivas atividades. Infelizmente, os kenjinkais - como também são chamados - dependem muito do apoio do governo de sua província para se manter.
E este ciclo se encerrou com a viagem que fiz ao Japão. Desde o início do aprendizado até antes de viajar, minha visão sobre a cultura japonesa mudou bastante. Depois voltar ao Brasil, tenho a certeza de que a experiência no país de origem de minha família me fez entender melhor a cultura e perceber que o que vemos e conhecemos aqui no Brasil é apenas a ponta de um vasto mundo.
© 2015 Tatiana Maebuchi