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Uma artista de quadrinhos no Brasil

Cristina Eiko e seu marido, Paulo Crumbim, no lançamento do seu trabalho mais recente (Foto: Henrique Minatogawa)

 

Encontrei a desenhista Cristina Eiko Yamamoto, 37 anos, no lançamento da graphic novel Penadinho – Vida, que ela assina ao lado do marido, Paulo Crumbim.

Antes de chegar a minha vez de ter o livro assinado pelos autores, pude observar Cristina recebendo os visitantes à frente. Ela se levantava, recebia o livro com as duas mãos e devolvia autografado na mesma forma. Muitos fãs agradeceram ao modo oriental de fazer reverência.

“Eu não sei ser diferente. Por muito tempo (na verdade, até hoje) titubeio na hora de falar com uma pessoa mais velha, de chamar de “você“ ou “senhor(a)””, conta. Cristina é descendente de quarta geração (yonsei). As origens de sua família estão nas províncias de Hiroshima, Kumamoto e Nagano.

A razão para esse comportamento pode ser a convivência, na infância, com a avó nisei, ou por ter feito a pré-escola em escola japonesa, tendo contato primeiro com o idioma japonês, antes do português.

Posteriormente, foram três estadas no Japão. “A primeira aos 12 anos, quando ganhei uma bolsa para ficar um mês estudando a cultura japonesa com outras adolescentes em Kanagawa. Na segunda, em 1997, fui fazer arubaito na província de Nagano, em uma estação de esqui, durante as férias da faculdade. E a última, em 1998, fui a Tokyo fazer arubaito em uma fábrica de telas para GPS. As viagens foram rápidas. Infelizmente, não conheci muito do Japão fora as regiões onde passei cada período. Mas boas para reencontrar meus tios que moram no Japão desde o começo da década de 90 e para voltar com a mala cheia de mangás”, recorda.

Cristina é apreciadora da cultura do animê, mangá e cinema do Japão. “Cresci lendo mangás de livros como shougaku ichinensei até yonensei que minha mãe comprava, acompanhando meus estudos na escola de japonês. Não passei do conhecimentos de kanji da 4a série japonesa. Meu pai era cinéfilo e fã do Kurosawa, e isso passou para mim. Gosto dos filmes do Kurosawa, Ozu e outros.”

Essas referências japonesa estão presentes também no trabalho de Cristina. “A relevância é gigante, principalmente os filmes do Miyazaki, como Kaze no Tani no Nausicaa [Nausicaä do Vale do Vento, título em português] e Tenkuu no Shiro Laputa [O Castelo no Céu] que eu revi diversas vezes em fitas Betamax. Samurai Troopers era um favorito da infância e fez com que eu começasse a prestar atenção em aspectos técnicos de animações, como o character design e como os personagens mudavam de um episódio a outro dependendo de quem fosse o animador. Passei a reconhecer alguns nomes para acompanhar o trabalho, como Shuko Murase, Nobuteru Yuuki e outros”, conta.

Uma das ilustrações de Cristina tem o kotatsu como tema. Trata-se de uma pequena mesa com um cobertor e um aquecedor, muito comum nas casas japonesas. “O kotatsu me encantou quando fui ao Japão pela primeira vez e visitei casas de japoneses. Como só conheço o Japão no inverno, o kotatsu é parte da realidade maravilhosa de lá. Havia um kotatsu no alojamento em Tokyo também; passávamos muito tempo só assistindo TV nele nas horas vagas”, lembra.

'Como só conheço o Japão no inverno, o kotatsu é parte da realidade maravilhosa de lá' (foto: Cristina Eiko)  

Entretanto, atualmente, Cristina não tem contato com a comunidade nipo-brasileira. “Na infância e adolescência, convivi com nikkeis preconceituosos. Não me sentia confortável com a ideia de se isolar em um núcleo e não se misturar com quem fosse diferente. Não sei o quanto ser leitora de X-Men influenciou o meu pensamento”, afirma.

Histórias em quadrinhos, graphic novel, gibi… O nome não importa muito, mas essas histórias, sim, acampanham Cristina desde a infância. 

“Desde criança, leio quadrinhos, seja mangá, através dos livros que minha mãe comprava para mim (Shougakukan) ou pelos quadrinhos americanos que meu pai costumava letreirar como freelancer e recebia edições de cortesia. Some a isso os animes a que assistia, como Doraemon, Fujiko Fujio World, Gundam, filmes do studio Ghibli, como Nausicaa e Totoro, entre outros dos anos 80, e temos aqui uma criança viciada em desenho, seja em páginas ou em movimento”, conta.

Cristina se formou em Design Digital, porém, não estava totalmente satisfeita com sua profissão. Paralelamente, ela mantinha uma página no DeviantArt com HQs curtas e colaborava esporadicamente com tiras para o site de quadrinhos de um amigo. “Nunca parei de desenhar”, afirma.

Mais tarde, ela fez um curso de animação, o que lhe permitiu conseguir trabalhos na área. “Ganhei mais confiança para saber que trabalharia com desenho. Os quadrinhos eram minha paixão inicial, mas veio só depois, com o incentivo do Paulo”.

Cristina e Paulo desenvolvem trabalhos em conjunto há mais de cinco anos. Destaque para a série independente de histórias “Quadrinhos A2”, que conta situações vividas pelo casal com o Pino, seu cachorro de estimação.

“O Paulo é exigente, focado, talentoso, competente... Tudo que eu não sou [risos]”, diz Cristina. Isso às vezes gera algum atrito, mas nada que se resolva rapidamente. Ele sempre sabe que algo pode ficar melhor, caso eu use uma solução meio preguiçosa para alguma cena que ele planejou.  Ele escreve o roteiro e faz o layout das páginas, eu desenho e arte-finalizo, escaneio e passo para ele finalizar com cores ou com retículas. Em todo o processo, um opina no trabalho do outro”.

Quanto ao método de trabalho, a dupla alterna entre o digital e o manual. “Normalmente fazemos as animações digitalmente, e agora passei a fazer os rascunhos dos quadrinhos digitais também pela facilidade. No papel, às vezes queria arrumar o posicionamento de um personagem, e digitalmente isso é tão mais fácil de fazer. A arte-final é sempre feita à mão, pois não sinto segurança com meu traço digital. Gosto da imperfeição das minhas pinceladas de nanquim, enquanto fico almejando a perfeição e a limpeza no digital”, diz Cristina.

Em 2013, o casal foi escolhido para integrar o projeto Graphic MSP, da Mauricio de Sousa Produções, uma das principais produtoras brasileiras de quadrinhos e animações. A proposta é que artistas de estilos diferentes apresentem sua versão de uma história com os personagens originais.

O anúncio foi feito na FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), um dos eventos mais relevantes do segmento no Brasil. “Esse evento foi emocionante, e participar dele foi sentir ao vivo o carinho que os leitores têm pelo projeto, pelo idealizador, Sidney Gusman e pelo Mauricio de Sousa. Sentimos também a enorme responsabilidade de manter a qualidade das Graphic MSP anteriores, de estar à altura de nomes como Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, Vitor e Lu Cafaggi, Shiko, que entregaram trabalhos impecáveis e de estar no mesmo time deles e dos próximos que foram anunciados conosco, como a dupla Eduardo Damasceno e Luis Felipe Garrocho, que fizeram Bidu, o trio Artur Fujita, Davi Calil e Roger Cruz, responsáveis pela Turma da Mata, e Renato Guedes e Marcela Godoy com Papa-Capim”, afirma Cristina.

Por enquanto, a graphic novel Penadinho – Vida não tem previsão de lançamento fora do Brasil. 

Nas editoras brasileiras que publicam em quadrinhos, desde os anos 80 até as atuais, é comum encontrar muitos nikkeis no expediente, tanto na parte de arte como na administrativa. “Acredito que seja pelo fato de muitos nipo-descendentes gostarem de mangá”, observa Cristina. “Minha mãe e meu pai desenhavam, e acredito que se tivessem tido a oportunidade quando jovens, teriam entrado no ramo.”

Porém, trabalhos que não tenham estabilidade geralmente são vistos com apreensão por muitos pais nikkeis no Brasil, especialmente de gerações anteriores. Isso vale para o ramos de quadrinhos e animação. “Não é algo que deixe pais nikkeis felizes, pois não há estabilidade, ‘não dá dinheiro’. Um amigo meu, engenheiro, uma vez disse que eu ‘vivo de sonho’ [risos]. Trabalhar com animação deve ser parecido no mundo todo. É bastante trabalho para pouco prazo. Não tenho parâmetro para comparar o mercado brasileiro com qualquer outro, mas, na minha experiência, dá para viver”, conta Cristina.

Hoje, a desenhista vê mais oportunidades para lançar um trabalho independente. “É possível apresentar as histórias online quase sem custo algum. Leva um tempo para as pessoas lerem, recomendarem a outras pessoas, mas o meio de alcançar um grande número de pessoas é acessível como nunca foi antes”.

Cristina Eiko e Paulo Crumbim foram confirmados como artistas convidados da Comic Con Experience 2015, evento de cultura jovem e entretenimento que acontece de 3 a 6 de dezembro de 2015 em São Paulo.

 

© 2015 Henrique Minatogawa

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About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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