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Mako

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Art Makoto, ano desconhecido

Este é Arthur Makoto Kikuchi, o meu avô. Eu nunca vou saber com certeza, mas acredito que os seus pais, Zenkichi e Hagino Kikuchi, que eram isseis, sentiram a necessidade de dar a ele um nome americano, apesar de o chamarem pelo seu nome japonês, Makoto. O dilema de que nome dar ao(à) primeiro(a) filho(a) numa nova terra deve ser comum na experiência dos imigrantes: como é que uma pessoa decide entre a pressão da assimilação e o conforto de poder se dirigir ao(à) filho(a) no seu idioma materno?

Art Makoto com gato, por volta de 1917

Na época do encarceramento forçado durante a Segunda Guerra Mundial, Makoto tinha 29 anos e já havia passado por uma série de políticas racistas visando imigrantes do leste asiático e suas famílias. Ele e a minha avó, Miyoko (Mary) Migaki, se casaram menos de dois meses antes da sua remoção forçada. Eu me pergunto como foi a cerimônia de casamento, tanto para eles como para os seus convidados. Será que conseguiram saborear o inari, o futomaki e o tsukemono apesar da sua apreensão? Será que realmente serviram washoku (“comida japonesa”)?

Nos dias e semanas após o ataque a Pearl Harbor, a nossa comunidade se livrou de tudo que era japonês numa tentativa fútil de não ser ver ligada ao inimigo – relíquias e fotos de família queimadas, discos de 78 rpm quebrados, quimonos de seda jogados no lixo; um apagamento em massa da cultura e das tradições. E ainda assim, fomos levados embora. Nossos pertences não importavam; foram os nossos cabelos negros, olhos amendoados e o som dos nossos nomes que selaram o nosso destino.

Zenkichi, o pai de Makoto, descreveu o seu medo de sair de casa antes deles serem removidos: “Nós fomos avisados ​​por vizinho amigo: ‘toma cuidado quando sair fora da casa porque alguns homens diz que matam primeiro japonês que aparece no caminho para vingar morte de filho em Pearl Harbor’”.

Em 5 de junho de 1942, a nossa família foi removida à força da nossa casa no Vale de Yakima, no estado de Washington, e levada para viver em baias de cavalos mal e porcamente rearrumadas nos velhos currais que haviam sido transformados no Campo de Internamento de Portland.

“...nos disseram para arrumar as nossas roupas e outras [coisas], o mínimo possível. Apenas limitar para uso imediato e do dia a dia, e todas as nossas coisas têm que armazenar em um local privado por nossa conta e risco em depósito designado por governo. Então, nós apenas bota nossas roupase outras poucas necessidadesna mala, esperando a ordem para embarcar em um trem que nos vai levar a algum lugar... Chegamos Portland, no Oregon, na manhã seguinte, e achamos nosso campo [de internamento] temporário no prédio de vender gado perto do Rio Colúmbia, com cerca de arame farpado em volta e soldados guardando com a arma... Todos prédios [haviam sido usados] para gado, então cheiravam mal por todo lado, mesmo depois de arrumar e limpar... Não tem privacidade em banheiro do campo; banheiros tudo aberto à vista/visão do público…”

Esquerda: Os pais de Art Makoto, Zenkichi Kikuchi e Hagino Kikuchi (Yawata), por volta de 1906; Direita:Art Makoto com as irmãs Aiko (à esquerda) e Sono (à direita), por volta de 1924

Depois de Portland, eles foram enviados para o Campo de Concentração de Minidoka por um período desconhecido até que Zenkichi conseguiu achar trabalho numa fazenda fora da zona de evacuação [ao longo da Costa Oeste americana] e, eventualmente, mandou buscar o resto da família.

“Minha esposa (Hagino) ficou tão feliz de viver em liberdade e não no campo [de concentração], vigiada por soldado armado e [tendo que] viver de esmolas do governo. Ela diz ‘é bom comerrefeição que o trabalho do meu próprio marido fornece, se sentir como alguém de verdade’”.

Esquerda: O casamento de Art Makoto e Mary Miyoko, com o padrinho Joe Inaba e a dama de honra Yasuko Migaki, 1942.; Direita: Art Makoto (à direita) com o amigo Mom Matsumura, data desconhecida

Meu avô lutou contra uma depressão profunda durante grande parte da sua vida adulta depois da guerra. Nos piores momentos, ele ficava encolhido atrás da cama no quarto dos fundos se alguém aparecesse em casa, com medo de enfrentar o mundo lá fora, enquanto a minha avó tomava conta da fazenda, criava as crianças e mantinha a família unida.

Ele era um homem quieto, mas gostava de fazer brincadeiras. Ele fazia gozações comigo e com o meu irmão quando éramos jovens, dizendo: “seu rato, seu cachorro”, o que soa irônico, já que esse belo jovem, esse cidadão americano, foi chamado de rato (e pior), roubado da sua dignidade e deixado com um vazio imperscrutável.

Art Makoto com a esposa Mary Miyoko Kikuchi (Migaki), ano desconhecido

Sou grato aos meus pais por terem me dado o nome do meio Makoto em homenagem a ele. Eu vivo com o nome Paul há 47 anos. E eu quero viver o resto dos meus anos neste mundo como Mako, porque posso. Meu avô não pôde. A pressão era muito forte e o seu nome, Makoto, era uma das coisas que precisavam ser apagadas para a sua sobrevivência.

Muitas felicidades para você ojiichan Makoto, seu rato, seu cachorro.

Foto do autor Mako Kikuchi com a sua filha, Simone Kikuchi (2024); crédito da foto: Elisabeth Kikuchi

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial selecionou este artigo como uma das suas histórias favoritas da série Nomes Nikkeis 2 em inglês. Segue comentário.

Comentário de Kristen Nemoto Jay

Apesar de todas as histórias terem as suas diferentes e maravilhosas mensagens de resiliência, perseverança e amor derrotando o ódio, a que mais se destacou para mim é “Mako”, de Mako Kikuchi.

Seu texto me levou numa jornada pela história da sua família – o autor revela circunstâncias que foram difíceis para eles, mas se mantém reflexivo e resiliente. A homenagem de Mako, anteriormente Paul, Kikuchi ao seu avô, Arthur Makoto Kikuchi, ao se chamar “Mako” porque o seu avô “não pôde”, me levou às lágrimas. Sua profunda conexão com quem ele é e sua aceitação espontânea de kuleana (palavra havaiana para “responsabilidade”) – o que o faz levar adiante o nome da sua família – me fizeram escolher essa história como a minha favorita. Um trabalho muito bem feito.

 

© 2024 Mako Kikuchi

Os Favoritos da Comunidade Nima-kai

Todos os artigos enviados para esta série especial das Crônicas Nikkeis concorreram para o título de favorito da nossa comunidade. Agradecemos a todos que votaram!

4 Estrelas
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Sobre esta série

O que revela um nome nikkei? Nesta série, pedimos aos participantes que explorassem os significados e origens dos nomes nikkeis.

O Descubra Nikkei aceitou textos enviados entre junho e outubro de 2024. Recebemos 51 histórias (32 em inglês; 11 em português; 7 em espanhol; 3 em japonês) da Austrália, Brasil, Canadá, Cuba, Japão, México, Peru e Estados Unidos, sendo que uma história foi enviada em vários idiomas.

Pedimos ao nosso Comitê Editorial para selecionar as suas histórias favoritas. Os membros da nossa comunidade Nima-kai também votaram nas histórias que mais curtiram. Aqui estão as suas escolhidas!

A Favorita do Comitê Editorial

Escolha do Nima-kai

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About the Author

Mako (anteriormente Paul) Kikuchi (ele/dele) ouviu Ella Fitzgerald em concerto quando ainda estava no útero e nasceu no dia seguinte. Ele comemora o seu aniversário no mesmo dia que o Prince. A música de Mako é abrangente - indo de drones/paisagens sonoras ambientais a composições para instrumentos musicais tradicionais japoneses. Seus interesses em comunidade, identidade e ativismo guiam o seu processo criativo. Seu trabalho foi apoiado pelo National Endowment of the Arts, Chamber Music America e New Music USA, entre outros. Mako é professor titular de música no South Seattle College. No seu papel de educador, ele tem o compromisso de descolonizar os currículos musicais e cultivar conexões com a música que irão durar toda a vida. Ele mora em Seattle.

Atualizado em dezembro de 2024

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