Quarenta anos atrás eu morei no Japão como bolsista.
O japonês que eu sabia naquela época limitava-se a algumas palavras, mas eu não me sentia insegura, não sei por quê. Talvez porque era jovem, penso eu.
Logo que me instalei no pensionato, perguntei para a senhora que tomava conta: “Poderia me emprestar o maekake (avental)?”. Ela inclinou a cabeça para o lado em sinal de dúvida e me disse: “Se for epuron, aqui está”.
Passou-se um tempo e eu fui visitar a família de um primo de minha mãe, em Tóquio.
Como eu estava morando em Niigata, fiquei de me hospedar lá. A prima disse gentilmente: “Você deve estar cansada, descanse um pouco no beddo. Tem pajama também”. (Ué, não se fala mais nedoko e nemaki?).
No primeiro dia de aula, o professor falou para pegar o nooto , mas o que eu tinha era o choomen.
Apron, bed, note e pajama são palavras inglesas que eu conhecia, mas que elas tinham se tornado palavras japonesas eu não sabia até então!
Meus avós maternos imigraram para o Brasil em 1912 e tiveram 10 filhos, todos nascidos em terras brasileiras. A língua que falavam em casa era naturalmente o japonês. Certo dia, o irmão mais velho de minha mãe disse: “Nós estamos no Brasil, então vamos falar brasileiro, né?”. O problema foi que ninguém conseguiu falar coisa com coisa e a conversa acabou assim, com todo mundo dando boas risadas.
Minha mãe era de nacionalidade brasileira, mas frequentou muito pouco a escola, era fluente em japonês e foi ela que me ensinou o alfabeto hiragana e o katakana.
Pois bem, chegar ao Japão e descobrir que o japonês que havia aprendido quando criança já não se usava mais, foi realmente um choque para mim.
Por essa razão, minhas conversas com os japoneses foram escasseando, pois eu não queria passar vergonha falando palavras ultrapassadas. Um dia, como eu demorei a responder a uma pergunta, as pessoas ficaram penalizadas e comentaram em voz baixa: “Pobrezinha, ela não entende a língua”.
A moda daquela época era a minissaia. Eu nunca fui de seguir a moda, tenho estilo próprio de me vestir. Então algumas pessoas me perguntaram se no Brasil a minissaia não estava na moda. Até o jornal local publicou: “A bolsista brasileira não usa minissaia!”.
O Brasil era muito pouco conhecido, pois a ida de decasséguis para trabalhar no Japão começou muito tempo depois. O Brasil não passava de um país de selva e de bichos. Deve ter sido por isso que um professor catedrático da Universidade de Niigata nunca me chamava pelo nome, somente Amazon-san. Eu não sabia se me alegrava ou se ficava triste, era um sentimento muito confuso.
Voltando mais para trás, na década de 50, um famoso astro do cinema japonês visitou o Brasil. A comunidade nipo-brasileira recebeu-o em grande estilo. As fãs acorreram alvoroçadas. Terminado o show, esse popular artista declarou: “As mulheres nikkeis estão 100 anos atrasadas”. Eu ainda era criança, não dei muita importância ao fato, mas sei que a minha mãe e as donas de casa nikkeis sentiram-se ofendidas e esbravejaram.
Um dos eventos do calendário japonês que vem sendo realizado desde antigamente é a gincana esportiva conhecida por undokai. Desde criança eu sempre ouvi dizer que o undokai era um evento do Tenchousetu, sendo realizado no dia do aniversário do Imperador do Japão. Mas foi só recentemente que algo me chamou a atenção. Acompanhando os programas da TV japonesa, eu reparei que nunca era citada a expressão Tenchousetsu (aniversário do Imperador).
Perguntei sobre isto a uma amiga japonesa e a resposta foi um espanto!
A palavra Tenchousetsu era de uso corrente até antes da II Guerra, mas terminada a guerra, ela foi abolida a partir de 1948. Eu, que sou da geração pós-guerra, não saber disso até hoje, é algo inacreditável.
© 2011 Laura Honda-Hasegawa