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Uma Infância em Albuquerque

Edna Ikeda e o seu irmão mais novo, Michael, no quintal da sua casa em Albuquerque em junho de 1966.

Cresci em Albuquerque, no estado do Novo México, nos anos 60. Meus pais cresceram no Havaí, seguros na sua herança cultural nipo-americana. Nunca duvidei que eu era nipo-americana, mas raramente via gente fora da família que se parecesse comigo. Durante a minha infância, a minha comunidade nikkei consistia dos meus pais, meu irmão mais novo e uns poucos outros. 

Éramos a única família de origem do leste asiático na nossa vizinhança formada por casas em pequenos lotes, e morávamos rodeados por brancos ou hispânicos da classe operária. Eu era a única aluna japonesa na minha escola primária até o dia que o meu irmão caçula, Michael, começou a estudar lá três anos mais tarde. Durante os anos do ensino fundamental, havia alguns outros alunos de origem asiática nas minhas classes, mas a maioria eram chineses.

Quando eu ia para a escola, os meus colegas sempre me faziam perguntas esquisitas sobre o modo de vida da minha família. A gente se sentava no chão e comia numa mesa baixinha? Usávamos quimonos em casa? Dormíamos em colchões no chão? Comíamos com pauzinhos? A resposta para todas essas perguntas era “não”, exceto nos caso dos pauzinhos. Assim mesmo, a gente usava garfos com mais frequência do que pauzinhos.

Nasci em Fort Benning (agora conhecido como Fort Moore), na Geórgia. Foi onde o meu pai, um guarda florestal, conheceu e se casou com a minha mãe, que era enfermeira do exército. Meu pai deixou o exército quando eu tinha apenas um ano e meio. Meus pais deixaram a Geórgia e foram visitar a sua família no Havaí.

Meu pai tinha decidido fazer pós-graduação em Eugene, no Oregon. Ele passou por Albuquerque para visitar o irmão mais velho, que estava fazendo sua pós-graduação lá. Ele gostou do conselheiro universitário do irmão e decidiu transferir de escola. Meu irmão, Michael, nasceu em Albuquerque.

Minha mãe era uma excelente cozinheira e ela geralmente fazia comida americana. Eu me lembro dela preparando muitas caçarolas, mas ela sabia cozinhar ou assar qualquer coisa. Comíamos bastante carne moída porque era a carne mais barata. Durante as refeições, comíamos arroz japonês, em vez de pão. Às vezes a gente usava shoyu em vez de sal.

Não era fácil encontrar produtos japoneses. Naquela época, os supermercados não tinham uma seção de comida asiática. Por isso, umas duas vezes por ano, os meus pais dirigiam até um mercadinho japonês do outro lado da cidade. Minha mãe comprava um grande recipiente de metal com shoyu, um saco grande de arroz japonês, além de picles japoneses, missô ou qualquer outra coisa que ela precisasse.

Nós sempre comíamos pratos japoneses para comemorar o meu jantar de aniversário no dia de Ano Novo. Minha mãe fazia rolinhos de sushi, tempura de camarão com verduras, e teriyaki de carne. Como os nossos parentes moravam longe, no Havaí, os nossos convidados eram o tio Miles, a tia Mary e as suas filhas gêmeas, Audrey e Mary Elizabeth. Tinha também a irmã do tio Miles, a tia Lois, e o seu marido, o tio John. Eles eram originalmente do estado de Iowa e não eram parentes de verdade, mas sim a nossa “família” adotiva. A gente ia nas casas deles no Dia de Ação de Graças e no Natal.

Uma ou duas vezes por ano, os meus pais visitavam outra família japonesa na cidade. O sobrenome deles era Nakayama. Eles tinham uma filha da minha idade, Nancy. A Nancy tinha um irmão mais jovem, mais ou menos da mesma idade que o meu irmão. Eu me divertia muito conversando e rindo com a Nancy. Eu queria que ela morasse mais perto para que a gente pudesse se ver com mais frequência.

A única outra vez que a gente via japoneses era no viveiro de plantas e na loja de presentes japonesa. Às vezes, os meus pais iam lá comprar plantas, mas a loja de presentes era o que eu mais gostava. Eles tinham bonequinhas japonesas e bugigangas que eu adorava ficar olhando. Normalmente, os meus pais deixavam o meu irmão e eu comprarmos alguma coisa na loja de presentes.

A gente se mudou para a Califórnia pouco antes de eu começar o meu nono ano de escola. Meu pai tinha aceitado um emprego de professor universitário em Imperial Valley, no campus da San Diego State University em Calexico [no extremo sudeste do estado, logo na fronteira com o México]. Para mim foi difícil deixar para trás o lugar onde eu havia crescido. E não fiquei nada feliz quando descobri que seria uma mera caloura no ensino médio (ao invés de uma prestigiosa aluna do último ano do ensino fundamental. [Nota do Tradutor: Aparentemente, este teria sido o caso no sistema educacional do Novo México]).

Eu achava que uma mudança para a Califórnia iria oferecer praias, palmeiras e clima ameno. Ao invés disso, nós nos mudamos para uma comunidade agrícola no deserto bem no meio do verão (40 graus ou mais!), o que me fez sentir como se eu estivesse dentro de um forno. Aquele verão foi tão quente que os grilos migravam dos campos e morriam nas calçadas. Por todo lado que a gente andava na cidade, era impossível não pisar em grilos mortos. Eu me perguntava: “Mas que lugar é esse?!?”

Nossa família também foi visitar nossos parentes no Havaí pela primeira vez desde que eu era bebê. Ver tanta gente de origem do leste asiático foi uma experiência incrível! Eu me lembro de estar no lotado shopping center Ala Moana, em Honolulu, e ficar maravilhada com o mar de asiáticos se movendo por todo lado. Pensei então: “Essa gente toda se parece comigo!”

No Imperial Valley, tinha uma pequena comunidade japonesa, apesar de estar espalhada em várias cidadezinhas. Tinha até algumas salas de aula onde havia outro estudante nipo-americano. A primeira vez que tomei parte numa reunião para preparar moti foi na fazenda de um amigo da família. Ao invés de bater moti, eles usavam uma máquina para fazê-lo. Tinha eventos japoneses, como o Keiro Kei (para homenagear a primeira geração issei), um piquenique da comunidade e uma excursão para ver as flores do deserto. No piquenique, as pessoas estendiam esteiras no chão e comiam em caixinhas de bento ou em pratos preparados no estilo “festa americana”.

Frequentei o ensino médio e a faculdade pública em Imperial Valley antes de me mudar para Riverside [cidade ao leste de Los Angeles] para terminar a faculdade. Morei em San Diego e Los Angeles. Depois que o meu pai se aposentou, os meus pais se mudaram para Chula Vista, perto de San Diego. Com o passar do tempo, eu trabalhei no processo de indenizações [pelo aprisionamento de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial], fui ao meu primeiro obon e participei de programas em Little Tokyo [no centro de Los Angeles]. Eu me casei com um músico sansei e tivemos um filho. Fiquei viúva.

Agora que estou aposentada, eu me mantenho ativa no meu templo budista e continuo a frequentar programas em Little Tokyo. Finalmente consegui visitar o Japão em 2016, quando o meu filho passou um semestre estudando por lá. Sinto que me conectei com a minha herança cultural nikkei, apesar de ter levado toda a minha vida para fechar o círculo.

Quanto ao meu filho, ele parece se sentir bem à vontade como nipo-americano. Ele cresceu em Los Angeles, estudou na UC Berkeley e atualmente mora na área de São Francisco – todos esses lugares com muitas pessoas de ascendência do leste asiático. Espero que, se ele tiver filhos, eles também se sintam à vontade com a sua identidade.

* * * * *

O nosso Comitê Editorial selecionou este artigo como uma das suas histórias favoritas da série Crescendo Nikkei. Segue comentário.

Comentário de Alden Hayashi

Os textos atendendo ao tema Crescendo Nikkei foram todos tão bem escritos, repletos de lembranças tocantes e sinceras; algumas delas ternas e belas, outras comoventes e lamuriosas. Dentre os textos em inglês, o meu favorito foi “Uma Infância em Albuquerque”, de Edna Horiuchi. Este artigo me tocou muito porque os meus pais, assim como os pais da Edna, cresceram no Havaí; a diferença é que os meus pais ficaram por lá para constituir família, enquanto que os pais da Edna se mudaram para os Estados Unidos continentais. Por isso, não tinha como não ler o seu reflexivo e instigante artigo sem me perguntar como a minha vida teria sido diferente se, seja lá por que razão, os meus pais também tivessem se mudado para o “continente”.

Edna oferece detalhes abundantes sobre essa outra vida longe do Havaí, como por exemplo: ser a única aluna nikkei na escola primária (até a chegada do irmão mais novo); receber perguntas chatas dos colegas de escola (ela dormia no chão e comia numa mesa baixinha?); ter que atravessar a cidade até uma lojinha japonesa para comprar shoyu, missô e outros produtos alimentícios; e comemorar o oshogatsu com seus “parentes adotivos”. Fiquei especialmente comovido com a lembrança da sua visita ao Ala Moana Center quando a sua família viajou para Honolulu. Ela ficou maravilhada com a multidão de pessoas de origem do leste asiático fazendo compras no movimentado shopping center ao ar livre. Naquele local, eu poderia ter sido uma das muitas pessoas de origem asiática, e a lúcida e vívida narrativa de Edna me fez sentir como seria me ver naquele dia, mas através de um par de olhos muito diferentes. 

 

© 2023 Edna Horiuchi

Albuquerque infância identidade Novo México Estados Unidos da América
Sobre esta série

Nuestro tema para la 12.° edición de Crónicas Nikkei —Creciendo como Nikkei: Conectando con nuestra Herencia— pidió a los participantes que reflexionaran sobre diversas preguntas, tales como: ¿a qué tipo de eventos de la comunidad nikkei has asistido?,¿qué tipo de historias de infancia tienes sobre la comida nikkei?, ¿cómo aprendiste japonés cuando eras niño?

Descubra a los Nikkei aceptó artículos desde junio a octubre del 2023 y la votaciónde las historias favoritas cerró el 30 de noviembre del 2023. Hemos recibido 14 historias (7 en inglés, 3 en español, 5 en portugués y 0 en japonés), provenientes de Brasil, Perú y los Estados Unidos, con uno presentado en varios idiomas.

¡Muchas gracias a todos los que enviaron sus historias para la serie Creciendo como Nikkei!

Hemos pedido a nuestro comité editorial que seleccionara sus historias favoritas. Nuestra comunidad Nima-kai también votó por las historias que disfrutaron. ¡Aquí están sus elegidas!

(*Estamos em processo de tradução das histórias selecionadas.

 

A Favorita do Comitê Editorial


Escolha do Nima-kai:

Para maiores informações sobre este projeto literário >> 


*Esta série é apresentado em parceria com:

     

 

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Design do logotipo: Jay Horinouchi

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About the Author

Edna Horiuchi é professora aposentada residente em Los Angeles. Ela trabalha como voluntária na horta educativa de Florence Nishida no sul de Los Angeles e mantém participação ativa no Templo Budista Senshin. Ela gosta de ler, praticar tai chi e ir à ópera.

Atualizado em junho de 2023

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