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Ano-Novo na comunidade nikkei de Los Angeles – Mal posso esperar Oshogatsu chegar!

Escola ESGVJCC e seu mochitsuki.

Quanto falta para o Oshogatsu1 chegar?
No Oshogatsu vamos brincar soltando pipa
Rodando pião...♪♪

Assim diz a canção Oshogatsu, letra de Kume Higashi e música de Rentaro Taki, um clássico do cancioneiro japonês que a maioria das crianças japonesas aprende nos primeiros anos de escola. Chegando dezembro, não sei se porque eu moro no exterior, em vez do “Ano-Novo”, não vejo a hora que o Oshogatsu chegue.

“Ano-Novo” e “Oshogatsu”têm uma grande diferença sob o aspecto sensorial. As comemorações do Ano-Novo nos Estados Unidos começam no dia 31 de dezembro com foco na contagem regressiva para a entrada no dia 1º de janeiro e, no momento em que se entra no Ano-Novo, ficamos tristes porque falta apenas um dia para terminar a época de festas. No Japão, entramos no Ano-Novo ouvindo os sinos badalando, apreciamos o primeiro nascer do sol, fazemos a primeira visita ao santuário xintoísta e planejamos como será o ano que está começando. Assim, entramos no novo ano com o sentimento renovado e com seriedade.

“Morando no exterior é melhor esquecer o Oshogatsu do Japão e se conformar” – poderia pensar assim se eu não morasse em Los Angeles. Pois aqui o Oshogatsu é uma das importantes comemorações do ano. Desde antes da guerra, em Los Angeles viviam muitos imigrantes japoneses e mesmo que seus descendentes tenham hoje chegado à quinta geração, muitos eventos de cultura japonesa continuam sendo realizados dentro da comunidade.


Mochitsuki

O que não pode faltar para celebrar o Ano-Novo é o mochi. Entrando no mês de dezembro, tem lugar na comunidade nikkei uma série de eventos de mochitsuki  realizados em templos budistas, escolas de língua japonesa e igrejas cristãs.

Na escola do centro comunitário japonês de East San Gabriel Valley (ESGVJCC), localizada na cidade de West Covina, todos os alunos participam do mochitsuki, desde o jardim de infância até o ensino médio. Contando em japonês 1 – 2 – 3 – 4 e bem ritmado, os alunos sacodem o malho de madeira para dentro do pilão onde está a massa de arroz glutinoso. Levantar o malho e sacudir com vigor para baixo exige coragem, por isso são poucos os alunos que aceitam o desafio. O mochi vai sendo amassado com movimentos suaves do malho e, quando pronto, é dividido em pequenas porções, que são passadas em farinha própria e moldadas em formato redondo. Quando a farinha é pouca, o mochi gruda na mão e estica. As crianças menores acham divertido ver uma comida que estica. Ficando pronto o mochi redondo, adiciona-se anko (massa doce de feijão) ou kinako (farinha de soja) a seu gosto. E vamos nos servir. Itadakimasu!

Alunos da Escola ESGVJCC fazendo mochi redondo.

Na igreja West Covina Christian Church o mochitsuki é realizado no segundo sábado de dezembro. Seus membros se reúnem trazendo a panela elétrica para mochi e preparam o mochi redondo. Geralmente, os membros se dividem para assistir aos cultos, ou em inglês ou em japonês, mas nesse dia todos estão juntos no preparo do mochi. A igreja compra o arroz especial e distribui-o entre os membros. Cada qual em sua casa deixa esse arroz de molho e, no dia do evento, leva para a igreja. Mede-se a quantidade de arroz e água e coloca-se na panela. Para não acontecer de o fusível queimar, as panelas são distribuídas em vários pontos do local.

O trabalho começa às seis e meia da manhã e se estende até por volta do meio-dia. A panela pode funcionar sem descanso, mas é de se esperar que depois de duas ou três vezes, pare por superaquecimento. Então é hora para uma pausa, quando os membros da fala japonesa preparam e servem ozoni, sopa com mochi saboreada na manhã do dia primeiro.

No pátio, acontece um tradicional mochitsuki utilizando pilão feito de concreto. Os participantes estão centrados em jovens e homens. Um dos membros responsáveis é Clara Furukawa, nikkei de terceira geração natural do Havaí. “Como preparar o mochitsuki é trabalhoso, ouço membros dizendo para parar, mas eu quero que essa tradição continue com os jovens nikkeis americanos, por isso, quero continuar até onde for possível”, diz Clara.

Diretora Aya Kamimura (esq.) e alunos passando mochi redondo na pasta doce de feijão ou kinako – Escola ESGVJCC.


Mochitsuki na loja de doces tradicionais japoneses

Bryan Kito (esq.) e Tomoko Kito, sucessor e atual proprietária da “Fugetsudo”.

Fazer mochi em casa não é fácil tanto no Japão como nos Estados Unidos, então a maioria das pessoas compra kirimochi2 e kasanemochi3 em supermercados nikkeis ou em lojas especializadsa em doces tradicionais japoneses. Um desses estabelecimentos fica localizado no centro de Los Angeles, em Little Tokyo – é o “Fugetsudo” com mais de 100 anos de história, onde a confecção de mochi e kasanemochi atinge o pico entre os dias 28 e 31 de dezembro.

Acredita-se que o ideal é começar a decoração com kasanemochi no dia 28 de dezembro. Isto porque oito em japonês é um número que traz sorte. Kasanemochi é o mesmo que kagamimochi e segundo o site da Associação Japonesa de Kagamimochi (http: //www.kagamimochi.jp) “O mochi que é utilizado na decoração de Ano-Novo é preparado com arroz da safra desse mesmo ano. Acredita-se que o poder sagrado do arroz incorpore no mochi preparado dessa forma. Portanto, trata-se de  uma oferenda onde está incorporado o deus do novo ano, trazendo força vital”.  O kagamimochi tem origem na mitologia japonesa em que Amaterasu, a deusa do sol, concede três tesouros sagrados, sendo um deles o espelho, cujo formato serviu de inspiração para este tipo de mochi. Há americanos que ao verem o kagamimochi dizem: “Que boneco de neve charmoso!”, mas na verdade trata-se de um mochi sagrado.

Na loja de doces tradicionais japoneses “Fugetsudo”, o kasanemochi começa a ser feito à meia-noite do dia 27 de dezembro. Além de ter prazo de validade, este tipo de mochi racha facilmente devido ao clima seco da Califórnia. São feitos em tamanhos variados, pois o costume é empilhar começando com um grande e terminando com um pequeno. São preparados durante a noite e não há necessidade de deixar de um dia para outro, mesmo assim são muito delicados.

Mochi medindo 1 ft = 0,3048 metros. Feito sob encomenda na “Fugetsudo”, pode medir de 1 inch = 2,54cm a 2.5ft = 0,76200 metros. Aceitam-se encomendas de mochi maiores.

Os mochi de tamanho pequeno são consumidos na tradicional sopa ozoni ou assados. Segundo Tomoko Kito, da terceira geração de proprietários da Fugetsudo, a tarefa mais árdua nos preparativos para o Oshogatsu é embalar os mochi pequenos: “Vai-se colocando mais e mais bolinhos e não vence, tomando o dia todo”. Do dia 29 até 31 de dezembro pessoas voluntárias chegam à loja por volta de 23 horas e ficam embalando até de manhã.

Processo de embalar mochi pequenos.

Esse tipo de ajuda começou cerca de 10 anos atrás, quando Nancy Kikuchi, que já atuava como voluntária em várias atividades dentro da comunidade nikkei, disse: “Eu vou embalar mochi na ‘Fugetsudo’”. Reuniu cerca de 10 pessoas entre amigas e conhecidas e ajustou o horário de trabalho. Antes, era Tomoko Kito que levava junto seu bebê no carrinho e ia ensacando, ao mesmo tempo, dando atenção à criancinha. Ela expressa sua gratidão por poder contar com voluntárias para esse trabalho. Nancy Kikuchi faleceu no ano passado vítima de câncer, mas Gale Matsui assumiu o seu lugar e o trabalho voluntário tem continuidade.

Nos quatro últimos dias do final do ano, a loja não fecha. Pode estar com as portas cerradas, mas a confecção de mochi prossegue nos fundos. Durante a noite são embalados os mochi pequenos e, quando são 5 horas da manhã, começa a trabalhar a equipe que faz mochi. Bryan Kito, o sucessor da “Fugetsudo”, trabalha tanto que prefere se hospedar num hotel em Little Tokyo mesmo a retornar para sua casa.

“Quando o aroma do arroz começa a exalar pela loja o dia inteiro, sentimos que chegou a hora de começar, que é Oshogatsu... O aroma do arroz faz nos sentirmos purificados. Dia 27 ainda não estamos tão atarefados, mas a partir do dia 28 começa a correria, tanto que no dia 30 ficamos exaustos de tanto trabalhar”, conta Tomoko.

A produção para o Ano-Novo é especial, mas pelo fato de acontecer uma vez ao ano os funcionários não estão acostumados. Tomoko fala que fica muito tensa, porque não pode haver erros para atender as encomendas: “É uma época especial para cada um dos clientes. Eles planejam e fazem as encomendas, portanto, não pode haver erro. Se cometermos deslize já no Oshogatsu, vamos nos sentir mal durante o ano inteiro. Por exemplo, o yokan leva cerca de uma semana para ficar pronto, por isso, desde novembro eu venho repetindo aos empregados que não podemos falhar nas encomendas, pois não é caso de um simples pedido de desculpas”.

Decoração de Ano-Novo na “Fugetsudo”.

Dia 31 de dezembro, quando a comunidade faz os preparativos para a entrada no Ano-Novo, finalmente a “Fugetsudo” termina seu trabalho. Bryan decora a loja que esteve em plena atividade durante o ano todo com kasanemochi e, com o coração grato, aguarda a chegada do novo ano.

Por sua vez, Tomoko vai \ás compras no supermercado, volta para casa e começa a preparar as iguarias tradicionais de osechi e o ozoni, pois a família Kito costuma se reunir no primeiro dia do ano. “Nem no Dia de Ação de Graças nem no Natal eu não faço nada, pois minhas filhas fazem tudo. Mas no Oshogatsu faço eu”, conta Tomoko. Quando termina já é dia primeiro de manhã cedo. Descansa um pouco e à tardezinha começa a festa de entrada no ano.

Para os nipo-americanos da comunidade nikkei de Los Angeles e também para os japoneses, “Oshogatsu” não é a mesma coisa que “Ano-Novo”. Trata-se de um acontecimento especial que marca o início do ano.

Continuação...>>


Notas da tradução

1. Época festiva de Ano-Novo

2. Mochi cortado em pequenos retângulos

3. Oferenda de mochi ao deus do novo ano

 

© 2017 Tomomi Kanemaru

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About the Author

Nasceu em 1969, na Província de Yamanashi, Japão. Chegou aos Estados Unidos em 1991. Em 2000 concluiu o doutorado em Artes com especialização em pintura a óleo no Pratt Institute, Brooklin, NY. Fez exposições de pintura em Nova Iorque e no Japão, além de trabalhar em design de livros e graphic design. Em 2003 fixou-se em Los Angeles, fez lightning design de cenários e atuou na NPO “Great Leap” baseada em Los Angeles. Atualmente trabalha no jornal Nikkan San (The Japanese Daily Sun) de Los Angeles como editora, redatora e designer gráfico.

Atualizado em maio de 2011

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