Meus bisavós vieram do Japão e foram viver no interior de São Paulo, nas cidades de Registro, no Vale do Ribeira, e Álvares Machado, no oeste paulista. Curiosamente, minha família se estabeleceu nessas cidades que têm uma grande importância na história da comunidade nipo-brasileira.
Registro, apoio à imigração japonesa no Brasil
Maior cidade do Vale do Ribeira, Registro é conhecida como a “Capital do Vale” ou “Capital do Chá”. Tornou-se o Marco da Colonização Japonesa no Estado de São Paulo, de acordo com o Decreto nº 50.652, de 30 de março de 2006, por ter sido a primeira localidade a receber imigrantes japoneses com interesse em investir em produção própria na região.
A Ultramarina de Implementos S.A (KKKK – Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha), instalou-se na cidade em 1912 e foi autorizada a operar no Brasil pelo decreto 13.325 de 11 de dezembro de 1918. A companhia de desenvolvimento industrial e rural de apoio aos imigrantes japoneses recebeu do governo brasileiro a doação de terras para que fossem distribuídas aos recém-chegados.
Depois de superarem dificuldades, eles deram início a testes de diversas culturas, entre arroz, café, cana-de-açúcar, fumo, feijão, junco, abacaxi, laranja, além da criação do bicho-da-seda. Porém, logo descobriram que a banana e o chá preto se adaptariam melhor às condições da região, tornando-se as principais culturas cultivadas.
A KKKK, como ficou conhecida, foi a empresa responsável pelo processo de emigração até a época da Segunda Guerra Mundial. Em 1937, a companhia foi dissolvida e, dois anos depois, suas atividades foram suspensas. O espaço constitui-se de quatro grandes armazéns em tijolos aparentes, com telhas de barro e portas em formato de arco, características típicas da arquitetura inglesa do século XX.
Em 1990, a prefeitura de Registro desapropriou o conjunto arquitetônico sendo declarado como de utilidade pública. Mas, somente em 2000, o Governo Estadual deu início ao projeto de restauração do edifício onde atualmente estão o Centro de Formação Continuada de Gestores da Secretaria de Estado da Educação e o Memorial da Imigração Japonesa.
Hoje, a antiga sede da empresa abriga o Museu da Imigração Japonesa – KKKK. O acervo conta com objetos utilizados na agricultura pelos imigrantes e outros do dia a dia deles, além de obras e pinturas de artistas pioneiros japoneses, renomados e naturalizados brasileiros – Tomie Ohtake e Manabu Mabe – e descendentes nascidos no Brasil. Meu avô doou alguns objetos que estão expostos no local.
Uma das principais comemorações na cidade, de que até meu pai se lembra bastante, é o Tooro Nagashi. Realizado todo dia 2 de novembro, o evento é uma homenagem às vítimas do Rio Ribeira de Iguape. É uma cerimônia com barquinhos iluminados por velas coloridas, feitos artesanalmente, que são soltos no rio. Ao soltarem esses barcos, os participantes iluminam o caminho dos espíritos e fazem pedidos de paz.
A cidade do único cemitério japonês da América Latina
Em Álvares Machado, no oeste do estado de São Paulo, está o primeiro e único cemitério só de japoneses da América Latina, tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1981.
Sua história está relacionada à imigração japonesa. Os primeiros imigrantes japoneses chegaram por volta de 1916 ao bairro Brejão, que deu origem à cidade de Álvares Machado. Com o tempo, tornou-se constante a ida de japoneses ao interior. Muitos vieram a bordo do navio Kasato Maru, o primeiro que veio ao Brasil e atracou no porto de Santos no dia 18 de junho de 1918. Estes imigrantes se dedicavam à agricultura e, entre 1920 e 1925, já havia mais de 30 famílias no Brejão.
No inicio da colonização, os sepultamentos eram realizados em Presidente Prudente, em um cemitério onde hoje está a rodoviária. Doenças – como a febre amarela – eram frequentes e intensas, foram muitas as pessoas que não resistiram e não havia a possibilidade de transportar os corpos até a cidade vizinha, pois o caminho era feito a pé.
Por isso, foi criada uma comitiva de japoneses com o objetivo de pedir uma autorização para fundar um cemitério com o nome de Cemitério Japonês em 1918. No ohaka (“cemitério”, em Japonês), estão sepultados 784 japoneses e descendentes diretos, e um brasileiro – Manoel, que foi morto ao defender uma família japonesa de um jagunço que queria tomar o sítio.
O cemitério funcionou até 1940 e foi fechado por considerarem a ideia racista. Os enterros foram proibidos no local por ordem do presidente da República – na época, Getúlio Vargas – e os mortos da colônia japonesa passaram a ser sepultados no cemitério municipal de Álvares Machado.
Anualmente, o Shokonsai, culto religioso às almas dos antepassados, é realizado no Cemitério Japonês. No segundo domingo do mês de julho, é celebrada uma missa (católica ou budista), além de os visitantes fazerem orações pela paz e acenderem velas em cada um dos túmulos como homenagem a todos os mortos.
© 2016 Tatiana Maebuchi