Quando soube que a Copa do Mundo seria realizada no Brasil, Kento deu pulos de alegria. O garoto, que gostava demais de futebol, mal voltava da escola, tinha o costume de ir para o campinho bater uma bola, da lição de casa ele nem se lembrava. Sua mãe tinha que aceitar essa situação, pois o pai de Kento também gostava de futebol e até houve época em que tinha pensado ser jogador de futebol.
- Bem que o papai podia voltar do Japão. Aí a gente podia assistir junto na televisão e até ir ao estádio, não? - sonhava Kento com fervor.
Sua mãe ficou com pena, mas tinha que fazê-lo voltar à realidade:
- Você sabe que não tem como. O papai vai ficar mais dois anos trabalhando bastante e quando a Neetchan estiver para se formar na faculdade, ele vai voltar. Lembra que ele tinha falado assim?
O pai, que havia herdado a lavanderia do avô, deixou o serviço nas mãos da esposa e do filho mais velho e foi trabalhar no Japão. Na época, Kento, o caçula, estava com quatro anos e ainda havia a filha que estava terminando o ensino fundamental. Passados três anos, ele retornou, mas viu que o dinheiro que havia juntado não era suficiente para os gastos com a ampliação da lavanderia e construção de uma casa nova. Além disso, a mãe dele estava precisando de cuidados especiais devido à idade. Desse modo, o pai foi novamente trabalhar no Japão.
Com a família ele sempre manteve contato e com o caçula conversava pelo Skype com frequência. Graças a isso, Kento aprendeu um pouco de japonês e o pai pôde ficar em dia com as notícias sobre os times de futebol do Brasil.
Ocorre que, desde o início deste ano, os telefonemas e e-mails do pai começaram a se espaçar cada vez mais. Sua velha mãe reparou nisso e começou a se preocupar, mas a esposa e os filhos diziam: “Está tudo bem com ele. Com certeza está trabalhando cada vez mais”.
Kento deu asas à imaginação e começou a pensar deste modo: “O papai está se preparando para voltar ao Brasil. Vamos viver todos juntos de novo. Como eu queria jogar bola com o papai!”.
A cidade já estava em clima de Copa do Mundo, com ruas e lojas decoradas com as cores da bandeira do Brasil.
E no dia 31 de maio o pai telefonou: “Sou eu. Volto mês que vem. Vai dar pra ver a Copa. Até”. Quem atendeu foi sua esposa - ela levou um grande susto - e, apesar de já ser tarde da noite, acordou todo mundo para contar a novidade.
Todos ficaram muito alegres. Kento gritou bem alto: “Que legal! Meu sonho vai se realizar!”.
Apesar de inesperada, tinha sido uma ótima notícia, mas a esposa teve um mau pressentimento, pois o marido nem pareceu o mesmo, falou pouquíssimo e com voz fraca. Ela ficou bastante apreensiva, mas não demonstrou nada à família. Tinha que receber o marido com o maior dos sorrisos, como se não pressentisse nada de mau.
Como o desembarque estava previsto para as seis da manhã, ao aeroporto foram apenas a esposa e o filho mais velho. A filha tinha provas na faculdade e Kento precisava ficar em casa fazendo companhia para a avó.
O pai tinha emagrecido bastante e apareceu em cadeira de rodas. A esposa e o filho ficaram assustados, mas a funcionária da companhia aérea que veio acompanhando-o tranquilizou a família: “É que o passageiro mostrou estar um pouco fatigado pela viagem”.
A família recepcionou-o efusivamente. E quando ele se sentou na sua poltrona predileta, finalmente pareceu estar confortável. Em fins de março tinha sido diagnosticado com câncer no estômago, logo foi internado e passou por cirurgia. Tinha sido uma operação de grandes proporções e a recuperação levaria um longo tempo, então, ele quis estar junto da sua família.
Com a aproximação dos jogos da Copa do Mundo, a frente da lavanderia foi enfeitada com bandeirinhas verdes e amarelas. Kento ganhou muitos presentes, como uma camiseta amarela com o nome “BRASIL” escrito em verde, um boné azul, uma vuvuzela amarela com detalhes pretos e outras coisas. Ele levou tudo para a escola e mostrou com orgulho para os colegas.
E quando a seleção do Brasil marcou o primeiro gol, Kento começou a dar pulos de alegria e, de repente, abraçou fortemente seu pai.
Nesse momento, o coração do pai encheu-se da mais pura alegria. Sentir os bracinhos do filho envolvendo-o foi mais eficaz que qualquer medicamento e deu- lhe um novo ânimo.
- Quando será a próxima partida do Brasil? Me aguardem que vou fazer aqueles “botamotchi”¹ que só eu sei fazer!
Kento, que gostava muito de “botamotchi”, de tanta alegria deu um abração na mãe. Seu pequeno coração estava inundado de felicidade.
Nota:
1. bolinho de arroz glutinoso coberto por pasta de feijão doce
© 2014 Laura Honda-Hasegawa