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Douglas Mitsuyuki Ito é idealizador de rede que interliga jovens nikkeis de todo o Brasil

Do lado paterno, os pais do bisavô vieram da província de Hokkaido e os da bisavó, de Gunma. De parte de mãe, os pais do bisavô são de Miyagi e os da bisavó, de Yamaguchi e Hiroshima. Essas são as origens familiares do yonsei Douglas Mitsuyuki Ito, de 25 anos, formado em Gestão da Tecnologia da Informação.

Cultura na família

Douglas tem descendência das províncias japonesas de Hokkaido, Gunma, Miyagi, Yamaguchi e Hiroshima (foto: arquivo pessoal/Douglas Mitsuyuki Ito)

“Sinto que até a parte dos meus avós existia uma cultura bem forte, com presença do budismo e costumes, bem como o idioma”, afirma. Douglas conta ainda que os avós paternos sempre participaram e continuam participando de associações de cultura japonesa (kaikans). Já a avó materna fez parte de um grupo de taissô. Falando na batian, o neto guarda até hoje a lembrança de almoçar arroz japonês com feijão carioca na casa dela. Agora, a família “mistura comida japonesa com brasileira para render mais e não fugir tanto do sabor”.

Na geração dos pais a influência das tradições foi mais branda, com diferentes religiões, mistura maior com outras culturas e japonês de nível básico. “Essa geração também teve oportunidade de morar no Japão durante um tempo e, por isso, nasci lá, na cidade de Ryugazaki em Ibaraki-ken”, revela.

Tanto a família da mãe quanto a do pai são de Mogi das Cruzes (SP). Na juventude, seus pais e tios participaram das atividades de kaikans. “Da parte do meu pai, como meus avós participam bastante da Associação Cultural e Agrícola de Biritiba Ussu – ACABU, meus tios continuam prestigiando os eventos, como o undokai”.

O jovem tecnólogo relata que uma tia sua mora no Japão, que inclusive o ajudou bastante quando foi fazer um curso da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) por meio de bolsa de estudos, de julho a agosto de 2019. “Foi sensacional!” Na maior parte do curso, ficou em Yokohama, mas foi a Kyoto também. “E no tempo livre consegui até visitar a cidade onde nasci e a rua onde morei. Quero muito poder voltar” [risos].

Costumes e valores

Tirar o calçado ao entrar em casa e comer de hashi são alguns dos costumes típicos que a família preservou. “Estudei um pouquinho de nihongô, mas tive de parar por conta de agenda”, comenta.

Entre os principais valores com que teve e tem contato está a disciplina. “Mas só fui desenvolver ‘valores’ de verdade quando me conectei ao kaikan”, como o omotenashi (oferecer a melhor experiência possível a um convidado em casa, ao próximo ou a um cliente). Outro exemplo é evitar o desperdício (mottainai), que “de certa forma acaba sendo controverso em deixar estragar comida/materiais” [risos].

“Para mim é mais uma questão de redescoberta da cultura japonesa ou até mesmo entender de fato o que é a cultura brasileira”. Porque aprendeu uma base com os avós e, da adolescência em diante, foi se interessando aos poucos e se aprofundando. “Ainda mais depois do curso da JICA tive muito mais visão de quanto é rica essa cultura”.


Compromisso com a comunidade nikkei

“Meu compromisso com a comunidade se firma com a Associação Central Nipo-Brasileira da Região Bragantina, a Liga Seinen e a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo”, ressalta o líder nikkei.


Seinen de Bragança Paulista (SP)

“Só conheci a comunidade de perto com 16 anos, em 2013”, quando um amigo o convidou para ser voluntário no Festival Japão de Bragança Paulista, que teve a primeira edição em 2008 com a comemoração do centenário da imigração japonesa no Brasil.

A partir daí, passou a ser um membro fixo do Seinenkai (grupo de jovens) de Bragança, participou da organização do Anime Nipo (do próprio Seinen) e de alguns eventos de integração como o Movimente, do Nippon Country Club de Arujá (SP), e UAI – União, Amizade e Interação, da Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira de Belo Horizonte (MG).

No ano seguinte, em 2014, assumiu a presidência do grupo até 2015. Retornou como vice em 2017-2018 para apoiar novas lideranças e finalizou essa jornada presidencial em 2020-2021, sendo hoje responsável pela área financeira. Contribui ainda como Diretor de Eventos e Marketing na associação.

Embora Douglas atue continuamente entre os jovens, na realidade, a rotatividade é muito alta. O perfil de integrantes inclui vestibulandos que buscam por faculdades públicas. Logo, boa parte sai após dois ou três anos de atividades. Há também aqueles que se desligam por motivo de trabalho ou porque entendem que já vivenciaram o suficiente no grupo ou que estão com outras prioridades ou por causa da distância, do deslocamento. Em todos esses anos, “tive a oportunidade de ver muitas gerações diferentes de jovens”.


Liga Seinen

“E agora, o que eu faço depois disso?” Essa foi a pergunta que fez a si mesmo ao deixar a primeira presidência do Seinen de Bragança, em 2016. Chegou a participar da USB – União Seinen Brasil, uma iniciativa que tinha a finalidade de catalogar e acompanhar os grupos de jovens nikkeis, mas que em pouco tempo desapareceu. Nessa ocasião, surgiu a ideia da Liga Seinen.

A Liga Seinen é um movimento independente, não existe uma sede ou relação com qualquer associação. “Fundei junto com alguns amigos em novembro de 2018, porque naquele momento não existia nenhum movimento nacional com o objetivo de criar e manter uma rede de contatos entre os seinens”, relata.

No primeiro ano, formularam um site, criaram perfis nas redes sociais e começaram a convidar outros grupos de jovens para participarem. A condição é fazer um cadastro, fornecendo informações como o nome da associação, o nome do atual presidente e a cidade, e concordar com os termos do movimento. Desse modo, as entidades que passam a integrar a Liga são chamados de “entidades ligadas”.

Na sequência, em 2019, o grupo realizou um torneio online do jogo League of Legends, além de ter participado de eventos direcionados a lideranças jovens – REVI e Boost, do Seinenkai Nipo Campinas.

Em 2020, fez caravanas para encontros presenciais nas cidades de Bragança Paulista e Sumaré (SP). Entretanto, a pandemia começou e, para se manter ativo, dedicou-se às atividades online: noites de jogos, sessões de filmes, workshops de xadrez, entre outros. Inclusive, apoiou diversos eventos ao longo do ano. Muitos desses eventos aconteceram graças à ajuda da Nipo Bragança, que emprestou serviços como o Zoom Premium, plataforma com plano que permite sessões por tempo ilimitado.

Liga Seinen reúne jovens em Sumaré (SP) (foto: divulgação)

Depois, em novembro de 2021, os “jovens ligados” promoveram a festa de aniversário de três anos do movimento em uma parceria ainda maior firmada com a associação de Bragança, que cedeu equipamentos e espaço para a realização de uma live especial.

Nesse mesmo ano, entrou como apoiador da REVI (Revitalização) – Fórum Nacional dos Jovens Líderes das Entidades, realizado pelo Seinen Bunkyo numa edição virtual.

“A ideia é que aos poucos a gente vá fazendo mais parcerias, abraçando mais eventos”. Em 2022 iriam fazer um evento de integração (intercâmbio) em conjunto com a Nipo Bragança, porém, houve um surto de Covid-19 em junho e ficaram receosos. “Quem sabe o que o futuro nos reserva?” [risos]

Claro que Douglas—mais conhecido como Mitsu—pensa no futuro da Liga: quer voltar a se dedicar à iniciativa. “A Liga Seinen é a forma que encontrei de retribuir tudo o que a comunidade me ofereceu de conhecimento, amizades, network e tudo mais”. A expectativa é que, como resultado de todo o esforço e de sua determinação, a Liga seja reconhecida por autoridades da comunidade nipo-brasileira como um movimento importante e influente. O desafio hoje é tempo, principalmente, e pessoas.

Bunkyo

De 2014 a 2019, o Seinen de Bragança marcou presença na REVI, com a participação de alguns integrantes como público. O grupo entrou como apoiador em eventos de 2022, como o Bunka Matsuri – Festa da Cultura Japonesa do Bunkyo, o Sakura Matsuri – Festival das Cerejeiras e o Haru Matsuri – Festival da Primavera. Assim, o primeiro evento em que Mitsu ajudou como membro da comissão organizadora foi o FIB – Fórum de Integração Bunkyo, realizado pelo Comitê Jovem do Bunkyo, formado por comissões, entre elas a Comissão de Jovens do Bunkyo (CJB), na edição de 2019.

Mais recentemente, em 2021, entrou para a CJB. Já em 2022 tornou-se diretor de Projetos: “tento ajudar no que posso mesmo distante. O legal é que muito é resolvido online”.

Imagem, discriminação e mudanças

Aos quatro anos de idade, em 2000, mudou-se de Mogi das Cruzes (SP) para Bragança Paulista, a 67 km da capital. Na época do Ensino Fundamental, sentiu-se bastante deslocado quando perceberam que ele era “diferente”.

Grandes mudanças se notam nas visões sobre a função das entidades de cultura japonesa. “Entendo que os isseis e nisseis tinham um sentimento muito forte em se unir e se proteger. Era no kaikan onde tinham toda a rotina da colônia, desde a alfabetização, o ensino de nihongô até a prática de atividades esportivas/do clube, etc.” E continua: “hoje não há essa mesma necessidade de ‘proteger a colônia’, dado o momento em que a cultura nipo-brasileira já está bem estabelecida. Portanto, isso leva a alguns conflitos de geração e ninguém entende por que. Prioridades e valores mudaram bastante conforme a geração”.

“Em termos de preconceito ‘moderno’, penso que existe mais um fetiche do que preconceito”, diz. E justifica que seja consequência da expansão da cultura pop e da internet – mangá, anime, grupos de dança (coreanos inclusive), doramas, etc. “De qualquer maneira, tudo isso e mais um pouco trouxe diferentes visões e representatividade asiática”. Como os descendentes de japoneses estão integrados à comunidade brasileira, mesmo que numa visão distorcida, “nosso papel agora é contribuir para a sociedade como um todo”. Ou seja, o veterano yonsei acredita que colabora com sua parte por meio da atuação nas associações culturais, com foco na capacitação de jovens, que tem o objetivo de prepará-los para assumirem, no futuro, a posição de líderes.

Yonsei, sim

Douglas se considera yonsei mesmo, por certas razões. A primeira é a “distância histórica” dos bisavós e da cultura, pois não tem “o sentimento imperialista dos isseis, nem o sentimento amargo dos nisseis (muitos passaram por dificuldades da guerra), e nem essa transição, ampliação e maior difusão dos sanseis”. “Tive, sim, experiências, mas com certeza muito diferente dos isseis e nisseis”, completa.

Identidade nikkei

O jovem descendente faz uma reflexão sobre o que é ser nikkei. Quando se fala em comunidade nikkei, automaticamente vêm à mente as entidades e os grupos que realizam atividades relacionadas à cultura japonesa. “E quem são as pessoas envolvidas? Será que são todos japoneses? Bom, não. Nikkei é, então, qualquer um que esteja de alguma forma engajado, contribuindo com a cultura”.

“A gente está aqui para formar a sociedade, seja brasileira, seja no mundo, e contribuir com essa ‘mistureba’ de culturas que a gente tem”, opina. E acha válido se conseguirem juntar as características positivas de cada cultura e, assim, “construir uma sociedade melhor”.

 

© 2022 Tatiana Maebuchi

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Sobre esta série

Esta série mensal apresenta entrevistas com jovens nikkeis do mundo todo, com 30 anos ou menos, que estão ajudando a moldar e construir o futuro das comunidades nikkeis ou fazendo um trabalho inovador e criativo, compartilhando e explorando a história, cultura e identidade nikkeis.

Design do logotipo: Alison Skilbred

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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