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O Chile e a Imigração Japonesa - Parte 2

>> Parte 2

A colônia japonesa sui generis do Chile

Falar sobre uma “colônia japonesa no Chile” não passa de um aforismo que não se encaixa na realidade chilena. No Chile nunca existiu nem existe uma “colônia japonesa” como o termo se aplica ao Peru, Brasil, México ou qualquer país onde chegaram imigrantes oficiais. As oportunidades de vida encontradas pelos nossos imigrantes não levou à formação de um agrupamento “à japonesa” coeso e permanente. O que mais se aproximou deste conceito foi o ocorrido com pequenos grupos de duas ou três famílias que orbitavam em torno de uma versão local do “irmão mais velho” e mantinham alguns laços à distância. O restante era composto de indivíduos forçados a criar suas próprias formas de vida, relacionando-se apenas com aqueles que por acaso estavam ao seu redor. Com o passar dos dias, dos meses e dos anos foram superando os medos e carências – resultados da ausência do coletivismo ancestral – e passaram a criar seus próprios espaços pessoais nos quais todos os deveres, regras e decisões recaíam sobre eles mesmos.

Como consequência de tais condições surgiu o “nipo-chileno”, deixando para trás parte do que trazia e assimilando parte da cultura local.

É por isso que não podemos assinalar um local ou uma data de chegada a uma suposta “colônia japonesa” porque aqui só chegaram “colonos japoneses” em datas distintas, em locais distintos e com motivações distintas. Apenas estatiscamente, somando de maneira superficial os números, podemos falar de uma colônia que não tem valor real. É também por isso que foi tão difícil formar e manter agrupamentos japoneses nos centros urbanos, pois cada um teve que levar sua vida ao redor de si próprio, sem tempo para atividades coletivas que já haviam perdido sua urgência original.

O casamento e a família

Os primeiros imigrantes japoneses radicados no Chile eram homens solteiros. Destes, 50% tinham menos de 23 anos. Mais de 10 anos se passaram até a chegada das primeiras cinco mulheres japonesas. Em 1940, a diferença numérica entre os sexos não era tão marcada, mas ainda assim para cada mulher havia três homens. Este foi o primeiro obstáculo para a criação de lares com marido e esposa japoneses. O segundo obstáculo foi a mesquinha realidade que enfrentavam, apesar da maioria ter feito enormes esforços para alterá-la. Como resultado, a média de espera para a realização do sonho da esposa japonesa era de 10 anos (entre a saída do Japão e o momento em que decidiam formar uma família no exterior). Além disso, não conseguiam arrecadar os recursos necessários para ir ao Japão buscar uma esposa nem tampouco encomendá-la do Chile. (Isto explica porque as viúvas japonesas tiveram tão boa aceitação.)

A forte tradição exigindo a continuação da linha familiar (através do sobrenome) fez com que casamentos mistos (com mulheres chilenas) proliferassem e se tornassem uma realidade apesar de: a) grandes dificuldades de comunicação entre os dois parceiros, b) enormes diferenças de modos e costumes, c) o fraco ou inexistente apoio de um ambiente japonês ao seu redor, d) a difícil sensação de isolamento humano e geográfico que pesava sobre o esposo e pai, e) a idiosincrasia da mulher chilena que defendia sua realidade local e seus modos de vida.

Destes casamentos mistos nasceram a maioria dos nikkeis (descendentes de imigrantes japoneses) que foram altamente influenciados pelo ambiente local que os rodeava a cada instante. Este grande peso da cultura local ajudou a diluir com eficácia a herança cultural japonesa deixada apenas nas mãos do pai que: a) respeitava as decisões tomadas pela esposa dentro de casa e b) se ausentava frequentemente para cumprir suas intermináveis obrigações de trabalho. De acordo com uma pesquisa realizada em 1998, pode-se concluir que: se o pai pertencia a uma cultura japonesa equivalente a 100%, os niseis (filhos) a perdiam em mais de 50% e a geração sansei (netos) elevava esta perda para além de 75%. (Por exemplo, nenhum filho de casamento misto aprendeu o idioma japonês em casa.) Por outro lado, os imigrantes que se casaram com mulheres japonesas criaram condições ambientais no lar que enfatizaram a cultura japonesa. Ainda assim, o ambiente social foi derrotando seus sucessos à medida que se ampliava o círculo de relações dos filhos fora de casa.

Entre estas famílias nikkeis formadas em território chileno podem-se destacar duas particularidades. A primeira é que face a uma realidade material que proporcionava apenas bens limitados, a prioridade do casal era a educação dos filhos como a única herança que receberiam dos pais. A segunda corresponde à resignação do pai de ser incapaz de transmitir sua cultura e voltar com a família para o Japão. (Se vão viver no Chile, que sejam chilenos!)

A década de 40 e a segunda guerra mundial

Até 1941, a Segunda Guerra Mundial foi um conflito bélico restrito à Europa, quase que alheio à realidade chilena. Tudo mudou abruptamente após o ataque a Pearl Harbor e a declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão (7 e 8 de dezembro de 1941, respectivamente). As listas negras e medidas persecutórias que haviam sido feitas secretamente antes destes acontecimentos são postas em vigor contra indivíduos e seus bens. Os mais afetados são os colonos alemães e japoneses que começam a sofrer assédios e campanhas tendenciosas no rádio e na imprensa. Apesar disso, a maioria da população segue vivendo ao lado destes supostos “inimigos”.

Prosseguindo de acordo com os mesquinhos interesses da guerra, os japoneses acabam sendo vítimas de: a) expulsão das famílias radicadas nos centros de mineração dirigidos por americanos e ingleses, sendo a eles permitido levar consigo apenas uma maleta com seus bens pessoais (a partir de 09/12/41), b) confinamento de 74 japoneses a partir de janeiro de 1943, depois que o Chile, pressionado, rompe relações com o Eixo. (Estes confinamentos têm duração média de seis meses a dois anos.) c) Deportação ao Japão de 78 japoneses, incluindo voluntários e aqueles forçadamente deportados (setembro de 43). Com a aplicação destas medidas, mais de 20% da população japonesa foi vítima direta desta loucura belicista. Também foram executadas determinados confiscos de patrimônio, sendo o mais importante o confisco – e em seguida a expropriação sem retribuição – do fundo Andalién de Concepción que acabaria nas mãos da Universidade de Concepción.

Os outros japoneses residentes continuaram a viver suas vidas anônimas, sofrendo os pesares pessoais de qualquer outro habitante chileno. Ao mesmo tempo, um pequeno grupo procurou oferecer assistência àqueles caídos em desgraça, dando forma à que veio a ser chamada de “Fazenda Caupolicán”. A gerência desta fazenda que infelizmente só durou dois anos e meio constitui o único experimento realizado no Chile que pode ser considerado uma analogia ao sistema coletivista japonês.

Os Nikkeis chilenos do pós-guerra

A retomada das relações diplomáticas com o Japão em 1952 encontrou os japoneses residentes empenhados na normalização de suas vidas. Na década de 60, a decolagem econômica japonesa começou a ser percebida no Chile, com o capital japonês sendo investido na mineração, no comércio, na pesca, na rede bancária e na atividade florestal. O censo de 1960 registra cerca de 500 isseis apesar de que nem todos eram residentes permanentes. Em 1992 é feito um esforço especial para cadastrar os nikkeis chilenos espalhados pelo país. Com uma cobertura de cerca de 80%, 1.614 nikkeis são contados pelo censo. Seu número total é estimado em mais de 2.000. Em 1999, a embaixada japonesa no Chile informa que 402 isseis são residentes permanentes. Estes dados se referem quase na totalidade aos novos colonos japoneses que tomaram o lugar dos velhos colonos do período anterior à guerra, os quais, da mesma forma silenciosa que viveram, foram reclamar um lugar no fundo desta terra adotiva. No mesmo ano, uma pesquisa baseada numa mostra de 60 lares nikkeis da zona norte e central demonstrou que em pelo menos 88% dos casamentos, um dos parceiros era chileno nato. Apenas 30% dos adultos pesquisados mantinham relações com outros nikkeis , ao passo que seus filhos (geração sansei ) as limitavam a 13%.

Com respeito ao seu lugar na esfera social e no trabalho, as gerações de nikkeis chilenos continuam a ter a mesma preocupação que seus pais imigrantes tinham com a educação.

Seus filhos, os niseis (nascidos entre os anos 50 e 70, mais ou menos) não apenas superaram o padrão nacional daqueles que se matricularam no ensino superior como também o daqueles que saíram da universidade com um diploma. Assim sendo, conseguiram obter empregos numa grande variedade de profissões, pois contavam com seus certificados profissionais e capacidades pessoais. Nesta geração, apenas uns 2% continuaram a exercer ocupações primárias. Uma outra minoria continuou determinada a levar adiante a herança paterna.

Os netos, ou sanseis (nascidos entre os anos 70 e 90, mais ou menos), alcançam novos avanços no campo educacional e na imersão social. (A este contingente estão incluídos os niseis dos imigrantes do pós-guerra.) Dificilmente podem ser encontrados nikkeis com menos de 12 anos de escolaridade. Teve aumento o número de profissionais formados no ensino superior como também os que se formaram em carreiras altamente valorizadas (especialmente no ramo da engenharia). De acordo com as estimativas, as carreiras profissionais fazem parte dos planos de vida de todos os adolescentes, e mais de 75% dos jovens maiores de 20 anos cursam o nível superior. Os diplomas universitários resultam numa minoria significativa de profissionais independentes de sucesso, funcionários de alto nível em entidades públicas e privadas, e profissonais que triunfam no exterior devido a sua ótima capacidade. Nesta geração desaparecem aqueles que trabalhavam nas atividades exercidas pelos primeiros imigrantes. (Esta realidade justifica em boa parte o pequeno impacto que teve no Chile o chamado que o Japão fez aos dekasegi nos anos 80 .)

Conclusão

Acreditamos que a história da colonização japonesa no Chile deve parecer com aquela de outras histórias colonialistas japonesas que sem nenhum apoio oficial tiveram lugar em outros países latino-americanos. Infelizmente, muitas destas histórias continuam mal difundidas e desconhecidas pela maioria. Belas odisséias de coragem, nobreza, sacrifício e perseverância permanecem esquecidas. Atualmente, parece que os dados coletados no Chile constituem os únicos elos visíveis desta cadeia de indivíduos japoneses que um dia no século passado se atreveram a atravessar o oceano para plantar sementes em um desconhecido país latino-americano. Sementes que foram férteis, levando a colheitas que hoje estão em evidência no seio de suas respectivas sociedades.

FONTES:

Encyclopedia of Japanese Descendants in the Americas Walnut Creek, California: AltaMira Press, 2002.

"Japoneses Chilenos - Primer Mitad del Siglo XX” - Ariel Takeda - Santiago do Chile - 2006.

 

A coleção "Chile y la inmigración japonesa "?no Nikkei Album foi desenlvolvida tendo como base este artigo.

Por Centro de Documentación Virtual Nikkei-Chile.

 

© 2008 Ariel Takeda

Chile comunidades Convenções da Associação de Nikkeis Pan-Americanos COPANI 2007 migração
Sobre esta série

Este é uma série de artigos e relatos sobre a Convenção Conjunta COPANI & KNT realizada entre 18 e 21 de julho de 2007 em São Paulo.

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About the Author

Ariel Takeda é professor formado em Letras. Um nisei, Takeda nasceu e cresceu no sul do Chile. Há seis anos, ele trabalha como diretor e escritor do boletim “Informativo Nikkei” da Sociedade Beneficente Japonesa. Em 2002, ele foi o autor principal do capítulo sobre a emigração japonesa na Enciclopédia dos Descendentes Japoneses nas Américas: Uma História Ilustrada dos Nikkeis (AltaMira Press). Em 2006, Takeda publicou o livro Anedotário Histórico: Nipo-Chilenos (primeira metade do século XX). Ele continua a pesquisar e escrever sobre a cultura japonesa. Atualmente, ele está trabalhando no projeto “Nipo-Chilenos – Segunda Metade do Século XX)” e no romance “O Nikkei – À Sombra do Samurai”.

Atualizado em novembro de 2012

 

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