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Oitenta anos depois, a busca pela rosa da paz

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A Rosa de Hiroshima

A Rosa de Hiroshima  

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Mas, oh, não se esqueçam
Da Rosa da rosa
Da Rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A Rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem roda sem nada.

Vinicius de Moraes em 1970 (1913-1980)

Este belíssimo e empático poema de Vinicius de Moraes, de 1946, surgiu em decorrência da tragédia provocada pelas bombas atômicas que caíram sobre o Japão, causando o final da 2ª. Guerra Mundial.

O ano era de 1945 e o golpe de misericórdia dado pelos Estados Unidos – o envio das artefatos atômicos com proporções e consequências inimagináveis – afetou de modo dramático toda a região, determinando a cessação definitiva do conflito.

Para além dos milhares de civis vitimados na ocasião, mais de 120 mil pessoas sobreviveram à explosão da bomba, carregando, porém, cicatrizes e sequelas permanentes.

O poema A Rosa de Hiroshima tornou-se um grande protesto, um forte libelo, primeiro em forma de poema e mais tarde, em forma musical, magistralmente interpretada por Ney Matogrosso.

A memória de uma pessoa é um campo fértil onde vicejam lembranças e floresce o sofrimento humano. Há oitenta anos, exatamente no dia 6 de agosto de 1945, o céu do Japão foi manchado por uma luz insuportável, carregando consigo os ecos de um cenário inimaginável. A bomba atômica que caiu sobre Hiroshima não trouxe apenas destruição; ela perpetuou um ciclo de dor e desespero que reverbera até hoje. E, entre os muitos ecoadores desse lamento está Vinicius de Moraes, poeta sensível e talentoso, que soube traduzir em versos a angústia daquele momento, eternizando a dualidade da vida e da morte, condensando em versos simples a complexidade dos sentimentos humanos diante da guerra.

 A Rosa de Hiroshima não é apenas uma reflexão sobre a tragédia; é um grito de protesto contra a indiferença. Ao retratar uma flor que, apesar de ser a beleza pura do mundo, é marcada pela brutalidade da bomba, Vinicius nos leva a perceber que a paz e a guerra coexistem em um mesmo espaço, assim como o amor e o ódio. A rosa, flor que é símbolo de amor e delicadeza, confronta com a rosa do cogumelo, que representa a cinza da destruição. O poeta nos lembra que, mesmo no meio das cinzas, a vida insiste em renascer, trazendo beleza diante de um cenário desolador.

Hiroshima após a bomba atômica. Cortesia dos Arquivos Nacionais dos EUA (NAID: 22345671)

Mas o que significa essa beleza que se ergue entre os escombros?  É uma esperança teimosa que busca resistir aos traumas, um lembrete de que, mesmo após a devastação, há um futuro possível. Através de seu poema, Vinicius questiona até quando ignoraremos o grito das rosas. Até quando os horrores da guerra continuarão a ser justificados?   Essa provação não é apenas uma ferida do passado, mas uma pergunta que persiste nos dias de hoje, onde conflitos ainda ceifam vidas e sonhos.

Vinicius, com sua sensibilidade ímpar, nos faz refletir sobre a fragilidade humana. As vítimas de Hiroshima e Nagasaki, esquecidas em muitos relatos históricos, são trazidas  à luz para que possamos testemunhar a dor e a perda de cada uma. A rosa, destinada a florescer, é também um símbolo de resistência, lembrando-nos que é possível cultivar a esperança mesmo diante do desespero mais profundo. O poeta nos convida a olhar para esse contraste, a reconhecer a força que a beleza pode ter em tempos de aflição e desespero.

Por fim, a reflexão proposta por A Rosa de Hiroshima é um convite à empatia. Somos todos flores nesse jardim complexo que é a humanidade, e cada pétala carregada de dor pode, ao mesmo tempo, ser uma promessa de esperança. Que possamos sempre lembrar que, apesar das guerras, das bombas e da devastação, a rosa da paz deve ser cultivada com amor e respeito. E que nunca nos esqueçamos das lições duramente aprendidas, para que o passado não se repita, mas se transforme em um futuro onde as flores possam brotar, florir e sorrir, longe das sombras e cinzas.
   

N.R.: Vinicius de Moraes (1913-1980), foi um poeta, dramaturgo, diplomata e compositor brasileiro, um dos fundadores da Bossa Nova e autor de letras famosas como “Garota de Ipanema”. Sua obra abrange poesia, música e teatro, sendo considerado um dos maiores nomes da literatura brasileira e um ícone da Bossa Nova, movimento que ajudou a consolidar internacionalmente.

 

© 2025 Katsuo Higuchi

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About the Author

Natural de Tupã – SP, nissei, formado em Direito com Especialização em Relações Trabalhistas. Durante 50 anos atuou como Executivo e Empresário na área de Recursos Humanos. Consultor Empresarial, é  também Colunista do Jornal Nippo Brasil.

Atualizado em junho de 2017

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