A vida traz consigo a incerteza e a efemeridade das relações. Recentemente, fui surpreendido pela partida de duas mulheres extraordinárias que causaram, cada uma de seu jeito, um impacto muito grande na minha vida. Minha querida mãe, Aiko, que nos deixou no ano passado, aos 103 anos, e Rosa, uma colega e grande empresária, que partiu inesperadamente há uma semana, aos 77 anos. Falar sobre perda é desafiador; a dor é palpável, mas ao mesmo tempo não posso deixar de celebrar o legado e a força que ambas representaram em nossa vida. Percebo que, mesmo nas sombras das tristezas, podemos encontrar luz nas memórias que elas construíram.
Rosa era o retrato da vitalidade e da dedicação ao trabalho em todas as formas. Lembro-me da última vez que a encontrei há pouco mais de 15 dias, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, com o seu sorriso largo e seu olhar atento, às 4 horas da madrugada, recepcionando os participantes do grupo de excursionistas, seus clientes fiéis, levando a cada um o seu abraço pessoal e desejando uma boa viagem. Eu e minha esposa, Cecília, éramos uns dos privilegiados passageiros.
Esqueci de comentar! Rosa Shizue Kyono Chibusa era sócia-diretora e fundadora da Tochatour-Viagens e Turismo, uma das agências mais conceituadas do setor, principalmente dentro da comunidade nipo-brasileira. Naquela ocasião, Rosa foi se despedir dos participantes e entregar para cada um deles, uma sacolinha contendo um lanche quente preparado por ela mesma à noite. Essa era a Rosa de sempre, atenciosa, amável, incansável!
Sempre envolvida em múltiplas atividades, ela e o seu marido e grande companheiro, Tocha, se destacavam não apenas pelo sucesso profissional, mas pela maneira como se importavam genuinamente com as pessoas. Uma verdadeira líder, Rosa sempre encontrava tempo para ouvir os outros e oferecer conselhos. Sua abordagem empreendedora e seu entusiasmo em enfrentar desafios eram inspiradores para muitos.
Iniciando sua vida profissional como professora, logo se destacou entre seus pares, tomando a iniciativa de promover passeios e excursões pedagógicas com os alunos e outros professores, e foi quando teve os primeiros contatos com as agências e profissionais de turismo. Encantou-se com área e, em pouco tempo, deixava o magistério e arriscava-se em seu próprio negócio, cultivando a semente do que viria a ser a atual Tochatour, uma agência de turismo que é uma referência quando se trata de respeitabilidade, qualidade e confiança.
E tudo isso foi conquistado junto a uma clientela das mais exigentes e seletivas, que é a comunidade nipo-brasileira e mais ainda no nicho quase impenetrável da chamada Terceira Idade. E não é que a Tochatour conseguiu esse feito? Dezenas, centenas, podem ser considerados hoje, não apenas clientes, mas amigos da Rosa e do Tocha.
Por avião, trem, ônibus, navio e até barcos, centenas de “jovens” da Melhor Idade, em grupos animados, descobrem as maravilhas que o mundo oferece, em roteiros caprichosamente preparados pela equipe da Tochatour. O Brasil com suas belezas incomparáveis, e mesmo os longínquos países da Europa, América do Norte, Ásia, com as suas riquezas e histórias milenares, são perscrutados e visitados por animados viajantes, coordenados por dedicados e qualificados profissionais da agência.
Rosa fez do amor por viajar uma missão de espalhar felicidade. “Mais importante que o destino, são as pessoas” é o lema da Tochatour.
Soube que, a despeito de sua idade, de uma saúde que sempre inspirou cuidados, passava por fase vibrante de sua vida empresarial, carregando planos e sonhos de crescimento. Sentia-se como se estivesse vendo uma rosa em plena floração. Sua energia e determinação eram contagiantes e sua capacidade de florescer em meio a adversidades ensinou que a vitalidade não reside apenas na resistência, mas na disposição de ousar ser alegre e se reinventar.
O seu desaparecimento tão repentino causou um impacto muito grande, um choque para todos os seus familiares, amigos, inclusive a este humilde escriba.
A outra figura notável, que não era Rosa, mas igualmente maravilhosa como uma flor, chamava-se Aiko, minha querida mãe que, com seu espírito de guerreira e dedicação incondicional, sempre foi o pilar de apoio da família. Aos 103 anos, ela nos deixou no ano passado de forma serena, tranquila, como sempre pedia e rogava ao Altíssimo. Sua longevidade não era apenas um número, mas o reflexo de uma vida vivida com propósito e alegria.
Ela foi ainda um exemplo de resiliência, determinação e generosidade, sempre encontrando um espaço em seu coração para aqueles que a necessitassem. Essa capacidade de amar, de dedicação ilimitada à família e comprometimento, fez dela uma figura central em nossa família.
Deixou uma biografia repleta de momentos difíceis, de sacrifício, trágicos até, como foi a epopeia da maioria dos imigrantes que, assim como ela , deixou o Japão ainda criança, junto com pais e irmãos, em busca de uma vida melhor e mais digna no Brasil. Mas, apesar de todos os percalços enfrentados, nunca perdeu a esperança de um futuro melhor para si e principalmente para seus filhos.
Deixou um legado que a família só pode se orgulhar e reverenciar. Sua ausência é sentida em cada reunião de família, em cada risada compartilhada, nas viagens e passeios que fazíamos, nos quais sua presença era sinônimo de alegria e disposição. O vazio deixa uma saudade que, apesar de dolorosa, se transforma em gratidão pelas memórias que foram construídas.
As Rosas que se foram nos deixam lições profundas que ecoarão em nossas vidas. A fragilidade da vida nos convida a valorizar cada momento, a cultivar relações e a expressar nosso afeto enquanto ainda é tempo. A dor da ausência é intensa, mas cada lembrança traz à tona sorrisos compartilhados e a certeza de que, apesar da tristeza, é preciso celebrar as vidas que impactaram a nossa. Rosa e D. Aiko, em sua singularidade, deixaram um legado de amor, de força e perseverança que nunca se apagará da nossa memória.
Assim, ao refletir sobre essas partidas, percebo que as Rosas que se foram não seriam felizes em ver florescer apenas a saudade. Elas nos ensinaram a seguir em frente, a ser gratos e a permanecer juntos, mesmo em tempos difíceis. A vida, com suas idas e vindas, nos lembra que cada flor tem o seu tempo, mas o amor que compartilhamos permanece eternamente, aquecendo nossos corações e nos guiando para a frente.
Em tempo: mais de mil pessoas compareceram ao velório da inesquecível Rosa, para levar o seu último adeus e na Missa do 7º Dia a Igreja foi pequena diante da significativa presença de amigos que compareceram para dedicar suas preces à derradeira e mais bonita jornada que Rosa estará realizando.
© 2025 Katsuo Higuchi


