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História nº 49 (Parte I): Vida nova no Japão!

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Kaori tinha três irmãos mais novos que ela, sendo a única mulher.

Como sua mãe tinha a saúde fraca, desde cedo ajudava nos serviços de casa, cuidava dos irmãos, além de frequentar a escola. Seu dia a dia era bastante corrido, mas ela gostava de ajudar e, principalmente, de ver a sua mãe feliz.

Mas um dia a sua mãe adoeceu, foi hospitalizada, não resistiu à cirurgia no coração e faleceu.

Foi então que Kaori viu que tinha que ser forte, pois tanto o seu pai, como os irmãos menores e a avó que morava perto, todo mundo ficou abalado sentindo muito a perda da querida Kaachan.

Kaori estava com 14 anos de idade e foi com muito esforço que concluiu o ensino fundamental e desistiu de cursar o ensino médio para fazer todo o trabalho de casa e dar atenção e cuidado para o irmão Koji de 11 anos e os gêmeos Kei e Kenji de 7 anos de idade.

O tempo foi passando e quando os meninos já não precisavam de tantos cuidados, Kaori arrumou emprego como balconista numa loja de roupas.

Pouco tempo depois, o seu pai comunicou que ia se casar. Ao que todos ficaram surpresos. Mas ele garantiu que ela era uma boa pessoa, sua colega de trabalho na empresa onde ele estava desde os tempos de solteiro... Daí todo mundo achou que ela era da idade dele, mas quando a conheceram ficaram mais surpresos ainda, pois ela era bem mais nova que ele.

O pai se casou, continuou morando na mesma casa e a rotina não mudou, com Kaori preparando o almoço antes de sair para ir trabalhar e nos fins de semana os irmãos tinham que ajudá-la na faxina.

Logo que terminou o ensino médio, Koji se preparou para ir trabalhar no Japão. Kaori queria que ele continuasse os estudos, que fizesse uma faculdade, mas ele estava decidido e até prometeu um dia chamar o resto da família para viverem juntos no Japão. “Como esse meu irmão sonha alto”, pensou Kaori.

E com muito esforço e dedicação, Kaori estudou à noite e concluiu o ensino médio, também fez curso de computação e passou a trabalhar num escritório de contabilidade.

Mas em casa a situação se complicava, pois a nova esposa do pai pediu demissão do emprego, mas continuou sem nada ajudar nos serviços de casa, vivia implicando com os gêmeos e quando a avó deles fazia uma visitinha, dizia que não entendia o que a Bá falava. Enfim, preenchia o tempo indo à academia, ao cabeleireiro, à aula de Pilates, aos passeios com as amigas.

Nem Kaori muito menos os meninos contavam isso para o pai, que se desdobrava trabalhando na empresa de seguros e ganhando um dinheiro extra aos sábados na oficina mecânica de um amigo.

Quase dois anos morando no Japão, Koji um dia telefonou para a irmã: “Ô Ká, tô falando do shigoto1, aqui tá puxado, sabia?”. Kaori ficou feliz ao ouvir o vozeirão do irmão que estava ligando no intervalo do serviço na fábrica.

- E aí, Kojinho, genki2?

- Genki sim!!! Tô ligando pra dizer que vou casar.

- Verdade? Mas, como? Tão de repente!

- Eu conheci a Mili logo que cheguei aqui. Vamos casar em julho, quando a Mili faz aniversário. Mas acho que não vai ter festa...

- Que pena! Não vai ter festa?

- Mas Ká, você precisa vir sem falta, viu? Agora vou desligar, se não levo bronca do kacho3....

Era meia-noite e meia e Kaori ficou pensando: “Então ele conheceu a moça faz dois anos... tomara que seja uma decisão acertada. Que Deus os abençoe!”

Já fazia algum tempo que ela estava economizando, pensando justamente em um dia viajar ao Japão. Não para ir trabalhar, mas para visitar o irmão e passear um pouco, porque, afinal, achava que merecia depois de se dedicar à família por todos esses anos. Para falar a verdade nem sabia o que é tirar férias...

No dia seguinte, Kaori fez uma reunião com a família comunicando a decisão de Koji.

- Se o Koji decidiu, está decidido. Ele sempre foi sensato, correto e responsável – falou o pai orgulhoso.

- Que saudades do meu neto! Será que ele cresceu mais de quando estava aqui? Um dia vamos todos para o Japão, não? – perguntou Bá ansiosa.

- Isso! Vamos para o Japão, vamos! Eu quero ir para Akihabara onde tem a Super Potato! – falou Kenji animadíssimo.

- Ô menino! Estamos falando em ir visitar o seu irmão, não é pra se divertir. E você, em vez de games precisa é estudar. Japão é para depois, ouviu? – falou Kaori olhando firme para Kenji, mas no fundo se divertindo com a animação dele.

Para o casamento de Koji, a família decidiu então enviar Kaori para representá-los.

Todos contribuíram para a compra do presente de casamento e foi o tempo de Kaori providenciar seu passaporte e ultimar os preparativos para a sua primeira viagem internacional. No trabalho ela havia pedido férias.

Mas o que ela nem imaginava era que estava para começar uma grande mudança em sua vida!

Ler História nº 49 (Parte II)

 

Notas

1. Serviço

2. “Tudo bem?”

3. Chefe de seção

 

© 2025 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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