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O Súdito: Banzai, Jorge J. Okubaro!

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Jorge J.Okubaro com o seu livro em 23 de novembro de 2024. Fonte: ONOHARA (2024)

Nascido em Araraquara em 1946, Jorge Junzi Okubaro é um intelectual multifacetado, que apresenta uma trajetória acadêmica e profissional diversificada: já deu aulas de Física e Matemática em cursos preparatórios para o vestibular para se manter e conseguir estudar Engenharia Civil, Jornalismo e Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP).

Além de sua atuação como jornalista e escritor, é membro efetivo do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e preside o Centro de Estudos Nipo-Brasileiros (CENB ou Jinmonken), contribuindo para o debate sobre temas relevantes da cultura e da sociedade nipo-brasileira.

Mas ser presidente da Jinmonken foi um acaso, assim como a sua escolha pela profissão de jornalista foi uma oportunidade que surgiu por meio de um amigo. O autor ainda apresenta algumas dificuldades como dirigente da instituição, em que tenta restabelecer a grandeza que o Jinmonken teve outrora. O acervo constitui um patrimônio fundamental para a salvaguarda da identidade cultural, estabelecendo um elo vital entre as gerações.

Okubaro destaca as dificuldades inerentes à gestão de uma grande entidade, em particular a necessidade de traduzir as peças fundamentais em língua japonesa antiga, um empreendimento que exige consideráveis recursos financeiros. Outra barreira a ser superada é a escassez de tradutores que dominem o japonês pré-reforma ortográfica de 1946 – o autor comenta que essa reforma simplificou a escrita e reduziu o número de kanjis e, assim, tornou a tarefa de encontrar profissionais capazes de lidar com textos anteriores a essa mudança ainda mais desafiadora.

O autor enfatiza a importância de fortalecer o corpo de pesquisadores do CENB para garantir a continuidade e a preservação de seu acervo, principalmente de pesquisadores de língua portuguesa. Ele argumenta que a escassez de profissionais e falta de recursos financeiros têm comprometido a dinâmica da instituição e colocado em risco sua existência. O escritor manifesta profunda preocupação com a possibilidade de encerramento do Jinmonken no Brasil, uma vez que a editora da instituição foi fundamental para a realização das pesquisas de seus livros e de outras obras importantes sobre a imigração japonesa. A preservação dessa organização é crucial para a continuidade dos estudos sobre a comunidade nikkei no Brasil.

Okubaro publicou vários livros de sua autoria e coautoria, mas o destaque está na obra O súdito: (Banzai, Massateru!), de 2006, que foi “transformador em todos os sentidos”, nas palavras do escritor, na qual aprofundou mais o seu interesse pela cultura nikkei, principalmente a okinawana.

O escritor conta que a sua identidade como nikkei okinawano no Brasil era uma construção complexa e marcada pela dualidade cultural, na qual se sentia como sendo parte de uma minoria étnica, tanto na sociedade brasileira, quanto na comunidade japonesa. O autor cita que a sua mãe o submeteu a praticar a dança de Okinawa, de sanshin e de kendô, mas que ele não levava jeito para nenhuma dessas atividades. E o dialeto de Okinawa, Uchinaaguchi, só podia ser utilizado em casa. Ele ainda menciona que a sua mãe, Fussako, temendo que ele fosse ridicularizado, o proibia de falar o dialeto em público, o que aumentava mais o seu isolamento e vergonha de suas raízes. Somente ao final de seis anos de pesquisas e escrita sobre a vida de seu pai, o autor teve a compreensão de que nunca deixara de ser Uchinanchu (espírito okinawano).

A princípio, Jorge, a sua esposa Nancy e seu irmão mais velho acharam que o livro iria dividir a família e que os okinawanos iriam os odiar, mas ocorreu que após o seu lançamento, a obra “contribuiu para os okinawanos passarem a se identificar como tal, tinham vergonha de se apresentarem como okinawanos, na verdade não sei se o livro contribuiu muito, mas teve alguma contribuição para os okinawanos passarem a se identificar com mais coragem e passei a fazer parte de associações okinawanas, que não tinha contato antes de 2006”, revela o autor.

História de Massateru e família

O livro O súdito: (Banzai, Massateru!) conta a trajetória do protagonistaMassateru Hokubaru, pai do escritor Jorge J. Okubaro, que com apenas 13 anos de idade saiu de Okinawa e imigrou para o Brasil em 1918, juntamente com os tios Taru e Ushii que eram recém-casados. Massateru era o segundo filho do casal Chuudoo e Taru (sua mãe possuía o mesmo nome do seu cunhado).

Massateru estava entre os quase 6 mil imigrantes que ingressaram no Brasil em 1918. E em 1931, aos 26 anos ele se casou com Fussako e tiveram o total de nove filhos, sendo sete legítimos e dois adotados. Ao longo dos anos, o casal trabalhou em atividades agrícolas, tiveram uma sorveteria, tinturaria e foram feirantes. O pai fracassou em todas as suas escolhas profissionais, “não deixou bens e nem dívidas”, proferia o escritor ao repetir essas palavras presentes na obra de 2006.

A família sofreu muitas dificuldades e privações desde a sua chegada no Brasil e uma delas foi depois de instaurado o Estado Novo (1937-1945) no governo Vargas, quando os imigrantes sofreram com o congelamento de seus bens e a perda do controle sobre suas propriedades, medidas tomadas pelo governo brasileiro. Tais ações foram implementadas com o objetivo de isolar as comunidades estrangeiras e reduzir sua participação na sociedade.
 

Atribulações decorrentes da Segunda Guerra Mundial e o surgimento da Shindo Renmei

A situação se deteriorou drasticamente em 29 de janeiro de 1942, com o rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). E a comunidade japonesa viu-se privada de seus representantes diplomáticos, com o fechamento de embaixadas e consulados. O idioma estrangeiro foi proibido, portanto as escolas estrangeiras, como o Nihongakkō (日本語学校), foram obrigadas a adotar o português como idioma principal e usar nomes brasileiros. E assim as notícias do Japão chegavam de maneira precária, já que o governo brasileiro também proibiu a circulação de jornais e outros materiais japoneses.

Alguns japoneses conseguiam sintonizar as transmissões da Rádio Tóquio. A notícia dos navios brasileiros afundados por submarinos alemães em 1942, causou indignação na população brasileira. Houve diversas manifestações contra o Eixo, em que a população atacou e destruiu casas de japoneses, já que era mais fácil identificar esses imigrantes do que os dos outros países. Em fevereiro de 1943, os japoneses residentes no bairro da Liberdade, em São Paulo, receberam ordem de retirada. Em julho, as autoridades brasileiras determinaram a retirada dos imigrantes da faixa litorânea de São Paulo no prazo de 24 horas (OKUBARO, 2006).

Apesar das proibições, os imigrantes resistiam e se reuniam, mesmo sem ter acesso a informações precisas, confiavam nas que eram fornecidas por boca-a-boca. Havia um grupo de japoneses residentes no Brasil que considerava falsas as notícias sobre a derrota do Japão na guerra e que os brasileiros, derrotados junto com os norte-americanos, estavam tentando evitar admitir publicamente esse fato.

Assim surgiu a organização Caminho dos Súditos (Shindo Renmei) que de associados chegou a ter quase três quartos de todos os japoneses que vieram para o Brasil entre 1908 e 1941, quando a imigração foi suspensa. A proibição de publicações em língua japonesa e a dificuldade dos imigrantes de ler em português favoreceu a disseminação de informações falsas. Além de que a emissora de rádio oficial japonesa foi tirada do ar, fato que privou a comunidade nipônica de informações (OKUBARO, 2006).

O escritor aponta a importância e a “necessidade da sociedade estar bem informada sobre fatos relevantes”. Para ele, a “proibição da circulação de informações em língua japonesa fortaleceu o surgimento das mentiras disseminadas pela Shindo Renmei”. Ele ainda ressalta que a desinformação apresenta uma grande velocidade e alcance e isso gera opiniões absurdas, sendo uma das principais lições que podemos aprender da história da Shindo Renmei para evitar conflitos semelhantes no futuro.

Em 1946, enquanto Fussako aguardava o nascimento de seu sétimo filho, o Jorge “Junji”, Massateru foi preso por integrar a organização Shindo Renmei. Após um mês de cárcere em São Paulo, retornou à família em Araraquara, onde enfrentou a vergonha inicial, mas posteriormente reconheceu o erro de sua convicção.

A situação prisional de Massateru ainda o colocava em risco de deportação. Para permanecer no Brasil, era imprescindível comprovar ter filhos brasileiros, cuja subsistência dependia de seus cuidados. A diferença nos registros dos filhos, os mais velhos com nomes japoneses e os mais novos com nomes brasileiros, refletia a complexidade de sua identidade e a dificuldade de se adaptar a uma nova realidade.

Muitos imigrantes ainda brigavam e se dividiam entre Kachigumi (勝ち組) e Makegumi (負け組), isto é, o grupo vitorioso e o grupo derrotado. Houve uma divisão entre os imigrantes e, neste período nebuloso, a Seicho-No-Ie, uma filosofia de vida japonesa, enviou ao Brasil, um representante para lidar com essa dualidade entre os japoneses. Não se tratava de discutir a vitória ou a derrota, pois, idealmente, o Japão “é uma nação eternamente vitoriosa” (OKUBARO, p. 357, 2006). Embora não satisfizesse plenamente sua sede de conhecimento intelectual, os textos sagrados ofereciam uma dimensão espiritual que os consolava diante da derrota. O escritor conta que a sua mãe se tornou preletora da Seicho-no-Ie, mas ele mesmo não se tornou adepto.

Neste ano de 2024, no Brasil, a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania reconheceu a repressão e perseguição política sofridas pelos imigrantes japoneses e seus descendentes durante a Era Vargas e pediu desculpas oficiais a essas vítimas. Desde 2015, a comunidade japonesa, representada pela Associação Okinawa Kenjin do Brasil e pelo documentarista Mário Jun Okuhara, buscavam uma retratação oficial dos crimes de maus tratos e discriminações cometidos contra os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial (OKUBARO, 2024).

Foto da Família Hokubaru: de pé Tuuko, Miichi, Niichan, Akimitsu, Junji e Yoshiko; sentados Nena, Fussako, Massateru e Seiki (1958) Fonte: OKUBARO (2006)

O livro O súdito: (Banzai, Massateru!) mostra que as experiências são compartilhadas, isto é, muitas das nossas experiências são coletivas, moldadas por fatores sociais, culturais e históricos comuns. Sentimentos como amor, perda, alegria e tristeza são universais e transcendem as individualidades.

A história de Massateru Hokubaru, narrada por seu filho Jorge J. Okubaro, é um lembrete de que nossas histórias individuais são parte de uma narrativa maior. Talvez o escritor não tenha plena consciência do profundo impacto que sua obra teve sobre a comunidade okinawana e outros nikkeis. Embora possa ser confundida com a história de outros imigrantes japoneses, a jornada de Massateru é um testemunho das dificuldades e triunfos enfrentados por aqueles que buscam uma vida melhor.

Embora tenha enfrentado diversos fracassos em sua trajetória profissional, o protagonista, assim como muitos imigrantes, dedicou-se a construir um futuro melhor para seus descendentes. Optando por permanecer no Brasil, ele investiu na integração à sociedade brasileira, incentivando o aprendizado da língua portuguesa e a adoção de rituais católicos, como a maioria dos brasileiros, a fim de proporcionar a seus filhos oportunidades mais promissoras e diminuir a distância cultural. Okubaro observa que, em relação às expectativas da época e ao contexto histórico, os irmãos tiveram vidas satisfatórias. A maioria se graduou no curso de Economia, uma irmã estudou Direito e outros dois irmãos não se formaram, mas tiveram um bom nível de realização pessoal.

A capacidade de conectar-se por meio de histórias é um traço inerente à humanidade. Compartilhar experiências como a de Massateru Hokubaru fortalece os laços comunitários e nos faz sentir parte de algo maior.

A história de Massateru, embora singular, pode servir como espelho para muitos outros imigrantes japoneses, sejam Uchinaanchu (okinawanos) ou Naichi (japoneses das ilhas principais).

Referências

OKUBARO, Jorge J. O súdito: (Banzai, Massateru!). São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006.

OKUBARO, Jorge J. “A hora das vítimas.” São Paulo: Estadão. 30 de jul. 2024. Acesso em 25 de novembro de 2024.

 

© 2025 Meiry Mayumi Onohara

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About the Author

Meiry Mayumi Onohara formou-se em Letras e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Uberlândia; é mestranda em Ciências Contábeis pela mesma universidade. É nissei do lado paterno e sansei do lado materno. Seu pai é de Saga-ken e a família de sua mãe veio de Kobe. Já foi professora de Língua Portuguesa, mas hoje gerencia a empresa da família.



Atualizado em maio de 2022

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