Quando nasci meu pai registrou-me como Augustinha Kazuyo Kadowaki. Encontrei muita dificuldade em saber o significado real desse sobrenome, só sei que é ligado ao ancestral sumotori que viveu em Tottori-ken, no Japão. Batizando-me como Augustinha, tinham homenageado vizinhos amigos portugueses, o nome até que foi adequado porque sou pequena. Mesmo residindo em São Paulo onde a grande maioria é alfabetizada, escrevem meu nome errado. Ora sou Augusta, Agostinha, e às vezes até trocam para Cidinha, Terezinha, isso em português, e até em consultas médicas preciso levantar-me quando dizem: Maria Augusta! Um absurdo! É engraçado quando pensam que ao ouvir o nome encontrariam uma portuguesa e aparece uma japa! Até sorrio, parece causar um impacto gostoso! Por isso agora depois de ter dois livros publicados, coloquei na capa: Gu (para não haver erro), e sendo casada, sou Gu Kodama. Se eu ligasse pensando em bullying ficaria maluca.
Nesta metrópole tem pessoas que acreditam em bullying só me chamar de japa ou japonesa, entretanto, eu sinto alegria em ter raízes desse arquipélago tão honrado e respeitado. Chamam de pele amarela, mas ela não me incomoda. Ao contrário, é um tom muito bonito e apreciada cor de saúde e de vida!
A gente é o que é, e nessa hora penso, falam que somos inteligentes, versáteis, bonitos e elegantes. Lembro de uma época em período de Fuvest, um cursinho de pré-vestibular escreveu uma nota que dizia: Enquanto você está se divertindo, tem um japa estudando! Era um jeito de fazer terrorismo com nossos jovens! Como Deus foi generoso conosco, além de japa, somos nippaku, nihongins, nikkeis... A gente não é fraco não! A gente é povo que se ama!
Recentemente, fui a uma festa no kenjinkai da província de Tottori, e quando cheguei após os cumprimentos, me indagaram: Que significa o meu nome, querendo saber do meu sobrenome que agora é Kodama. Nunca achei que tivesse importância, mas eles levam isso a sério, principalmente a maioria japonesa.
Hoje sei que pelo ideograma se difere mesmo entre igual sobrenome; devo dizer que há diversos ideogramas (kanjis) para se escrever igual nome. Buscando entre meus parentes me esclareceram:
Ko = newborn babe, child, young of animals (com 7 pinceladas, strokes)
Dama = jewel, ball
Com ideograma idêntico, pode ser chamado Otama, Kotama e Kodama (minha família).
Contudo, me conhecem como Gu Kodama e os Kodama preferem a tradução que soou melhor, agora digo que significa jóia nova! Mas entre os descendentes japoneses dizem, e o Kodama san é o mais popular na vida cotidiana. Daí o valor de suas raízes prevalece.
Também é interessante lembrar que a mulher casada japonesa não cita seu sobrenome de solteira; mas famílias com filhas e não tem filho varão pedem para casar com algum homem que tenha irmãos para que o noivo possa assumir o sobrenome da noiva e em consequência o nome da família não se extingue.
Hoje em dia no Brasil, os bebês têm o sobrenome de ambos os pais, mas no Japão o sobrenome da mãe cai no esquecimento. O machismo japonês é demasiado marcante e foi por isso que quando a minha caçula se casou disse-me que não pensava em mudar de nome, mas eu achei que facilitaria sua vida se incluísse o sobrenome e assim ela fez e o sogro ficou feliz! Em termos burocráticos brasileiros, tem que se alterar o nome em todos os documentos oficiais e para o passaporte tem que provar que teve a mudança e mostrar-lhes a certidão de nascimento (sobrenome do pai) e de casamento (sobrenome do marido), mesmo que no seu passaporte a ser renovado já constasse seu nome de casada!
A importância de um nome é motivo de orgulho do portador então creio que todo japonês é alfabetizado. Quando nasce uma criança japonesa e o nome é selecionado, não é pela sonoridade, mas do valor que a grafia ostenta, então pode se dizer que o nome é auspicioso ou de alguma importância. O orgulho nipônico começa por aí, entretanto vim a entender após o nascimento de minhas filhas, que precisa ter um nome representativo para seus ancestrais, e a primogênita se chama Yuri, porque provém da pureza do lírio, e a caçula é Marie que me leva ao amor de Maria, a Virgem Mãe, apesar de muitos afrancesarem seu nome. Êta, coisa complicada!
O importante é que qualquer pessoa consegue pronunciar o nome delas. Minha mãe era Asae, alguns pronunciavam Azae, então ela mesma se batizou Ana. Ela foi uma mulher muito prática. Até na língua japonesa consegue-se falar Ana-san!
Igual ao nome da gente existem muitos, contudo, para cada ser é único!
Nunca cobramos a chegada de um neto a minhas filhas, vontade nós tínhamos muita, entretanto sabíamos que teria que ser no momento certo da vida do casal. Meu marido e eu havíamos perdido um filho que nasceu natimorto e tínhamos muitas cicatrizes desse momento. Quando tivemos a Yuri, celebramos muito e a vinda da Marie também foi muito desejada. Não havia sido um “descuido”. Desejávamos muito essas crianças em nossa vida.
Depois de entender os valores de um nome do ser humano, a escolha do nome de uma pessoa passou a ser um ato bem criterioso e não podia mais tolerar que se atribuísse um nome “qualquer” principalmente em se tratando de uma criança tão esperada e amada.
Minha filha Yuri casou-se com um baiano não japonês (nascido lá em virtude de andanças dos pais), ele era neto de brasileiros e italianos. E meu neto Akira nasceu em São Paulo. Ele tem o pai que entende, escreve e fala a língua japonesa melhor do que muitos nisseis. Quando ele foi apresentado a nossos parentes japoneses, muitos fizeram comentários sem saber que ele estava compreendendo tudo, ainda bem que só falaram bem dele! O tempo passou e eles tiveram um filho: o meu neto Akira! Os pais escolheram o nome e a grafia do Akira, e o ideograma não podia ser melhor.
O significado do nome Akira é ser brilhante, e as letras que formam seu nome representam à esquerda o Sol e à direita a Lua! Fiquei contente porque o pai levou em conta a origem dos avós maternos, então ficamos lisonjeados e agradecidos! A criança cresceu e eu ensinei um pouco de nossas tradições e hábitos, tanto nas refeições como nos costumes, e ele logo estava aprendendo um pouco da língua japonesa e judô.
Foi quando pensei em presentear com um quadro com o ideograma do nome dele e procurei uma gráfica japonesa para presenteá-lo. Os profissionais me deram sugestões e optei por escolher a figura de um judoca que parecia com ele. Akira ficou muito contente.
Depois de algum tempo, minha filha Marie participou-me de sua gravidez. Logo pensei em outro quadro. Desta vez o nome era Kei. O genro Renato pediu-me para verificar qual o melhor ideograma e fui consultar uma sensei do nosso kenjinkai. Ela me sugeriu uma grafia clássica antiga cujo sentido era Poderoso e os pais aprovaram.
Mandei fazer então novo quadro, porém a imagem que desejava ainda estava incerta porque ele ainda estava por vir. Após muitas escolhas optamos por um pequeno samurai porque nele vimos o “jeito” do bebê do ultrassom.
E desejo participar a todos que perpetuem essa belíssima tradição que é peculiar a nossa descendência e em homenagem aos nossos ancestrais! Afinal, só com nossa cultura é que nos definimos como japoneses!
Posteriormente, nasceu o Yuuto, um bebê vigoroso e bonito, neto de minha irmã. O genro dela é descendente de portugueses, e como escolheram o nome cujo significado nipônico é gentil, resolvi presentear a família da mesma forma. Agora eles nunca esquecerão como é o ideograma que escolheram e seu sentido.
Se não levarmos adiante nosso legado, quem o fará? O orgulho nipônico que os kamikazes nos deixaram, o amor pela paz simplesmente se apagará? E a história de vontade, perseverança, dívida de gratidão tão japonês (ON); do mesmo jeito a dar sentido tão apropriado ao BANZO africano ou SAUDADE brasileira!
Insistir e persistir no legado de sua família é preservar o orgulho de SER! Com tudo isso creio que no princípio temos que amar a nós mesmos e respeitar os ancestrais, daí conseguiremos respeitar a cada um como iguais, pedaços que se encaixam para que o mundo se harmonize e possamos todos viver em PAZ!
© 2024 Augustinha Kazuyo Kodama
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