Para este mês, estamos muito gratos em apresentar a poesia em três idiomas - português, japonês e inglês - da maravilhosa poetisa, artista e bibliotecária, Liana Nakamura, da “terra dos caquis” Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil. A tradução em japonês foi fornecida por Nodoka Nakaya, e a tradução em inglês foi fornecida pela autora. O poema de Liana, “a feira”, nos mantém dentro e nos move através das minúcias do dia, nos retornando ao final circular, para começar de novo. Aproveite…
— traci kato-kiriyama
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Liana Nakamura nasceu em Mogi das Cruzes (São Paulo, Brasil), em 1994. Entre o Japão e o Brasil, se tornou Bibliotecária Especialista em Diversidade e Inclusão. É autora do livro amarela-manga: uma antologia nipo-poética (2023), menção-honrosa no 15º Prêmio Bunkyo de Literatura. Faz parte do Comitê Editorial do portal Discover Nikkei e é co-fundadora do Coletivo de Escritoras Asiáticas & Brasileiras.
a feira
5 da manhã, o caminhão precisa estar carregado,
feira começa antes.
cortar, picar, cozinhar, marinar, lavar panela,
fogão engordurado preto-noite.
solupan derrete gordura,
mas não tira o cansaço.
boné na cabeça, avental vermelho, cheiro gelado da manhã,
descarrega a barraca, metal, plástico, lona, caixa, engradado,
litros de óleo despejados no tacho brilham.
idosos chegam primeiro, lentos e famintos.
dentro da barraca você é só
mais uma feirante
sem nome.
meio-dia, que fila!
dinheiro, sacola, canudinho, saco de lixo, mesa suja.
meu pai suado, ainda bem que não choveu...
chuva é dia triste na feira!
boné e tênis ensopados, aguardando os clientes mais fiéis
sem feriado, sem descanso,
molho do yakissoba cai no avental.
a soma da conta feita de cabeça, óculos embaçados de gordura.
no fim do dia, me desculpe, mas isso já acabou, agora só na sexta-feira.
marmitas embaladas,
para nós, só o que sobra,
karaague frio, yakissoba sem carne.
lava panela, carrega caminhão, conta as notas do caixa:
MIL REAIS.
cinquenta para cada funcionário, mais um pote de restos.
no banho, água preta:
suor, gordura e caldo.
durmo e penso:
sexta-feira de manhã tem mais.
*Este poema foi publicado originalmente em amarela-manga: uma antologia nipo-poética (2023) e é propriedade do autor.
© 2023 Liana Nakamura