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Meu nome foi forjado entre feridas e esperança

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Takahide Daijó no seu escritório, Araçatuba, 1936.

Falar sobre o próprio nome pode parecer um desafio curioso, quase íntimo. Afinal, nosso nome é parte essencial de quem somos. O meu carrega uma história cheia de significado, que acredito merecer ser compartilhada.

Takahide Daijó, o “ditian” (avô) do autor, recém chegado ao Brasil em 1917. 

Tudo começou com o imigrante Takahide Daijó, meu querido “ditian”, que deixou Okinawa em 1917. Ele embarcou sozinho, pesando apenas 45 quilos e com 14 anos de idade. Não falava uma palavra de português e partiu para um país estranho com a coragem de quem sonha com um futuro melhor, ainda que incerto.

Como tantos outros, meu “ditian” sonhava em voltar ao Japão, rico, o mais rápido possível. No entanto, ele sabia que, para sobreviver, aprender o português era mais do que uma necessidade, era uma questão de honra e determinação. Autodidata, não apenas aprendeu a falar o idioma, mas dominou a leitura e a escrita com perfeição.

Mas não parou por aí. Fascinado pelo poder das palavras, ele se destacou como educador. Aos 30 anos, conquistou a habilitação para o ensino da língua japonesa e, em seguida, o título de Tradutor Público — um feito gigantesco para quem chegou com tão pouco, mas com uma vontade imensa de vencer.

O Método Prático da Língua Japonesa, livro escrito por Takahide Daijó e publicado no Brasil em 1936.

Em 1936, publicou algo inédito: o Método Prático da Língua Japonesa. Uma obra pioneira, que buscava construir pontes entre os dois mundos — o Japão e o Brasil — através da língua. Ele imprimiu e vendeu 10.000 exemplares. Para a época, isso era extraordinário, mas para mim, vai além: era o sinal claro do seu compromisso com a comunidade japonesa e sua paixão por ensinar.

Com esse talento especial para fazer a ponte entre culturas, ele abriu um escritório, atendendo às necessidades dos imigrantes japoneses da região de Araçatuba. Tudo parecia seguir um caminho promissor.

Mas então, veio a guerra. Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, e logo em seguida, o mundo mergulhou no caos da Segunda Guerra Mundial. O maior conflito armado da história, que envolveria mais de 100 países e tiraria 70 milhões de vidas, havia começado.

O Brasil, alinhando-se aos Aliados, começou a implementar duras medidas contra alemães, italianos e japoneses. A proibição do uso de línguas estrangeiras atingiu em cheio o meu “ditian”. O idioma japonês foi banido dos espaços públicos, das escolas, igrejas e associações culturais. O governo fechou muitas dessas instituições, de forma brutal, rompendo o elo cultural que tantos imigrantes lutavam para preservar.

Takahide Daijó participou na fundação da Associação Okinawa do Brasil. 

E então veio o golpe mais doloroso: as bombas atômicas que devastaram o Japão. O coração de meu “ditian”, que já sofria com a distância de sua terra natal, deve ter se quebrado ao ver seu país em ruínas.

Mas a história não termina com destruição. Após a guerra, o mundo se ergueu para reconstruir o que havia sido perdido. Dois planos se destacaram: o Plano Marshall, para a Europa, e o Plano Dodge, para o Japão. O mesmo presidente dos Estados Unidos que ordenou o lançamento das bombas, agora liderava os esforços para reconstruir o Japão. Para meu “ditian”, essa era uma ironia dolorosa, mas também uma necessidade compreensível. Ele via a mesma mão que causou a destruição agora estender-se para oferecer um caminho de esperança e reconstrução. O Plano Dodge, somado à força e resiliência do povo japonês, trouxe o Japão de volta à liderança global em poucas décadas.

E aqui começa a minha própria conexão com essa história. O Plano Marshall foi firmado em 3 de abril de 1948. Quatro dias depois, em 7 de abril de 1948, meu pai nasceu e recebeu o nome de Harry, em homenagem a Harry S. Truman, e eu herdei não só o nome do meu pai, mas também o de meu “ditian”, Takahide. Meu nome carrega o peso de duas gerações de homens extraordinários, e com isso, sou Harry Takahide Daijó.

Esta é a minha história. É mais do que um nome; é um legado, uma ponte entre mundos, sonhos, e a resiliência que define minha família.

 

© 2024 Harry Takahide Daijó

Os Favoritos da Comunidade Nima-kai

Todos os artigos enviados para esta série especial das Crônicas Nikkeis concorreram para o título de favorito da nossa comunidade. Agradecemos a todos que votaram!

32 Estrelas
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Sobre esta série

O que revela um nome nikkei? Nesta série, pedimos aos participantes que explorassem os significados e origens dos nomes nikkeis.

O Descubra Nikkei aceitou textos enviados entre junho e outubro de 2024. Recebemos 51 histórias (32 em inglês; 11 em português; 7 em espanhol; 3 em japonês) da Austrália, Brasil, Canadá, Cuba, Japão, México, Peru e Estados Unidos, sendo que uma história foi enviada em vários idiomas.

Pedimos ao nosso Comitê Editorial para selecionar as suas histórias favoritas. Os membros da nossa comunidade Nima-kai também votaram nas histórias que mais curtiram. Aqui estão as suas escolhidas!

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About the Author

Harry Takahide Daijó nasceu em Foz do Iguaçu, Paraná. É o segundo filho de Harry e Ligia Daijó. Casado há mais de 20 anos com Adriana Rodrigues Daijó, não teve filhos. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Bauru, iniciou sua carreira profissional junto ao Ministério Público do estado de São Paulo, na Comarca de Bauru/SP. É pós-graduado em Gestão Empresarial Estratégica (MBA Executivo) pela Universidade de São Paulo (USP) e em Gestão Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em História pela Uninter.

Autor dos artigos “A urgência da aprendizagem do idioma português para os imigrantes japoneses no Brasil dos anos 1940” e “Passagens da vida de Takahide Daijó correlacionadas com a obra ‘O imigrante japonês’ de Tomoo Handa”, ambos publicados no Caderno Intersaberes. Escreveu também o artigo “Trechos do diário do imigrante japonês Takahide Daijó relacionados à sua união com Rosa Kiguti”. Em 2015, em parceria com seu irmão, Hedryk Genson Daijó, publicou o livro: Um despertar: os bastidores de um transplante (Editora Eureka). Empresário, Harry é sócio-administrador, há 30 anos, da empresa Expoagro – Exportadora Agropecuária Ltda.

Atualizado em outubro de 2024

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