Ainda cursando o ensino fundamental, Paulo já havia decidido que estudaria Teologia logo que terminasse o ensino médio e depois trabalharia em missões.
Os pais dele não eram cristãos, mas por influência da avó paterna, ele teve uma educação centrada nos preceitos bíblicos.
Nas manhãs de domingo, levava 30 minutos de ônibus para chegar na casa da avó e, de lá, ia para a igreja na companhia da avó e duas primas. Havia o culto dos adultos e o culto das crianças separadamente, mas ao meio-dia todos se reuniam no refeitório, almoçavam e conversavam animadamente. Paulo, em especial, gostava muito de interagir com todo mundo.
A família morava na periferia de São Paulo, onde não havia muita segurança, porém, comprar uma casa mais próxima do centro estava difícil.
O pai de Paulo saía de carro todas as manhãs muito cedo para ir à gráfica que tinha próximo do centro de São Paulo. E ao ingressar na sonhada Faculdade de Teologia, Paulo saía cedo junto com seu pai.
Foi numa dessas manhãs que o carro deles foi seguido por uma dupla de moto e, ao virar a esquina na tentativa de esquivar-se, de repente, um outro homem apareceu apontando uma arma. Pai e filho desceram logo e, apesar de não esboçar reação, o pai levou um tiro no pé. O três roubaram o carro e fugiram.
O pai foi levado às pressas ao hospital, mas a perna dele não se recuperou totalmente. Por causa disto, a vida da família mudou drasticamente.
O resultado foi que o carro não foi localizado e, pensando na dificuldade do pai para se locomover, a família decidiu alugar um pequeno apartamento nas proximidades da gráfica.
A mãe passou a ajudar o marido trabalhando junto na gráfica e as duas irmãs de Paulo frequentavam a escola e faziam o serviço de casa.
Diante dessa situação, Paulo quis ajudar a família no que fosse possível e, logo que concluiu o primeiro ano da faculdade, tomou a decisão de ir trabalhar no Japão. A família foi contra:
- Mas, e os estudos?!
- Ser decasségui é dureza, hein?!
- Melhor desistir...
- A casa a gente compra um dia, não tem que se preocupar.
No domingo seguinte, como sempre Paulo foi à igreja e contou para a avó sobre a ida ao Japão.
- O meu avô, quer dizer o seu trisavô, quando estava estudando na Escola Bíblica de Sapporo, em Hokkaido, atendeu a um chamado de Deus e foi para o exterior. E por longos anos esteve envolvido no trabalho de evangelização daqueles povos. Paulo, se você orou na presença do Senhor e fez o seu pedido com gratidão e humildade, a vitória é certa! Pois todo aquele que pede com sinceridade recebe.
Estas palavras da avó foram decisivas: Paulo passou as festas de final de ano com a família e os amigos e logo depois partiu para o Japão.
Em Nagano as paisagens cobertas de neve eram magníficas! Ele se instalou na cidade de Omachi e começou a trabalhar numa fábrica de condutores eletrônicos. Um ano depois, estava perfeitamente adaptado ao trabalho e à nova vida.
Sua conversação em japonês estava progredindo, tanto que sua presença se tornou indispensável na comunidade nikkei da região. Quando um operário se desentendia com seus superiores, Paulo era procurado e lá ia ele intermediar a questão, resolvendo a contento. Quando um colega ou os familiares precisavam consultar o médico ou ter um atendimento na prefeitura, Paulo ia junto para servir como intérprete.
Todos os domingos, ele ia até uma igreja cristã em Isezaki e ajudava no que pudesse: durante o culto, traduzia as mensagens para os frequentadores brasileiros entenderem, ajudava na limpeza após a escola bíblica, participando assim da equipe de voluntários.
Certa vez, avistou uma criança escondida atrás do órgão e quando ia lhe falar, de repente, entrou no recinto uma jovem que pegou o garotinho pelo braço e saiu depressa.
Ele estava com cara de choro, mas se virou e acenou para Paulo.
A cena chamou-lhe a atenção, porém, foi a única vez que avistou o garotinho na igreja.
Mais um ano se passou e era chegada a hora de voltar ao Brasil. O objetivo de Paulo era retornar à Faculdade de Teologia, estudar mais três anos e se formar.
Claro que o melhor de tudo era reencontrar a sua família querida. No dia anterior, seu pai no telefone falou animadamente que iriam juntos comprar uma casa. E a sua irmã Karen em tom de mistério disse: “Venha logo que tenho uma grande notícia para te dar!”
As montanhas ao longe ainda estavam cobertas de neve. Paulo pediu a Deus para que pudesse voltar mais uma vez ao Japão e entrou no táxi rumo ao aeroporto.
© 2023 Laura Honda-Hasegawa