Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2023/3/20/batchan/

“Batchan” é a palavra da vez

A família de minha avó Londrina, 1944 (A partir da direita Batchan é a quarta pessoa, mamãe é a primeira)

“A obaachan da Laura mora bem longe daqui” – e me mostrando fotos, mamãe ia contando histórias sobre a minha avó. E quando eu estava com 12 anos de idade fui finalmente conhecê-la.

Era uma grande família: meu avô, minha avó, 4 tios solteiros, 2 primas que estavam aos cuidados da avó, um tio casado que morava com a esposa e 5 filhos na casa construída no mesmo terreno. Só os primos eram 7 no total.

Finalmente, depois de mais de 10 horas de viagem de São Paulo, chegamos mamãe e eu à casa. Na varanda, estava a minha avó que, ao me ver, veio correndo e me abraçou fortemente. E com lágrimas nos olhos disse o meu nome: “Laura!!!”

Não pude conter a ansiedade, a emoção e a surpresa do momento e gritei: “Obaachan!”

Imediatamente, todos os primos reunidos ali começaram a rir alto. Os adultos, então, mandaram todo mundo ir dormir porque era tarde da noite e assim eles foram para dentro.

No dia seguinte, os primos estavam sentados em volta da mesa e chamavam Batchan pra cá, Batchan pra lá. Dizendo que queriam mais pão, que não gostavam de leite. E ao ouvir todas aquelas vozes, pude entender por que tinham rido de mim na noite anterior.

Ao relembrar este episódio acontecido 60 anos atrás, chego à conclusão de que os nikkeis da época usavam “batchan” apenas no âmbito familiar. Lembro que até algum tempo atrás, as únicas palavras japonesas que os não descendentes sabiam eram arigato e sayonara, que alguns pronunciavam imitando japonês, por pilhéria.

À medida, porém, que a sociedade brasileira foi reconhecendo a presença e as atividades de japoneses e descendentes, as palavras japonesas foram ficando conhecidas e hoje a maioria dos não nikkeis até usa algumas palavras japonesas com naturalidade.

Dentre essas eu destaco a palavra “batchan”. Se fizessem um ranking de palavras preferidas, essa certamente ficaria em primeiro lugar. Mesmo os nikkeis de quarta ou quinta geração que não sabem japonês, essa eles conhecem e usam-na na conversação.

Não apenas as crianças, mas os adultos também chamam a avó por “Batchan”. O interessante é que além do uso como vocativo, a palavra é um substantivo em expressões como: a minha “batchan”.

“Batchan” é também usado para expressar familiaridade, simpatia. Outro dia, o caixa do supermercado, um jovem parecido com o Brad Pitt, ao me entregar a sacola com as compras disse: “Obrigado, Batchan”. Um cumprimento que me emocionou.

Por outro lado, quando eu estava espremida escolhendo legumes numa banca de feira lotada, uma senhora nikkei – idosa como eu – bateu no meu ombro dizendo “Batchan” e tentou entrar numa brecha para ter acesso aos produtos. Nessa hora, confesso, senti um mal-estar indescritível.

Estamos na era da velocidade em que as coisas mudam e se transformam rapidamente e a palavra “batchan” não escapou, pois ela foi abreviada.

Rafinha, o primeiro neto de uma grande amiga, adora a Bá e quando a Bá vai visitá-lo é uma alegria que só vendo: “A Bá chegou!”.

Esta nova palavra – Bá – é a expressão máxima de carinho e fofura, não acham?

Rafinha, o primeiro neto da amiga Amélia

 

© 2023 Laura Honda-Hasegawa

Brasil língua japonesa línguas Língua portuguesa vocabulário
Sobre esta série

Quando criança, eu falava misturando o japonês e o português. Entrando na escola fundamental, fui aprendendo naturalmente a distinguir o que era uma língua e outra e, escrever em português se tornou uma atividade prazerosa. Hoje, 60 anos passados, escrever tanto em português como em japonês é a maior das minhas alegrias. Através desta série, espero poder contar histórias sobre os mais variados temas. Que isto possa chegar até vocês, como se fosse o meu cumprimento de uma refrescante manhã. 

OHAYO Bom dia (Série 1) >> 

Mais informações
About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações