Eu cresci num ambiente nipo-brasileiro, na qual o meu pai é issei e minha mãe é nissei, contudo, morar no Brasil tendo uma família que possui costumes japoneses ou você terá uma crise de identidade por não se encaixar em nenhum lugar ou, terá o melhor dos dois mundos. No meu caso, só vejo vantagens nessa diversidade cultural, principalmente no que se refere à comida.
Para quem não conhece a gastronomia japonesa, não sabe o que está perdendo. Assim como quem não conhece a culinária brasileira. O Brasil é um país geograficamente grande, então há muita diversidade, em relação a temperos, vegetais e frutas. Logo, os sabores também são ricos e variados.
O feijão, no Brasil, é um prato que não pode faltar na casa do autêntico brasileiro, geralmente, acrescenta-se a cebola e alho para temperar. A minha mãe faz feijão com algas, misturando um ingrediente muito importante do Brasil e o outro do Japão. Além dessa combinação ser muito saborosa, também é saudável.
Por falar em alimentos saudáveis, os japoneses possuem vários alimentos benéficos à saúde. O chá verde, por exemplo, não ficou restrito apenas para os nikkeis, é muito popular no Brasil, sendo recomendado por profissionais da saúde pelos seus benefícios.
Os japoneses contribuíram muito para a agricultura brasileira, trazendo legumes como: a abóbora kabochá que é um híbrido da abóbora moranga; o nigagori que tem pessoas que chamam de jiló japonês ou melão-amargo; o pepino japonês; o umeboshi e o wasabi que agora começou a ser cultivado e vendido fresco no Brasil. Além disso, os imigrantes japoneses também trouxeram frutas como: o caqui, a laranja ponkan, a maçã fuji, a pera-nashi, entre outras.
Já o Brasil possui como comidas mais populares: a feijoada, o churrasco, a coxinha, o brigadeiro, o pastel, entre outros. Inclusive, eleito várias vezes como o melhor pastel de São Paulo é feito por uma japonesa nascida em Osaka chamada Kuniko Yohana, mas no Brasil é conhecida como Maria, que diz ser a massa o segredo do sucesso de seus pastéis.
Percebo que uma cultura não entra em contato com a outra sem causar impactos. E quando mistura o Brasil com o Japão, o resultado da influência da culinária japonesa no Brasil pode ser observado nas versões de sushis inusitados com manga, sushi com carambola, temaki frito, sushi com pimenta biquinho, sashimi de tilápia, harumaki de goiabada e até sushi com Nutella.
Há variações abrasileiradas da comida japonesa um tanto quanto peculiar. É a cozinha nipônica se moldando para se ajustar ao paladar dos brasileiros. Existem algumas misturas surpreendentemente boas, como o sushi com alho poró e cream cheese, mas também existem algumas versões bizarras, como o sushi com morango e Nutella.Particularmente não gosto de sushi com fruta, requeijão ou com doce de leite que são ingredientes caracteristicamente brasileiros.
Acredito que para o paladar brasileiro, a gastronomia japonesa é insossa, não há temperos fortes. Para tanto, incrementa-se com opções que dão mais sabor e que se contrastam entre si. Segundo Soares e Gaudioso (2013), o molho shoyu fabricado no Brasil é mais forte, sendo um produto mais salgado e o shoyu japonês é mais leve e suave. Isso se dá principalmente pelo uso de diferentes ingredientes.
No Brasil, um alimento que se popularizou, principalmente pelo anime Naruto é o dangō. Outro alimento que se destacou recentemente, no Brasil, é o Bentō Cake nas confeitarias que é um minibolo que vem dentro de uma marmita e apresenta mensagens bem-humoradas.
O Bentō Cake pode não ser uma invenção japonesa, mas o bentō é muito comum e tradicional para as famílias nikkeis, sendo expostos em doramas, animes e mangas. A minha família, por exemplo, sempre leva obentō quando viaja de carro. Virou uma tradição que quando se viaja e não leva obentō tem-se a impressão que não se saiu do lugar.
Hoje os bentōsde alumínio já estão em desuso, os modelos atuais são térmicos para se manter a temperatura por mais tempo. Mas, ainda temos alguns bentōsda Bachan que ainda guardamos de recordação. Esse é outro aspecto bem japonês de guardar coisas que não se usam, mas isso deixaremos para outro artigo.
Referências:
SOARES, André Luis Ramos; GAUDIOSO, Tomoko Kimura. “Entre o sushi e o churrasco: gastronomia, culinária e identidade étnica entre imigrantes japoneses.” Habitus. Goiânia, v. 11, n.1, p. 77-94, jan./jun. 2013.
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O nosso Comitê Editorial selecionou este artigo como uma das suas histórias favoritas da série Itadakimasu 3! A Comida, Família e Comunidade Nikkei em português. Segue comentário.
Comentário de Telma Shiraishi
Adorei o relato da Meiry, falando sobre suas memórias—tanto de comidas quanto de hábitos que foram herdados de sua família.
O que se destaca é a fusão de receitas e ingredientes, criando novos sabores e que nos dão uma boa visão da história e do núcleo familiar em torno desse eixo. Minha parte preferida é quando ela fala do feijão tipicamente brasileiro que leva algas japonesas na receita. Eu mesma testarei essa combinação a próxima vez que cozinhar feijão em casa.
Além de referências a influências da cultura pop que ajudam a aumentar o interesse pelos pratos japoneses, ela passeia pelas combinações inusitadas que o sushi brasileiro assume, com muito estilo livre na reinterpretação das receitas que atravessaram o mundo. Meiry passeia também pela diversidade de ingredientes brasileiros, muitos dos quais cultivados pelos japoneses nessas terras, os quais possibilitam tanta variedade de novas combinações.
A memória mais afetiva envolve os bentôs—sabor de viagem e de lembranças da batian, materializadas nas caixinhas de metal.
Sabor de família e de uma identidade única, forjada entre dois mundos.
© 2022 Meiry Mayumi Onohara
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