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Foujita Descobre as Américas: O Tour de um Artista - Parte 1

Léonard Foujita. Foto por Jean Agélou. (Wikipedia)

O nome Léonard Foujita (também conhecido como Tsuguharu Foujita) perdeu muito do seu brilho nos dias de hoje. No entanto, durante o seu apogeu na Paris dos anos 1920, Foujita não apenas era o artista japonês mais famoso do mundo, mas (ao lado do astro de Hollywood Sessue Hayakawa) ele provavelmente também era o mais famoso indivíduo de ascendência japonesa.

Nascido Tsuguharu Fujita no Japão em 1886, filho de um general japonês, em 1913 ele partiu do Japão para tentar a sorte como pintor em Paris (onde mudou a grafia do seu nome para “Foujita” e na maioria das vezes era conhecido apenas pelo sobrenome).

Apesar da sua primeira exposição ter abrangido uma fascinante variedade de temas, incluindo pinturas com fundos semelhantes a folhas de ouro e que misturavam iconografias medievais cristãs e japonesas, ele logo passou a se dedicar ao seu tema mais popular: desenhos de etéreos nus parisienses e gatos lânguidos. No espaço de alguns anos, ele se tornou um dos preeminentes representantes do grupo de pintores modernistas conhecidos coletivamente como a “Escola de Paris”.

O estilo particular de Foujita misturava elementos das técnicas de pintura a óleo ocidentais com os refinados traços e cores das xilogravuras japonesas, como também com a pintura japonesa sumi-ê [pincéis, tinta estilo nanquim]. Foujita criou uma tinta branca opalescente especial que ele chamou de grand fond blanc, a qual, quando sobreposta pelos seus desenhos de linhas negras perfeitamente executadas, proporcionava um efeito que encantava tanto o público boêmio quanto o burguês. Ainda assim, ele também pegou considerável fama pela sua aparência extravagante, com o seu corte de cabelo estilo tigela (meio século antes dos Beatles), óculos enormes, bigode minúsculo e trajes exuberantes, muitos dos quais ele havia desenhado para si mesmo.

Após dezesseis anos na Europa, Foujita iniciou um período de viagens internacionais que começou com o seu primeiro retorno ao Japão, de 1929 a 1931. Sua volta triunfante ao Japão, acompanhado pela terceira esposa, Youki, resultou em muitos comentários de admiração. O renomado romancista Kawabata Yasunari, por exemplo, fez questão de mencionar Foujita na sua própria obra-prima literária modernista A Gangue Escarlate de Asakusa (1929-30). No livro, Kawabata registra a presença de Foujita no Casino Follies em Asakusa, observando: “Recém-chegado de Paris, o talentoso pintor Foujita Tsuguharu veio assistir o show, acompanhado pela sua esposa parisiense Youki.”

Depois da sua estada no Japão, Foujita foi para os Estados Unidos, onde realizou uma série de exposições em galerias de arte. Em novembro de 1930, Foujita chegou em Nova York, onde montou uma exposição nas Galerias Reinhardt. Ele permaneceu 10 semanas em Nova York. Entre as suas diversas interações com outros artistas durante a sua estada, ele conheceu Yasuo Kuniyoshi, o famoso modernista americano nascido no Japão. Em janeiro de 1931, ele se mudou para Chicago para fazer uma exposição no Arts Club of Chicago.

Ao retornar a Paris em março de 1931, Foujita descobriu que Youki estava envolvida romanticamente com um amigo seu, o poeta surrealista Robert Desnos, e a deixou com ele. (Os dois se casariam mais tarde.) Por sua vez, Foujita decidiu fazer uma jornada pela América Latina. Ironicamente, a entusiasmada visita de Desnos a Cuba foi o que, pelo menos em parte, parece ter estimulado Foujita a viajar pela América Latina. Foujita também teve vontade de deixar a França após receber uma pesada cobrança de imposto das autoridades francesas pelas grandes somas de dinheiro que ele havia ganho no decorrer dos anos 1920. Foujita fez a viagem acompanhado por um novo par romântico, Madeleine Lequeux, mais conhecida como Mady Dormans, e dançarina no Casino de Paris.

Retrato de Foujita por Ismael Nery. (Wikipedia)

A primeira parada de Foujita e Mady foi o Brasil. Eles chegaram no Rio de Janeiro para uma estada de quatro meses, convenientemente programada para incluir os dois principais feriados anuais do Réveillon e Carnaval. Como um representante da Escola de Paris, Foujita foi recebido calorosamente pela comunidade modernista brasileira. O pintor Cândido Portinari, que Foujita havia conhecido em Paris, foi seu anfitrião e o apresentou a artistas como Emiliano Di Cavalcanti e Ismael Nery, e ao escritor Manuel Bandeiras. Suas interações resultaram não apenas em caricaturas brincalhonas e expressões de afeição mútua, mas também em trocas de técnicas da avant-garde, incluindo a mais honrosa homenagem entre pintores: a imitação do estilo uns dos outros. A aquarela de Nery – retratando Foujita e Mady elegantemente vestidos enquanto recebem visitantes a uma exposição do pintor – se destaca como um dos registros mais requintados deste breve, mas intenso encontro.

O poeta, musicólogo e crítico modernista brasileiro Mário de Andrade avaliou a obra de Foujita e o elogiou profundamente numa crítica publicada na edição de 20 de janeiro de 1932 do Díario Nacional, na qual afirmou que “Fujita [sic] representa um desses casos raríssimos, fora das artes intelectuais da palavra, de um artista de raça e essência não-europeia que consegue se tornar importante dentro da concepção europeia de arte” (Circulo, 49).

Andrade identificou o que julgava ser o tema central da obra de Foujita: não a incapacidade de reproduzir fielmente a essência da arte europeia, mas de “traí-la” propositalmente. Ele argumentou que Foujita era indiferente à fusão da arte japonesa e europeia, ao contrário do que outros em geral acreditavam. Ao invés, ele era um artista cuja obra era caracterizada pelo seu “extremo silêncio, digamos plasticamente: o profundo vazio dos seus quadros e desenhos. As linhas nítidas, as grandes superfícies lisas, a verdadeira sintética na representação do tema, a relativa frieza ou placidez da expressão. Tudo, enfim, elementos que me levam a sentir na arte dele o estado de espanto” (51).

Foujita aproveitou o seu tempo para pintar. Apesar de ele ter continuado a produzir obras costumeiras nos seus retratos de rostos, as viagens de Foujita pela América do Sul resultaram num afastamento significativo do seu estilo característico. Não pela primeira vez (ou pela última) ele se envolveria em polêmica, passando então a dedicar o seu trabalho a uma paleta mais variada de tons de pele e classes sociais. Previsivelmente, Foujita se viu atraído pelo espetáculo das festividades pré-Quaresma em Carnaval no Rio de Janeiro e À la porte au Carnaval, e por cenas do bairro da luz vermelha, como a sua pintura de quatro mulheres parcialmente vestidas, vistas de dentro da janela de um bordel, e intitulada simplesmente de Mangue, como referência ao bairro.

Foujita também capturou a vibrante vida das ruas do Rio, num marcante afastamento dos temas modernos que haviam tornado os seus trabalhos tão cobiçados pela alta sociedade francófila. Em Deux gamins nègres (“Dois jovens negros”), os rapazes, com olhar de tédio frustrado, veem algo além do plano da pintura. Em Gente do Rio de Janeiro, cinco figuras femininas negras formam uma composição unificada. Duas garotinhas descalças estão no primeiro plano ao lado de uma jovem mãe sentada com uma expressão melancólica e remexendo as mãos nervosamente. Duas outras jovens estão de pé, eretas como uma vareta e com as mãos nos quadris, uma de costas e a outra com o rosto sério voltado para a esquerda. Apenas a garotinha no centro da composição olha diretamente para o pintor, com o rosto levemente inclinado e curioso enquanto ele as desenha.

Assim teve início um novo período de experimentação com desenhos etnográficos, frequentemente criados sobre um fundo bege neutro. Seu uso impecável de linhas e sombreamento permanece vigoroso, mas agora a sua atenção a intrincados tecidos e texturas é voltada para a representação de trajes indígenas típicos, em vez de cortinas de brocado e roupas de cama do boudoir parisiense. Foujita buscou entusiasticamente esse novo enfoque ao longo das suas viagens pela América do Sul, o qual continuou bem depois do seu retorno ao Japão em 1933. Algumas dessas obras posteriores incluíram temas “exóticos” como um músico de rua carnavalesco em Músico de Chindon e Empregada Doméstica (1934) e uma mulher idosa tatuada de Okinawa com os seus dois netos (1938) sobrepostos a um suntuoso fundo tropical.

Um tanto surpreendentemente, Foujita parece ter passado largamente despercebido pela imprensa nipo-brasileira durante a sua estada no Brasil. A maioria esmagadora da comunidade nipo-brasileira estava concentrada nas plantações de café e colônias agrícolas no interior do Estado de São Paulo. Ainda era uma comunidade jovem, contando com cerca de nada menos que cem mil pessoas e crescendo a um passo frenético no começo dos anos 1930. Mais de 60 por cento desse número havia chegado apenas nos cinco anos anteriores.

Não ajudou o fato de Foujita ter passado a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, chegando tardiamente em São Paulo só em janeiro. Foujita não gostou tanto da metrópole cinzenta e comercial de São Paulo quanto do encantador e consideravelmente mais ensolarado Rio de Janeiro. Numa carta para Portinari, ele reclamou: “aqui faz frio e chove.” E acrescentou: “nós gostamos muito da nossa estada no Rio”. O fato é que a turbulência da Grande Depressão, o Incidente da Manchúria ocorrido em 18 de setembro de 1931, e a situação política mais ampla no Japão e no Brasil eram o que dominavam as manchetes da imprensa nipo-brasileira. Nos cinco jornais nipo-brasileiros, a única menção à visita de Foujita foi feita na seção suplementar em português do Nippak Shinbun de 1º de janeiro de 1932. Ele é exaltado como “um dos ídolos de Montmartre e da Broadway, admirado em todas os cidades de cultura do mundo.”

Apesar da falta de publicidade durante a sua visita, Foujita esteve em contato com membros da comunidade. Ele se encontrou com os jovens artistas isseis Tomoo Handa e Yoshiya Takaoka, que co-fundariam o Grupo Seibi de artistas modernistas nikkeis em 1935, ao lado de Walter Shigeto Tanaka, Kiyoji Tomioka, Yuji Tamaki, Hajime Higaki, Kichizaemon Takahashi, como também os escritores Kikuo Furuno e Yoshimi Kimura. A influência de Foujita não acabou ali. Em 1935, o romancista Orígenes Lessa escreveu um conto sobre um infortunado jovem artista issei que por pouco tempo se tornou “o Foujita brasileiro, o Foujita nacional”. Como resultado dos contatos que fez na sua visita a São Paulo, Foujita receberia vários artistas nisseis promissores, como Jorge Mori, na Paris do pós-guerra.

Depois de partir do Brasil, Foujita passou os cinco meses seguintes na Argentina, onde foi recebido com uma fanfarra quase inacreditável. De acordo com os seus múltiplos relatos, sessenta mil visitantes compareceram à sua exposição e dez mil admiradores fizeram fila para receber o seu autógrafo. Não é surpresa ele ter vendido todas as suas obras expostas e ter sido diretamente encomendado para criar retratos de membros da alta sociedade, como o de Carola Cárcano de Martínez de Hoz.

Desenho de Foujita de um cavalo encontrado na publicação El Argentin Djijo em maio de 1932.

Suas interações com a bem menor imprensa de língua japonesa em Buenos Aires também foram melhores do que a sua experiência no Brasil. Ele desenhou e assinou a ilustração de um cavalo, um tema popular gaúcho, para a capa de maio de 1932 do jornal Aruzenchin Jihô de Buenos Aires (ou El Argentin Djijo, como era então escrito em espanhol), e escreveu um pequeno artigo com a sua própria mão parabenizando a Argentina em comemoração ao dia da sua independência. Ao contrário dos mais bem estabelecidos jornais japoneses publicados no Brasil e nos Estados Unidos, o Aruzenchin Jihô ainda era mimeografado naquela época.

Depois de visitar algumas cidades na Argentina, Foujita prosseguiu no seu caminho, passando pela Bolívia e Peru. Em Paris in Japan, a historiadora da arte Emiko Yamanashi cita o diário de viagem de Foujita, Nadando em Terra (Chi o oyogu, 1942), numa seção intitulada “Observações Sobre a América do Sul”:

“Durante os meus longos anos vivendo no exterior, posso até dizer que dentre as experiências únicas de toda a minha vida, se alguém me perguntasse de que lago eu mais gostei, eu diria mais do que qualquer outro que já vi que adoro o lago Titicaca na fronteira entre o Peru e a Bolívia, na América do Sul.”

Esse é um exemplo bastante típico das declarações públicas de Foujita, nas quais ele nunca se sentia inclinado a divulgar os seus sentimentos pessoais. No entanto, obras como Lhama e Quatro Mulheres (1933), considerada decepcionante por alguns dos seus críticos japoneses e latino-americanos, revelam o desejo de capturar cenas que serviam como um contraste marcante com os espetáculos da vida moderna que o seu público havia se acostumado a esperar.

Foujita e Mady chegaram em Cuba em 28 de outubro de 1932, a sua única escala no Caribe, antes de seguirem para o México. Relativamente pouco foi documentado sobre a viagem, apesar de ainda não estar claro se isso foi resultado do desejo do artista de manter os consideráveis encantos de Havana para si mesmo ou de outras circunstâncias atenuantes. De acordo com a biógrafa Phyllis Birnbaum, as aventuras boêmias de costume de Foujita e Mady causaram um certo número de problemas: “Uma jornalista cubana observou que a visita criou mais confusão do que um policial de trânsito vesgo'” (Glory in a Line, 168-169).

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© 2021 Greg Robinson & Seth Jacobowitz

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About the Authors

Greg Robinson, um nova-iorquino nativo, é professor de História na l'Université du Québec à Montréal, uma instituição de língua francesa em Montreal, no Canadá. Ele é autor dos livros By Order of the President: FDR and the Internment of Japanese Americans (Harvard University Press, 2001), A Tragedy of Democracy; Japanese Confinement in North America (Columbia University Press, 2009), After Camp: Portraits in Postwar Japanese Life and Politics (University of California Press, 2012) e Pacific Citizens: Larry and Guyo Tajiri and Japanese American Journalism in the World War II Era (University of Illinois Press, 2012), The Great Unknown: Japanese American Sketches (University Press of Colorado, 2016) e coeditor da antologia Miné Okubo: Following Her Own Road (University of Washington Press, 2008). Robinson também é co-editor de John Okada - The Life & Rediscovered Work of the Author of No-No Boy (University of Washington Press, 2018). Seu livro mais recente é uma antologia de suas colunas, The Unsung Great: Portraits of Extraordinary Japanese Americans (University of Washington Press, 2020). Ele pode ser contatado no e-mail robinson.greg@uqam.ca.

Atualizado em julho de 2021


Seth Jacobowitz é Diretor Residente Interino do Consórcio de Kyoto para Estudos Japoneses. Ele é autor de Writing Technology in Meiji Japan: A Media History of Modern Japanese Literature and Visual Culture (Harvard Asia Center, 2015) e traduziu para o inglês Corações Sujos: A História da Shindo Renmei, de Fernando Morais (Palgrave Macmillan, 2022). Atualmente, está trabalhando em seu próximo livro, Japanese Brazil: Immigrant Literature and Overseas Expansion, 1908-1945.

Atualizado em outubro de 2021

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