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Pequenos negócios nikkeis enfrentam desafios na pandemia do coronavírus

São Paulo, capital. Centro econômico que reúne diversos estabelecimentos locais administrados por empreendedores nipo-brasileiros. Semelhanças e peculiaridades transparecem nos impactos decorrentes do surto de COVID-19 provocado pelo coronavírus. Como exemplo, quatro idealizadores de negócios compartilham suas experiências nesse cenário.

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Família unida

“A pandemia fez com que nós nos uníssemos para trabalhar em família”, conta Cristiane Haruyama Sampei, idealizadora da confeitaria Na-Na-Ya Pâtisserie, na Vila Mariana. O marido a está ajudando em tempo integral, pois o segmento de Turismo – em que atuava – parou de modo geral. “Pensei em aguardar o período de quarentena para evitar expor a equipe ao perigo da doença... Mas decidi seguir”. “Sou persistente e sempre tento ver no momento de dificuldade um momento de crescimento”, afirma.

Persistente, a 'pâtissière' Cristiane Sampei teve importante apoio do marido, dos clientes e dos parceiros (foto: divulgação/Na-Na-Ya Pâtisserie)

Começaram a pensar em como operar por delivery, visto que o consumo local tinha sido proibido como medida preventiva. “Fazíamos a produção [dos doces] pela noite e durante o dia atendíamos os pedidos. Em dois dias já tínhamos vários e pudemos chamar duas pessoas da equipe de volta”, explica e comemora.

Porém, faltava reincluir outros dois colaboradores e Cris teve a ideia, então, de oferecer comidas também. “Como imaginei que quem está em casa deveria ter o arroz e a salada, resolvi fazer misturas que poderiam ser vendidas por quilo (kare, tonkatsu, karaage, etc). E deu certo”.

Com parte da equipe no grupo de risco, “o desafio foi maior”. “Tivemos de montar uma produção na casa de uma das confeiteiras e pedir para que nosso cozinheiro viesse de condução particular”, diz.

“Não foi fácil”, confessa a microempresária. “Passei algumas noites em claro para elaborar as receitas de forma que a equipe pudesse produzir”, completa.

Desafios e mudanças

Ideias que surgiam eram colocadas em prática para descobrir o que poderia ser bom para eles e para os clientes. E justifica: “são muitas coisas para definir e comprar, desde embalagens até a entrega, além do treinamento da equipe para uma nova operação”.

No começo, enquanto o marido ficava responsável por receber os pedidos pelo WhatsApp, Cris cuidava da produção. “Depois de dois meses, contratamos uma ferramenta que possibilita o agendamento de entregas. Assim, a operação ficou mais estável e pude voltar a fazer o trabalho mais estratégico”, relata. E, nesse nível de atuação, a tarefa que mais exige planejamento e criatividade é encontrar maneiras de manter o volume de vendas, pois “nunca um dia é igual ao outro”. Apesar disso, fazem parte da rotina o desenvolvimento de novos produtos e o treinamento da equipe.

A inconstância é a principal característica dessa situação atípica por qual se está passando. Portanto, “a adaptação ao momento de crise precisa ser rápida. Se der certo, tudo bem, mas, se não deu, precisamos buscar outra solução”. “Desistir seria ignorar todos os esforços realizados até agora”, destaca a empreendedora.

Apoio da e à comunidade nikkei 

Em períodos como esse, receber apoio é – muitas vezes – crucial. “Graças ao público [90% nikkei] e aos parceiros pudemos continuar”, conta. “Foram mais de 800 clientes novos durante a pandemia”, revela, em tom de agradecimento. Aliás, os amigos têm um papel importante. “A Niko Niko Mart, loja de conveniência, que já era cliente, prontamente nos ofereceu ajuda na divulgação. O izakaya Omoide Sakaba tem vendido nossas sobremesas também”.

A Na-Na-Ya participa da maioria dos eventos da comunidade nipo-brasileira há cerca de quatro anos. “Trabalhamos em parceria com o Ikoi-no-Sono em diversos eventos, como o Show da Imigração e a Paella Solidária. Com a quarentena, para a manutenção das entidades e também para a da nossa empresa, pensamos em uma forma de continuar a auxiliá-los movimentando nossas vendas, como se estivéssemos participando de um evento normal. Assim surgiu o Festival de Choux Cream em prol do Ikoi e Kodomo-no-Sono”. E, de acordo com Cristiane, a parceria funcionou bem. “Em uma semana foram vendidos mais de 1.700 choux cream, o que possibilitou uma boa doação para ambas as entidades”, finaliza.

Doce legado

Os laços da empresária com a cultura japonesa estreitaram-se quando percebeu que a área da Ciência da Computação não era o caminho e que queria se dedicar à confeitaria. Tamanha era a determinação que logo realizou o grande sonho: conseguir uma bolsa de estudos no ramo. “Através da JICA (Japan International Cooperation Agency - Agência de Cooperação Internacional do Japãotive a oportunidade de fazer um curso de wagashi [doces tradicionais japoneses], que tem como objetivo a revitalização da comunidade nikkei”.

E o resultado dessa experiência? O fortalecimento da missão pessoal de valorizar a persistência dos imigrantes. “Através da Na-Na-Ya gostaria de divulgar a cultura dos doces japoneses. É uma forma de manter vivas as raízes da comunidade nipo-brasileira”, declara.

Protagonismo

Rafael Ishii, responsável pela área Digital da loja de bolos e salgados criada pelos pais, tomou a frente para ajudar os estabelecimentos vizinhos (foto: Kaeru Foods/Instagram)

“Por sorte”, não surgiram grandes dificuldades para o Kaeru Foods, uma empresa familiar no bairro Paraíso que, além dos conhecidos bolos, produz salgados e pratos rápidos. “A gente só fechou a loja física”, diz Rafael Ishii, filho de Masao e Ana, fundadores do negócio. Seus pais ficaram em casa por estarem no grupo de risco, porque são idosos. “Aí fiquei aqui tocando a loja”, complementa o sansei de 35 anos.

Como já trabalhavam com os aplicativos de entrega de comida, a comunicação feita no Instagram do Kaeru passou a focar exatamente o delivery e a retirada no local. Ainda segundo Ishii, responsável pelas áreas de Marketing e Gestão Digital, o destaque do cardápio foi para os mini salgados.

A demanda caiu com a circulação restrita de pessoas. “Tivemos uma redução de custo natural provocada pela quarentena, por conta das geladeiras e da vitrine que deixaram de ser usadas, e diminuição de mais de 50% da produção diária”. Desta maneira, os três funcionários que compunham a equipe trabalharam em um esquema de rodízio até quando um deles decidiu pedir demissão. Enquanto um passava 15 dias em casa, os outros se dividiam nos turnos da manhã até o início da noite e da tarde até o encerramento do atendimento. Depois, um dos dois entrava de folga pelo mesmo período e assim seguiam com o revezamento.

Mobilização e união

Ocorreu uma humanização e houve aqueles que se sensibilizaram pelo próximo. Exemplo de iniciativa é a campanha no Instagram que alunos do Colégio Bandeirantes promoveram para ajudar os estabelecimentos da região, E se todos fecharem?. Para Rafael significa uma movimentação “bem legal”, inclusive de pais. “Recebemos algumas doações, tanto de clientes quanto de pessoas que não eram clientes e se mobilizaram pela campanha em si. A gente ficou extremamente feliz com a vontade deles de ajudar nosso negócio”, conta.

Fazer o bem permite que deixemos as diferenças de lado e simpatizemos com as adversidades alheias, mas que poderiam ser nossas. Como consequência, o sentimento que prevalece é o de união. “Passei a conhecer muito melhor nossos vizinhos, por me preocupar com eles”, afirma o empreendedor. “Hoje, graças a Deus, a gente não paga aluguel, porque o imóvel é próprio. Mas sei que todo o resto paga e, sabendo que o movimento aqui está bem fraco, tive essa vontade de querer ajudar”, explica. O meio que encontrou de apoiá-los foi pela divulgação no Instagram. Entre eles estão os sócios da Niko Niko Mart, com quem firmou parceria para vender porções congeladas do mini kare pan.

Reaproximação da comunidade

Ainda que o público frequentador e consumidor do Kaeru se resumisse aos nikkeis, diversificou-se na medida em que o menu se tornou mais variado. No entanto, o sucessor do negócio familiar já adianta que possui a intenção de se reaproximar da comunidade de nipo-descendentes. “Com o passar do tempo, meus pais, como são mais de idade, nunca tiveram a iniciativa, a capacidade, a afinidade de conseguir divulgar melhor o produto deles”. Isso porque, em sua opinião, oferecem itens com que os orientais se identificam e têm a qualidade esperada por eles. “Geralmente o nikkei e o nihonjin são mais exigentes nesta questão de paladar”, justifica. Em outras palavras, são “mais rigorosos e críticos na avaliação”.

Inclusive, entre os clientes estão japoneses que vêm ao Brasil para trabalhar e trazem a família. Não só os bolos – que “sempre fizeram sucesso” –, como também o karepan, o choux cream e a bomba de chocolate integram a lista de favoritos dessa freguesia.

Conveniência online

Os sócios da loja de produtos orientais Niko Niko Mart tiveram de se adaptar à demanda do novo perfil de consumidor (foto: Niko Niko Mart/Instagram)

Naomi Sato, proprietária da loja de conveniência Niko Niko Mart, também considera ter tido sorte, pois o projeto do site para a operação de delivery já estava em andamento antes do decreto de quarentena. Aqui, o “desafio foi o de adequar nossa loja ao novo perfil de consumidores online”. “Como nosso público era composto por jovens estudantes que consumiam obentôs, bebidas, doces e sorvetes, tivemos de investir bastante no estoque da loja para poder atender os clientes – na maioria adultos e idosos que procuravam produtos e alimentos para cozinhar em casa”, conta.

“Sempre tive muito contato com a comunidade nikkei, pois desde criança participei ativamente dos karaokês taikai [“campeonato”] de São Paulo. Fui bolsista pela província de Hiroshima em 99, e fiz parte da ABEUNI [Aliança Beneficente Universitária de São Paulo] e da ASEBEX [Associação Brasileira de Ex-bolsistas no Japão]”. Minha filha chegou a frequentar alguns anos o Grupo Escoteiro Hongwanji”, detalha Naomi. Assim, a microempresária afirma que – nessa quarentena – obteve apoio da comunidade nipo-brasileira, pois a loja foi divulgada entre os grupos escoteiros Caramuru e Hongwanji.

Produtos que significam tradição

A empreendedora acredita que a Niko Niko vai além do delivery de produtos orientais. “Entregamos um pouco da tradição, dos costumes e do que foi passado de geração para geração no quesito ‘culinária’. O que você comeu quando criança, o tempero que a sua obá usava”. E acrescenta: “vejo isso acontecendo quando clientes mais jovens compram um mirim, um tofu ou dashi kombu”. Logo, de algum modo, Naomi sente que contribui para manter essa cultura dentro das famílias nikkeis.

Quebra de paradigmas

O estilista Rafael Shimabukuro (topo da foto, à direita) acredita que por meio de sua própria marca pode fazer a diferença na sociedade (foto: divulgação/Bastille)

O trabalho remoto foi a solução adotada pela maioria das empresas, como foi o caso de Rafael Shimabukuro, 34 anos, estilista e criador da marca de vestuário Bastille. “Prezando pela saúde” dos colaboradores, os setores financeiro e de RH passaram a fazer home office. “Também implantamos o esquema de delivery de bags para que os clientes pudessem conhecer a nova coleção que havia sido recém-lançada”, diz. Já na parte de desenvolvimento e de costura os contratos foram pausados. “As adaptações foram desde a estrutura, em que o estoque foi todo concentrado em um único local, até a abordagem com o cliente para oferecer esse novo serviço e a ativação da loja online”.

Provador em casa

O projeto de fashion delivery surgiu “um tempo atrás em uma das lojas onde todo o seu entorno era basicamente prédios residenciais” e precisou ser iniciado imediatamente devido ao fechamento do comércio. “Em sistema de rodízio da equipe de venda, uma vez por semana, um colaborador vai até o ateliê, que se tornou a base, para montar as bags, sempre tomando todos os cuidados de higiene, como o uso de máscara e de álcool em gel, e lavar as mãos constantemente”, explica Rafael. Assim como o manuseio, as embalagens e as peças – antes de sair e depois de voltar – recebem atenção maior na desinfecção.

“As primeiras bags foram montadas para nossos melhores clientes e aos amigos da marca”, destaca o designer. “Entramos em contato com cada um deles oferecendo esse novo serviço”, acrescenta. Com o feedback positivo, as vantagens ficaram evidentes. “Muitos gostaram da experiência, pois conseguiram sem compromisso provar todas as peças, sem preocupação com tempo ou trânsito, e no conforto de sua casa”.

No entanto, o novo formato de venda colocou certos obstáculos. Ter contato somente por mídias sociais e fazer uma leitura de estilo (uma conversa sobre preferências) que possa agradar ao cliente sem vê-lo pessoalmente. “Acertar o tamanho, o gosto, o tipo de peça”, detalha Rafael.

Futuro coletivo

“Manter a Bastille funcionando hoje é mais que a realização de um sonho, é transformar um negócio em algo que incentive pequenos criadores e o comércio local”. E, vislumbrando o futuro, o empreendedor do mercado de moda vê importância em “trocar experiências com a comunidade nikkei” e acredita que é possível “fazer a diferença para uma sociedade mais justa com e para todos”.

 

© 2020 Tatiana Maebuchi

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Sobre esta série

Em japonês, kizuna significa fortes laços emocionais. Em 2011, convidamos nossa comunidade nikkei global a contribuir para uma série especial sobre como as comunidades nikkeis reagiram e apoiaram o Japão após o terremoto e tsunami de Tohoku. Agora, gostaríamos de reunir histórias sobre como as famílias e comunidades nikkeis estão sendo impactadas, respondendo e se ajustando a essa crise mundial.

Se você deseja participar, consulte nossas diretrizes de envio. Receberemos envios em inglês, japonês, espanhol e/ou português e estamos buscando diversas histórias do mundo todo. Esperamos que essas histórias ajudem a nos conectar, criando uma cápsula do tempo de respostas e perspectivas de nossa comunidade Nima-kai global para o futuro.

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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