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Laços que se fortalecem na comunidade nikkei em meio à pandemia — Parte 2

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Reencontro com a música japonesa traz saudades

Durante o isolamento, eu e minhas amigas passamos a enviar e receber vídeos de programas da TV japonesa e de kayokyoku, música popular.

Um dos primeiros vídeos que recebi foi a canção “Ue o muite arukou”. Ao ouvir a voz de Kyu Sakamoto veio uma grande saudade, porque essa canção servia de abertura do programa de rádio que apresentei de 2001 a 2007. Era ao som dessa bela melodia que eu cumprimentava os ouvintes dizendo “OHAYO Bom Dia” e apresentava muita música japonesa em duas horas de programação.  

E um outro vídeo com essa famosa música está chamando a atenção na plataforma de compartilhamento sob o título Nihon o genkini! Minna utatte Ue o muite arukou (Alegria, Japão! Cantemos todos “Ue o muite arukou”). Vídeo que reúne 16 cantores de renome da música popular japonesa, cada um cantando em sua casa e que juntos transmitem alegria e esperança ao povo japonês e ao mundo inteiro. Esse vídeo também me emocionou! Uma amiga que não conhece bem a música japonesa quis saber o nome de todos os cantores e na ordem em que aparecem no vídeo.

Cantores nikkeis de várias partes do Brasil também juntaram esforços e produziram um vídeo com a mundialmente conhecida canção “We are the world”, traduzindo-a para o japonês “Kokoro o hitotsuni” e português “Um só coração” e interpretam-na com muita emoção. Existe também um vídeo originalmente produzido por um grupo nikkei para comemorar o 80º aniversário de Londrina (2014) e que hoje está sendo postado como uma mensagem de alento e esperança em tempos de pandemia. São grupos de cidadãos de Londrina cantando “Hana wa saku (As flores desabrocham)”, canção composta no Japão por ocasião dos trabalhos de recuperação da região afetada pelo Grande Terremoto do Leste do Japão (2011), tendo como cenário de fundo aspectos pitorescos da cidade. Para mim, que acabo de me instalar em Londrina, é emocionante ver essas imagens. Com essas músicas, as amigas também se sentiram animadas.

Além desses trabalhos produzidos especialmente para esta ocasião, a música japonesa em geral está trazendo ânimo ao coração dos nikkeis. Tanto que uma amiga disse: “Pode mandar tudo que vier. Meu cunhado depois que ficou doente anda desanimado, mas se ouvir música japonesa ele melhora e fica alegre”. No Dia das Mães, muitas mães nikkeis receberam vídeos com “Kaasan no uta (Canção da mamãe)” e “Haha e no message (Mensagem à mãe)” e creio que se emocionaram.

“Sarai (1992)”, “Kaze ni tatsu lion (1987)”, “Kimi to itsumademo (1965)”, “Arigataya arigataya (1960)”, “Kampaku sengen – a paródia (2020)”, “Kampai (1980)” são algumas das músicas de gêneros e épocas diferentes que os nikkeis estão conhecendo em tempos de isolamento. Muitos estão ouvindo pela primeira vez e, mesmo não entendendo muito bem a letra, alguns amigos dizem que gostam porque são músicas japonesas.

Mas não é somente a música japonesa que está divertindo e dando força e ânimo aos nikkeis. São aulas de radio taiso (ginástica pelo rádio), musculação, ginástica de relaxamento, explicação sobre ditados e provérbios japoneses, comerciais de TV e a Obá, a vovó de Okinawa colhendo rakkyo (cebolinha para conserva), entre tantos outros. Em meio à pandemia é surpreendente ver que o nikkei brasileiro, mais do que nunca, está sendo atraído pelo “Japão”.


Breno e o Japão dos sonhos

Breno é neto de minha prima do lado paterno, tem 17 anos e está terminado o ensino médio. A primeira vez que nos vimos foi no ano passado e o que me chamou a atenção foi a tatuagem “日本” no seu braço esquerdo, com a qual ele fez uma homenagem ao seu querido bisavô. Em agosto de 2019 ele foi ao Canadá num programa de intercâmbio estudantil, mas teve de antecipar a volta ao Brasil por conta do novo coronavírus.

Logo depois, a minha prima me avisou na maior alegria: “O Breninho decidiu estudar japonês! Pediu emprestado um livro da minha conhecida e começou a estudar”. Saber que um descendente da 5ª geração, que foi criado num ambiente em que a cultura japonesa não se fazia presente, está se empenhando em estudar a língua dos ancestrais é sensacional! Eu fiz questão de lhe presentear um dicionário Japonês-Português-Inglês.

Como Breno demonstra grande interesse pelo Japão, comecei a trocar mensagens com ele, dando sugestões de onde encontrar aulas de japonês on-line, filmes e séries japonesas, a grade de programação da NHK World Premium (TV a cabo). Bastante interessado, Breno pergunta sobre várias coisas e assim a nossa comunicação tem sido muito animada.

E foi numa dessas vezes que Breno contou que está estudando para ingressar na Faculdade de Relações Internacionais e quer seguir a carreira diplomática e, se possível, trabalhar no Japão. Foi algo surpreendente que me fez voltar ao passado. Quando eu tinha a mesma idade do Breno, meu pai disse: “Laura, você tem vocação para a diplomacia”. Bem, eu acabei me formando em Língua e Literatura, mas aquelas palavras de meu pai eu nunca mais esqueci. E tem mais: desde 1972, que foi quando eu estive pela primeira vez no Japão, o meu sonho era trabalhar no Japão! Minha prima diz que isto é genético e dá o maior apoio ao neto. E eu, vendo o Breno se empenhar tanto, fico torcendo para que alcance seu objetivo.


Encontro com uma nova turma

No dia 18 de junho a imigração japonesa completou 112 anos e no dia 16 fui convidada para participar de um encontro sobre Literatura Nipo-Brasileira, organizado pelo GPECO – Grupo de Pesquisas sobre Culturas Orientais do curso de História da Universidade Estadual de Londrina.

A coordenadora desse encontro foi Luana Martina Magalhães Ueno, pós-graduanda da Universidade Estadual de Londrina. Quando eu nem pensava em me mudar para Londrina, Luana escolheu para tema de sua tese de mestrado o meu livro Sonhos Bloqueados, entrou em contato comigo e desde então temos trocado e-mails.

Achei muito interessante participar, pois seria uma oportunidade para contar um pouco sobre a época em que se situa a ação, a razão de ter escolhido uma protagonista nikkei, a reação dos leitores, as considerações da crítica literária.

Sonhos Bloqueados foi o primeiro livro que escrevi e foi publicado no dia 18 de junho de 1991. Poder falar sobre um livro escrito exatamente 29 anos atrás é surpreendente e como o encontro foi on-line, não fiquei nem um pouco tensa e acho que pude comunicar à nova geração a minha trajetória como escritora nikkei da literatura brasileira. Esta foi mais uma experiência maravilhosa e que serve de grande incentivo para eu continuar trilhando o caminho da escrita.

A vida de agora em diante

Depois de 1 mês hospedada na casa de Hatsuko san, voltei para a minha casa, terminei a reforma e aqui estou, ainda em isolamento social. Com o passar dos anos, cada vez mais vou aprendendo como fazer para que a minha vida se torne confortável. E neste momento em que as pessoas ao redor do mundo estão vivendo em meio à tristeza, solidão e insegurança, eu apenas agradeço a Deus por cada dia de minha vida! Orando para que tudo volte à normalidade o quanto antes.

 

© 2020 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em japonês, kizuna significa fortes laços emocionais. Em 2011, convidamos nossa comunidade nikkei global a contribuir para uma série especial sobre como as comunidades nikkeis reagiram e apoiaram o Japão após o terremoto e tsunami de Tohoku. Agora, gostaríamos de reunir histórias sobre como as famílias e comunidades nikkeis estão sendo impactadas, respondendo e se ajustando a essa crise mundial.

Se você deseja participar, consulte nossas diretrizes de envio. Receberemos envios em inglês, japonês, espanhol e/ou português e estamos buscando diversas histórias do mundo todo. Esperamos que essas histórias ajudem a nos conectar, criando uma cápsula do tempo de respostas e perspectivas de nossa comunidade Nima-kai global para o futuro.

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Embora muitos eventos em todo o mundo tenham sido cancelados devido à pandemia da COVID-19, percebemos que muitos novos eventos apenas online estão sendo organizados. Como são online, qualquer pessoa pode participar de qualquer lugar do mundo. Se a sua organização Nikkei está planejando um evento virtual, poste-o na Seção de Eventos do Descubra Nikkei! Também compartilharemos os eventos via Twitter @discovernikkei. Felizmente, isso ajudará a nos conectar de novas maneiras, mesmo quando estamos todos isolados em nossas casas.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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