Joana nunca tinha saído da vila onde havia vivido até que, aos 49 anos, foi morar na capital de São Paulo, acompanhando a filha Luíza que tinha ido estudar enfermagem.
Era a grande aventura de Joana em terras estranhas. Ela teve de alugar uma casinha na periferia, ir trabalhar tomando ônibus sempre lotado, mas enfrentou tudo para que sua filha pudesse estudar.
Meio ano depois, a filha foi dividir um apartamento junto com mais duas colegas de curso. Assim, Joana voltou para casa com a sensação do dever cumprido e continuou sua vida entre o trabalho na roça e as tarefas domésticas.
Pouco antes de concluir o curso de enfermagem, Luíza retornou à casa paterna levando um rapaz para apresentar aos pais: era Nobu Takeshita, irmão da Kaori, uma das colegas que dividia o apartamento com Luíza.
Nobu morava no Japão havia 10 anos, trabalhava numa montadora de carros, tinha formado um time futebol de decasséguis e estava totalmente adaptado à vida japonesa. Dessa vez, ele havia voltado ao Brasil após dois anos para assistir ao casamento de um parente. Foi aí que os dois se conheceram e acabaram se apaixonando! “Gostaria de pedir a sua filha em namoro”, falou Nobu fazendo um gesto de reverência.
Os pais ficaram muito surpresos diante desse pedido inesperado. Era bom saber que a filha havia encontrado alguém de quem gostasse, mas essa pessoa morando tão longe, só de pensar que, algum dia, a preciosa filha deles fosse também para tão longe...
Mas, vendo o rosto de felicidade dos dois, a família também ficou feliz e aprovou o namoro.
Não demorou muito para Nobu retornar ao Japão e os dois passaram a trocar mensagens por e-mail e se falavam pelo celular.
No ano seguinte, o casamento foi realizado na vila onde Luíza havia nascido e se criado.
Um ano depois, grávida de dois meses, Luíza comunicou aos pais que o parto seria feito no Japão, ao contrário de muitas brasileiras que preferem voltar ao Brasil para ter o filho.
A família logo se reuniu e decidiu que o melhor seria mandar Joana ao Japão para ajudar no que fosse necessário. Ela, que se dera tão bem em São Paulo, iria fazer bonito em Oizumi, por que não? A família tinha plena confiança.
Assim, Joana partiu para sua segunda grande aventura. Sem saber uma palavra em japonês, mas confiante que iria desempenhar bem essa importante missão.
Joana chegou na cidade de Oizumi e ficou encantada com o número de lojas, restaurantes e lanchonetes. O mais incrível foi que algumas coisas ela não estava vendo pela primeira vez! Uma loja aqui, outra lá com fachadas extravagantes pintadas de amarelo e verde, bandeiras do Brasil hasteadas em todo lugar, até placas com dizeres em português ela encontrou! “Aqui é Japão ou Brasil?” – se perguntava enquanto percorria as ruas, o coração batendo forte.
O quarto destinado a Joana era um espaço separado por divisória na sala do apartamento do casal e dava para a varanda, onde ficavam penduradas as roupas para secar. “Que engraçado!” – pensou Joana, pois no Brasil as roupas são penduradas no quintal e a varanda é o lugar para vasos de flores e plantas. Ela também notou a falta do tanque de lavar roupa, mas gostou muito do costume de deixar os sapatos na entrada e calçar chinelos dentro de casa.
Luíza deu à luz um bebê forte e saudável que recebeu o nome de Cristiano Yoshio. O marido não fez questão do nome japonês, mas Luíza queria colocar o mesmo nome japonês do sogro, o pai de Nobu.
Joana ajudou nos primeiros cuidados com o bebê, mas acabou se surpreendendo com a habilidade da filha que dava conta do recado muito bem. Assim, a filha insistiu para que ela aproveitasse para sair um pouco. Joana, então, ia à quitanda, à padaria, ao supermercado, quando sempre procurava puxar conversa com as donas de casa japonesas. Também começou a frequentar cursos de culinária e a vida foi ficando cada vez mais divertida.
Um dia, uma senhora que frequentava o curso de culinária, Sumire Mori, convidou Joana para um chá em sua casa, pois tinha feito um doce que não fazia havia muito tempo.
Pela primeira vez Joana conheceu uma casa japonesa e, quando provou a kasutera¹ da Sumire-san... Se disser que a partir desse momento sua vida mudou, não seria exagero!
“Que massa macia e de sabor doce suave que derrete na boca!” – Joana nunca tinha provado nada igual. Imediatamente pediu a receita para Sumire-san e experimentou fazer em casa muitas vezes, até que um dia distribuiu sua kasutera entre os vizinhos. Nisto, começaram a chover as encomendas.
Em pouco tempo, a “Kasutera da Joana” foi ganhando fama, tanto que o dono de uma loja de produtos brasileiros quis oferecer um espaço dentro do seu estabelecimento para Joana expor e vender os doces. Joana agradeceu, mas não aceitou.
Já fazia dois meses e meio que estava no Japão e ela achou que era chegada a hora de voltar ao Brasil. Ela estava com saudades de seu marido, seus filhos, suas noras, seu pai bem idoso, seus netinhos. E queria contar-lhes tudo sobre as belezas do Japão.
A filha lamentou muito, até deu a ideia de o marido tirar uma folga e irem levá-la a conhecer os pontos turísticos, mas Joana nem deixou concluir a frase dizendo:
- Luíza, vocês já fizeram muito por mim e já é suficiente. Obrigada por você ter nascido para ser minha filha querida. Obrigada por ter escolhido um marido bom e atencioso. Obrigada pelo netinho lindo que me deu. Agradeço a Deus por tudo isso. Graças a Deus tive a oportunidade de conhecer tantas coisas lindas e estou muito feliz. O Japão é um país maravilhoso! Sou muito grata a todos os nihonjin², um povo educado e correto.
Joana chegou às lágrimas e foi nesse momento que uma ideia relampejou:
- Já sei! Eu vou ter a minha loja no Brasil! “CASTELA DA JOANA”. O que acham?
Do jeito como Joana é empreendedora, todo mundo acha que ela terá sucesso na nova empreitada. E já estão na torcida.
Nota
1. Popular bolo japonês, semelhante ao pão-de-ló de Portugal, é uma especialidade tradicional de Nagasaki.
2. Japoneses