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Reflexões de uma mãe japonesa três vezes imigrante: Globalização e identidade em movimento

Origamis decoram a passarela com as cores das bandeiras Brasileira e Japonesa. Festival do Japão homenageando os 110 anos da imigração japonesa no Brasil em julho de 2018, São Paulo.

Entender minha própria identidade é um desafio e acredito que não estou sozinha nessa jornada. Muitos de nós provavelmente já nos deparamos com a pergunta "Quem sou eu?" em algum momento de nossas vidas. Para os imigrantes, essa pergunta muitas vezes se entrelaça com uma outra pergunta: "De onde você é?" Para mim, sendo uma imigrante de três vezes e sendo “nipo-brasileira-americana” responder a essas perguntas não é uma tarefa fácil. Quando alguém me pergunta, costumo explicar em três etapas. Eu começo contando de onde meus pais são; depois, onde eu nasci e cresci e; finalmente, onde eu moro atualmente. Minha estratégia é falar sobre três fatores que explicam de onde eu venho: minha ancestralidade, minha nacionalidade e minha residência. Neste artigo, vou compartilhar meus pensamentos sobre o que vejo como vantagens e desvantagens dessa estratégia. Neste processo, analisarei as várias vezes que mudei de país e que marcam minha experiência e o como cheguei a compreender a minha identidade em movimento. Eu gozo da multiplicidade e fluidez dos meus laços com os países onde vivi e é isso que espero transmitir aos meus filhos.

Primeiro, contarei brevemente a história sobre minha ascendência, nacionalidade e residência, as quais eu resumiria referindo a mim como "nipo-brasileira-americana". Eu tenho pais japoneses, ambos nascidos e criados na área de Kansai, no Japão, que decidiram imigrar para o Brasil por meio da iniciativa de emigração do governo japonês no final da década de 1970. Como tal, nasci e cresci no Brasil até os 14 anos como nissei, japonesa de segunda geração. Passei a última parte dos meus anos de formação no Japão. Fiz o ensino médio e graduação em escolas japonesas locais, onde professores e colegas me identificavam como kikokushijo (criança retornada) - deixarei o debate sobre se posso ser considerada um kikokushijo ou não para outra ocasião. Devido à minha nacionalidade japonesa - dupla, junto com a brasileira - minha razoável proficiência na língua japonesa, e não sendo mestiça, era conveniente para as pessoas da escola me categorizarem como uma japonesa retornada. Atualmente, eu moro nos EUA como imigrante de primeira geração, "issei", do Japão (falando em termos legais, porque usei o passaporte japonês para a documentação). Se eu decidir me naturalizar como cidadã dos EUA no futuro, adicionaria uma quarta dimensão chamada "cidadania" à minha história. Por enquanto, eu sou uma cidadã brasileira com ascendência japonesa - e nacionalidade - vivendo como residente permanente dos EUA.

A maior vantagem de apresentar esta história é que ela é prática e responde com eficiência à pergunta "De onde você é?" Convenientemente, o tempo que vivi em cada país é de aproximadamente uma década. Por enquanto, posso dizer que passei um terço da minha vida no Brasil, outro terço no Japão e outro nos EUA. Parece satisfazer a curiosidade daqueles que se perguntam por que estão encontrando uma pessoa de aparência asiática falando com um sotaque português - em vez de um sotaque japonês – e com um número de telefone e endereço dos EUA. Outra vantagem é que a narrativa fornece pistas iniciais para a pergunta "quem / o que você é". Aqueles que tomam uma postura em preto e branco, podem dizer que, se meus pais são japoneses, meu "sangue" é japonês, e eu estou destinada a ser japonesa. No entanto, eles provavelmente também adicionarão uma ressalva: você é japonesa, mas não o japonês típico do Japão. A maneira como vejo isso é que, de certo modo, minha história induz as pessoas a questionarem os estereótipos e generalizações sobre japoneses / brasileiros / americanos. (Deixarei o debate sobre estereótipos para outra ocasião.) No entanto, quando viajo entre esses países, encontrando novos amigos e colegas e interagindo com pessoas por onde passo, eu pessoalmente sinto uma sensação de realização quando meu novo conhecido diz que aprendeu algo novo sobre pessoas americanas, japonesas ou brasileiras.

Assim, uma desvantagem em compartilhar minha história de como virei imigrante três vezes é que ela não responde diretamente à pergunta "Quem / o que você é?" Ao invés, convida mais perguntas como: "Você se identifica como / se sente mais japonesa ou brasileira?" "Qual país você mais gosta?" "Em qual idioma você se sente mais confortável?" Estas são questões ainda mais complicadas para responder. Vivi diferentes fases da minha vida em cada país e naquele momento histórico daquele país. Assim, é difícil dizer de qual país eu gosto mais, já que a sociedade, a cultura e as pessoas de um país também estão mudando com o fluxo do tempo. O idioma que uso mais confortavelmente depende da ocasião e da atividade que estou realizando. Falando com meus pais e expressando afeição aos meus filhos, essas são ocasiões em que falar em japonês faz mais sentido. Muitas vezes, o “arigatou” em japonês comunica muito mais. Quando se trata de fofocar, fazer piadas e outras interações que envolvem humor, as coisas parecem ser mais divertidas em português (Brasil). Talvez isso tenha a ver com o fato de que passei meus anos de uma infância divertida no Brasil, quem sabe? Por outro lado, tendo passado grande parte da minha vida profissional nos EUA, em atividades mais “racionais”, o inglês vem mais facilmente. Para a decepção de quem espera uma resposta direta de mim, minha resposta sempre se resume a uma única palavra "Depende".

Resumindo, esta é a minha opinião sobre a minha identidade em três pontos. Primeiro, eu tenho laços especiais com três países que me permitem identificar como um membro de sua população. E esses laços não estão em conflito uns com os outros. Durante muito tempo, internalizei uma certa pressão de que eu deveria saber qual das opções entre ancestralidade, nacionalidade e residência eu me identificava mais. Depois de algum tempo de confusão, optei por agradecer e celebrar a fluidez e a flexibilidade de ter laços múltiplos, até mesmo preferi-lo à estabilidade de uma afiliação inequívoca e singular a um determinado grupo, cultura ou país. Em segundo lugar, a interpretação desses laços varia dependendo do lugar de onde eu estou falando. Eu sou sem dúvida japonesa, mas essa identidade varia e continua mudando. Sou nissei quando estou no Brasil, uma kikokushijo no Japão e uma issei nos EUA. Eu acredito não ser produtivo pensar em ser mais japonesa ou menos japonesa por causa de meus outros laços com outros países. Isso me leva ao terceiro ponto. Eu também contribuo para o significado do que é ser japonesa, brasileira e americana. Identidade, definida em termos da associação a um certo país, pode ser fluida e flexível ao longo da trajetória de vida e da história familiar de uma pessoa. Por outro lado, há outras coisas para as quais não estou disposta a ser flexível, porque são essenciais para que eu mantenha um senso de mim mesma, como ser curiosa sobre o mundo, ser franca e aberta com as pessoas com quem convivo.

Eu tenho dois filhos na escola primária. Um dia, saindo da escola, minha filha parecia chateada. Eu perguntei se algo havia acontecido na escola. Ela explicou que se sentiu desconfortável quando alguns meninos a chamaram de "china" (chinesa em espanhol). Meu filho compartilhou empaticamente com sua irmã que ele também teve uma experiência semelhante e que ele tentou explicar para os colegas que ele é japonês. Ela ainda tinha um olhar de insatisfação. “Mas eu também sou americana, brasileira e também coreana (o pai dos meus filhos é americano descendente de coreano e japonês). Então ... eu sou asiática? Meu filho tinha uma sugestão diferente. "Bem, nós somos nikkeis." Eu entrei na conversa e disse que eles são todos os acima. Muito provavelmente, eles terão essa conversa com muitas, muitas pessoas muitas, muitas vezes em suas vidas, não importa em que país eles permaneçam. Minha filha suspirou. Eu levei pelo menos três décadas de vida para mapear essa coisa complicada chamada “identidade”. Passo esses laços que tenho com os países que proporcionaram as oportunidades para eu me tornar a pessoa que sou agora para os meus filhos. Estou curiosa para ver como meus filhos entenderão esta herança e como as experiências deles, assim como a forma como eles navegam suas identidades, serão diferentes das minhas.

 

© 2019 Anna Okada Sera

Brasil identidade Japão línguas migração Estados Unidos da América
About the Author

Doutoranda em Sociologia e em Educação Internacional Comparada na Universidade de Indiana Bloomington (EUA). Suas paixões na vida incluem, ser professora, ser pesquisadora, o mar e ser mãe. Foi professora de alunos nipo-brasileiros em Aichi (Japão) e também de alunos imigrantes em São Francisco (EUA). Trabalhou e foi voluntária em organizações sem fins lucrativos e empresas que dão assistência a imigrantes no Brasil, Japão e EUA. Graduada em Educação pela Universidade de Hiroshima (Japão). Mestre em International Educational Administration and Policy Analysis pela Universidade de Stanford (EUA).

Atualizado em novembro de 2019

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