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Pequenas mudanças nas celebrações familiares

Atsushi e Mitie trabalham juntos nos eventos da comunidade Nikkei no Brasil. (Foto: Arquivo pessoal)

Nós sabemos que muitos japoneses vieram para o Brasil há mais de 100 anos. Trouxeram toda sua cultura, que seus descendentes preservam e, ao mesmo tempo, evoluem com o tempo. Um dos costumes integrantes dessa cultura são as celebrações. Conversei com dois profissionais que atuam no segmento de produção e fotografia de festas e outros eventos.

“Sempre tive, desde a infância, uma queda muito grande por som e música. Incentivado pela minha mãe, participava de eventos culturais do kaikan [associação local] de Piedade, minha cidade natal. Quando comecei o colégio técnico de eletrônica, tive a certeza de que gostava de som. Com a maturidade, já conhecendo um pouco dos bons equipamentos, acho que me tornei um pouco exigente com relação aos equipamentos dos eventos da colônia. Fui então em busca de recursos. Finalmente, em 1989, veio a primeira oportunidade de ser contratado para um evento da colônia”, conta Alceu Atsushi Abe, nisei, sócio da empresa Dai Pró Eventos, com pouco mais de 30 anos em atividade.

Eliane Mitie Tamada, sansei, esposa de Atsushi, atua como fotógrafa em empresa própria e também ajuda o marido em eventos. “Quando eu era criança, com uns sete anos, pedi uma câmera fotográfica para o ‘Papai Noel’. Ganhei uma Kodak Instamatic e gastava toda minha mesadinha revelando filmes. Adorava tirar fotos minhas (não existia selfie, fotografava no olhômetro) e das minhas bonecas. Fiz o casamento dos meus ursinhos de pelúcia (risos)”, lembra Mitie.

O gosto pela fotografia, entretanto, não foi uma opção de trabalho imediatamente. Como acontece em muitas famílias (nikkeis e não nikkeis), a família exerce alguma pressão. “Na época, não havia tantas profissões como hoje, e fotografia não era uma opção. O sonho dos meus pais era que eu fosse advogada como meu irmão ou algo ligado à informática. Levei duas faculdades ao mesmo tempo por um ano para escolher uma delas, pois eu ainda não sabia o que eu gostava mais (ou menos). Só voltei a fotografar quando trabalhava no setor de TI; com a câmera digital da empresa, registrava os eventos internos, pois coincidentemente a câmera vinha parar na minha mão. Percebi que eu gostava muito de estar atrás da câmera”, conta Mitie.

Recomendação

Uma celebração pressupõe a presença de pessoas próximas, como amigos e familiares. Assim, a contratação de profissionais para atuarem no evento requer atenção especial. Em situações assim, a indicação é muito valiosa. Nesse ponto, a comunidade Nikkei ainda mostra influência. “Cerca de apenas 5% do total de eventos são fora da comunidade. Mesmo assim, esses 5% partem de indicações do pessoal nikkey. Somos um povo emergente, sempre com muito trabalho e muita garra. Vejo isso em todas as famílias que conheço. Isso faz com que nos respeitemos uns aos outros e nos solidarizemos”, explica Atsushi.

A variedade de eventos em que Atsushi e Mitie atuam é bem extensa. São casamentos, shows musicais, festas infantis e debutantes, bodas, palestras e muitos outros.

Com tanta experiência, ambos observam mudanças nas celebrações dos Nikkeis no Brasil. “Antigamente, os apresentadores, mestres de cerimônia e mesmo os discursantes utilizavam a língua japonesa como padrão e uma breve tradução para o português. Com o passar do tempo, isso foi se invertendo, e hoje vejo que a grande maioria adota a língua portuguesa como padrão e, às vezes, uma breve tradução em japonês”, observa Atsushi.

Mitie aponta uma mudança relacionada às músicas escolhidas para tocar durante a festa. “Não queriam que tocasse muita música japonesa por causa dos convidados não Nikkeis. Atualmente, já vi pedirem rock japonês na balada, e todos os convidados curtiram! Acho que esta mudança é graças à quebra de distância pela internet, muitos games e animês, junto com música, shows e comidas típicas.”

A comida japonesa é um elemento de que dificilmente os Nikkeis abrem mão em uma celebração. Sushi e sashimi são quase onipresentes.

“O que mudou é que antigamente os próprios anfitriões faziam tudo: cozinhavam e serviam os convidados, faziam mesas e bancos compridos com tábuas e forrados com papel vermelho. Os convidados comiam, bebiam e iam embora. Hoje, contratam buffets especializados em culinária japonesa, decoradores, shows com cantores e bandas da colônia, taiko, DJs, iluminação e telões para entreter os convidados”, comenta Atsushi.

“Houve épocas em que senti que os Nikkeis estavam se afastando das nossas raízes, mas felizmente voltamos a divulgar fortemente a nossa cultura com muito orgulho, tanto que muitos não descendentes curtem nossa culinária, artes, músicas, vestimentas etc”, aponta Atsushi.

“Penso que ultimamente se tem valorizado e buscado as crenças. O uso de kimonos na cerimônia de casamento, por exemplo, vem aumentando, desde os específicos para determinada ocasião quanto os mais estilizados. Também nas cerimônias, mesmo sem serem adeptos da religião, já vi noivos optarem fazer com toda pompa a cerimônia do sake, por acharem bonita ou para homenagear um familiar”, afirma Mitie.

Retrato de família

Nas celebrações na minha família, quase sempre tem a hora em que alguém fala: “vamos tirar uma foto”. Daí todos se posicionam organizados em fileiras, alguém aciona o timer da câmera e está feito o registro familiar que, eventualmente, será guardado em um porta-retrato. Na casa de Nikkeis, geralmente há esses retratos de família.

“Eu gosto muito de fotos espontâneas”, afirma Mitie, “mas acho muito importante estas fotos protocolares. Em famílias de todas as origens elas são pedidas, e se não for, lembro-os de fazê-la, porque o tempo não volta e temos que ter orgulho da nossa família. Acho muito importante fotos com pais e filhos, avós e netos... Geralmente peço para abraçar, pois a grande maioria dos japoneses não são muito de demonstrar carinho. Então as festas são ótimas oportunidades para quebrar esse gelo e abraçar seu ente querido”, completa.

Comemorações são formas de reafirmar valores e renovar relações, sejam familiares, profissionais e de amizade, e também estabelecer marcos do passado para o futuro.

“Gosto muito de ouvir histórias e de contá-las. Trabalho com edição de retrospectivas também, e acho muito legal toda história de luta. Tenho orgulho dos nossos antepassados. Fico muito feliz em ver que cada vez mais os costumes são respeitados”, afirma Mitie.

“Além de casamentos, atuo muito em comemorações de longevidade, como aniversários e bodas, em que faço questão de divulgar a cultura japonesa através de relatos de histórias de cada cliente, geralmente que vivenciaram momentos difíceis no Japão, na guerra, na imigração, na adaptação à nova nação”, conta Atsushi.

“Na época em que houve o boom de dekaseguis [meados dos anos 80 e 90] senti que os Nikkeis estavam se afastando das nossas raízes. Muitos kaikans pararam as atividades por falta de participantes, em especial as ligadas aos costumes japoneses como baseball, gateball, aulas de nihongo, odori, canto, karaoke etc... Foi uma época muito difícil, pois a faixa etária mais requisitada era justamente a que movimentava os kaikans. Passada essa fase, vi que muitos retornaram trazendo novas histórias do Japão, voltando a movimentar os kaikans e disseminando a cultura e incentivando as crianças e adolescentes a frequentar nihon gakko e hoje vejo surpreso muitos jovens lendo, escrevendo e falando fluentemente o nihongo. Fico feliz em ver até mesmo não descendentes arriscando uma fala ou outra em japonês. Fico feliz de ver restaurantes de comida japonesa lotados de não descendentes. Fico feliz em ver crianças e não descendentes participando de grupos de taiko, danças típicas, karaoke... Sou brasileiro, mas acho que meu kokoro é japonês!”, completa Atsushi.

 

© 2019 Henrique Minatogawa

About the Author

Henrique Minatogawa é jornalista e fotógrafo, brasileiro, nipo-descendente de terceira geração. Sua família veio das províncias de Okinawa, Nagasaki e Nara. Em 2007, foi bolsista Kenpi Kenshu pela província de Nara. No Brasil, trabalha na cobertura de diversos eventos relacionados à cultura oriental. (Foto: Henrique Minatogawa)

Atualizado em julho de 2020

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