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Um doce cantinho japonês

Os crepes e parfaits da Hachi Crepe são inspirados no Japão e adaptados ao gosto brasileiro (foto: arquivo pessoal/Miriam Ishikava)

Descendente das províncias de Hiroshima, Shizuoka e Saitama, a empresária Miriam Ishikava, de 36 anos, que é sansei, diz que “sempre foi colônia”.

A infância e adolescência foram fases cheias de atividades, que incluíam piano e teclado; saídas para o karaokê, onde cantava só músicas japonesas; treino de karate; além de natação e tênis de mesa.

Participou também da Seicho-No-Ie durante sete anos, o que a juntou a outros jovens em um grupo de dança de hip hop (street dance) voltada para nikkeis. Às vezes as pessoas falavam para Miriam que, se ela tivesse nascido no Japão, seria uma idol.

E seu coração sempre esteve lá, para onde já foi algumas vezes para fazer arubaito e também a passeio. “Acho que conheço mais o Japão do que o Brasil”, diz.

Experiências no Japão

A vontade de conhecer o Japão era tão grande que decidiu fazer arubaito quando ainda estava no colégio. “Com 15 anos, eu já gostava bastante das coisas do Japão, né? Até porque minha mãe é bem tradicional, sempre foi bem kibishii, sabe? Desde pequena eu já ajudava na lanchonete que tinha antigamente”. Apesar de a mãe achar que seria algo muito pesado para a filha, Miriam estava determinada. Fez todos os preparativos e embarcou para o Japão sozinha.

“Acho que foi uma experiência e tanto”, opina. E revela que adorou trabalhar em bentoya e revela que não tem medo de desafios. Achou bom ter pontualidade com horário e preocupação com limpeza – “japonês é muito certinho, né?” Talvez por isso seu chefe não chamasse a atenção dela. “Como eu cresci dessa forma, em casa, foi uma coisa para provar que realmente japonês é assim. E sobre a segurança, você só afirma: ‘nossa, um ótimo lugar!’”, comenta e ri.

Essa característica precoce existe desde quando a empresária era criança e a determinação também manteve sua mãe tranquila. Mas há um bom motivo para isso: Miriam é a irmã mais velha, tem quatro irmãos. “Sempre fui a neechan que fazia tudo”, porque ajudava a cuidar deles.

Depois, quando tinha 19 anos e havia terminado o segundo ano da faculdade, fazia estágio para pagar o curso basicamente e percebeu que precisava mudar esta situação. Por isso, trancou a faculdade para ir ao Japão com o objetivo de juntar dinheiro. E nesta segunda experiência no Japão, ficou durante dois anos em Okasaki, Aichi. Miriam conta que lá se concentram muitos brasileiros e falava só português. “Parecia que eu estava no Brasil, praticamente. Nessa época, acho que até fiquei mais brasileira [risos] do que já era”.

Na terceira vez que foi ao Japão, surgiu o interesse em prestar uma bolsa para estudar no Japão, porque “estava meio cansada de trabalhar no Brasil”. Sabia apenas um pouco de japonês de ouvir em casa e, por isso, começou a se dedicar aos estudos do japonês para o nível intermediário da certificação de proficiência no idioma, o Noryoku Shiken (Japanese-Language Proficiency Test – JLPT). Mas naquela época, por causa da instabilidade econômica no mundo inteiro, muitas bolsas foram cortadas. Assim, deixou a bolsa de lado e decidiu fazer arubaito novamente.

Nessa época, começou a ajudar o kenjinkai de Saitama, porque procurou a entidade para saber sobre bolsa e percebeu “precisavam bastante de jovens para ajudar o kaikan em si”. Decidiu ajudar no Festival do Japão e passou a participar aos poucos de outros eventos realizados pela associação.

Passados uns dois meses já estava com a documentação preparada e no Japão fazendo arubaito em uma fábrica de alimentos, praticamente divisa com Tokyo. Ficou lá de final de setembro até março de 2011. “Fiquei uns quatro, cinco meses trabalhando muito. Trabalhava das sete da manhã até oito da noite, todos os dias. Era demais”, confessa.

E, no início de 2011, teve o jishin (tsunami) que, na opinião de Miriam, “atrapalhou tudo”. Em Saitama havia falta de água e alimentos. “Eu ia ficar um pouquinho mais, o objetivo era ir para Londres estudar inglês e voltar para o Brasil. Eu não tinha meta, o negócio era mochilar”. Até tentou ir para Londres, mas nas agências falavam que não seria possível sair, apenas para voltar ao país natal, e os aeroportos estavam sendo fechados.

“No final, eu queria ter ficado para ajudar, mas acabei voltando”, lamenta. “Minha mãe estava querendo que eu fosse embora. Aí fui embora, na época tinha namorado, comprou passagem daqui e voltei”. Em seguida, já conseguiu um novo emprego e abriu a creperia nesse mesmo ano – estava tocando os dois ao mesmo tempo até que passou a se dedicar exclusivamente ao próprio negócio.

A inspiração para a creperia

Miriam passeava pelas regiões de Asakusa e Harajuku quando ficou dois anos no Japão (foto: arquivo pessoal/Miriam Ishikava)

Essa última ida ao Japão que deu a ideia do negócio, porque Miriam costumava comer o doce e sentiu saudade. “Morava a 10-15 minutos de Asakusa. Só pegava o trenzão rapidinho e descia em Shibuya. Shibuya e Harajuku são do mesmo distrito, né? Muito perto. Então esse era meu passeio, tirava foto com o cachorro [Hachiko], andava um pouquinho, porque eu gosto de lá, Shibuya, ou começava por Harajuku, né? Todo esse trajeto era o que eu fazia no meu yasumi”, conta. Era assim todos os domingos.

O próximo passo, depois de decidida a abertura da loja, foi criar o nome. Diversos nomes americanos foram sugeridos a ela, mas para a empresária teria de um nome japonês. “‘Hachi’, porque começou lá essa ideia de comer crepe, aí me fez querer abrir a loja. Shibuya não dá, nem Harajuku, né? [risos] Tem que ser um nome fácil, bonitinho”. E continua: “O logo eu pensei como Hachi, o cachorro, chama oito, que também é o número da sorte, tem toda uma inspiração a história do cachorro. Então oito, sorte, dois oitos e monta um trevo, dois oitos, dois infinitos. Eu penso assim, uma Hachi eterna, alguma coisa assim”.

A sansei Miriam se inspirou no Hachiko para abrir o próprio negócio (foto: arquivo pessoal/Miriam Ishikava)

O cardápio tem inspiração nos crepes e parfaits do Japão e alguns são adaptados para o gosto brasileiro. A ambientação também tem influência do país, inclusive com músicas de J-pop e K-pop, mas também tem um toque pessoal. “Deixo tudo o que eu gosto de fazer na minha casa. Cheia de recadinho, assinaturas na parede e revistas japonesas para o cliente desfrutar junto ao crepe e ter aquela sensação de estar num lugar aconchegante e diferente”, explica.

O lado japonês

“Fui uma pessoa que sempre foi ‘colônia’ desde criança”, conta. Estudou em uma escola onde havia muitos nikkeis, mesmo público que morava no mesmo prédio que Miriam. Depois, foi para uma escola estadual e aí ela acha que mudou um pouco o conceito sobre os descendentes.

“Às vezes tenho essa mania de falar que certos costumes japoneses só os japoneses têm. Acho que o japonês é muito certo. Nesse ponto, a gente foi assim desde criança, todo o mundo ajudava nas coisas, e minha mãe é séria, segue as regras, é pontual”. Para a empresária, isso ajuda um pouco no dia a dia e no trabalho ela diz que sempre me destacou por ser assim também, por ter se tornado um diferencial.

Miriam conta que tenta ser que como o japonês, receber os clientes com “oi”, “bem-vindo” ou “irashaimase”, “boa tarde”, “bom dia, tudo bem?” e um sorriso no rosto. Porque, no Japão, “você vai ouvir dez vezes ‘obrigado’, porque você entrou numa loja para ver um negócio”.

Essa preocupação não é só na creperia, mas com os amigos também. Se ela confirma que vai a algum compromisso e, no fim, não pode, pede desculpa e explica o porquê. “Acho que não é todo o mundo que é assim. [risos] Não sei se isso é muito da minha casa também, meus pais sempre foram assim”, reflete.

Assim, a empresária se vê como uma pessoa reservada, com responsabilidade e comprometimento, de sempre querer fazer o certo e pensar no próximo, e imagina que tais valores levará com ela.

Não tão japonesa assim

Para muitos, Miriam não aparenta ser descendente de japoneses nem brasileira. A sansei relembra uma situação por qual passou quando um vendedor falou em inglês e pensou que ela fosse estrangeira, mas não do Japão. E que ficou surpresa quando ele disse que a amiga nikkei que estava junto parecia brasileira.

A dúvida que ficou é qual a diferença entre as duas e se poderia ser a cor do cabelo. “Tem gente que às vezes acha que sou chinesa. Ou uma mistura de chinês com filipino, qualquer coisa. Não sei, é doido [risos]”.

Outra cultura que tem grande influência na vida da empresária é a coreana. Um tio – não de sangue – morou por quase dez anos com a família e era bastante ligado à cultura coreana “que não é muito diferente da japonesa”. Além disso, por ter convivido no grupo de dança não só com descendentes de japoneses, mas com de coreanos também, ouvia K-pop.

Talvez Miriam tenha resumido em uma frase o que poderíamos afirmar ser a definição do nikkei que vive no Brasil. “Se misturar a cultura brasileira tem muita coisa boa, o equilíbrio”.

 

© 2018 Tatiana Maebuchi

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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