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Uma tradição gastronômica de pai para filha e de nikkeis para brasileiros

Uma senhorinha sorridente atrás do balcão onde fica o caixa recepciona e agradece quem entra e sai do local, em meio ao bairro da Liberdade. Proprietária da tradicional pastelaria japonesa Yoka, Luiza Yokoyama, de 65 anos, guarda uma surpreendente história de família.

Nissei, se dedicou totalmente à criação e educação dos filhos. Para tanto, chegou a preparar massa de harumaki para vender. Até que aos 44 anos decidiu seguir os passos do pai, o imigrante japonês Takashi Yokoyama, e abriu sua própria loja de pastel com a ajuda dele.

O pioneiro Takashi Yokoyama

Apprentice to master, Takashi Yokoyama spread food that has become popular among Nikkei and Brazilian (photo: personal archive / Luiza Yokoyama)

Tudo começou com a vinda de seu pai ao Brasil, em 1933, quando tinha 20 anos. “Ele veio para cá com a família do meu tio que já era casado e outra tia também”. Yokoyama trabalhou alguns anos na lavoura de café e mudou-se para São Paulo. “Aí ele começou a trabalhar para uma família – até o sobrenome meu pai comentava, chamava Nakamura – que fazia pastéis, só que não era de loja. Era atacado, entregava nos bares”, conta. E lá passou três anos só aprendendo a fazer pastel. “Dessa família, ninguém mais continuou desde que meu pai começou a ter loja”.

Takashi Yokoyama foi o nikkei pioneiro no ramo – a grande maioria era de chineses. Muitas pessoas que aprenderam com ele até hoje mantêm pastelaria. “Na época, meu pai ajudava ou dava oportunidade de trabalho para o pessoal que veio do Japão, pessoal que era de judô. Sempre tinha gente morando em casa, um apartamento pequeno...”, lembra Luiza.

Na década de 1940, já no início de guerra, algumas vezes Takashi não conseguia comprar ingredientes, principalmente farinha e óleo, os mais importantes. “Ele até falava que era chinês para poder comprar”.

Depois, nos anos 1945, depois do fim da guerra, retomou as atividades. Dona Luiza relembra as memórias de quando era criança e seu pai tinha três pastelarias: “meu pai carregava a gente [ela e os irmãos] no carro, deixava a gente dormindo e passava nas casas para cuidar. Essa história é muito da minha infância mesmo”.

Já na década de 1960, o número de pastelarias tinha aumentado e a mais nova unidade era na Rua Cantareira, Zona Norte de São Paulo, região onde Luiza nasceu e cresceu. “Tinha uma esquina que eu lembro, tinha uma padaria e, do ladinho, num cantinho da padaria, ele tinha a pastelaria dele. E, na época, como não tinha o Ceasa, o mercadão da Cantareira era o centro de abastecimento de São Paulo. Toda a colônia japonesa que tinha sítios e trazia verduras chegava lá. O pessoal de muito mais idade ainda se lembra dessa época que meu pai tinha pastelaria. Sabe aquela saudade?”, continua.

A história da Pastelaria Yoka

Luiza Yokoyama seguiu os passos do pai e hoje comanda a Pastelaria Yoka, no bairro da Liberdade (foto: arquivo pessoal/Luiza Yokoyama)

Dona Luiza relata que casou, teve seus dois filhos e se esforçou para oferecer cursos extras a eles. Quando estava com 44 anos e os filhos já crescidos, decidiu seguir os passos do pai e abrir a própria pastelaria.

“Tive uma oportunidade de entrar na Rua da Glória, na Liberdade mesmo, era um lugar pequenininho”, conta. Depois de três anos, conseguiu alugar o espaço que é o atual endereço da Pastelaria Yoka, na Rua dos Estudantes, no centro de São Paulo.

Na verdade, a sócia-proprietária do Yoka revela que não sabia se iria entrar nessa área, porque “é uma coisa de que tem que gostar”. “Não basta você só querer como um trabalho, acho que primeiro tem que ter a paixão e conseguir estar pensando nisso sempre”, opina.

Por se tratar de uma atividade exercida pelo pai, muita gente imagina que o aprendizado passa para os filhos quase que automaticamente. Mas, neste caso, não. Luiza aprendeu de fato a fazer pastel quando abriu sua loja, aos 44 anos. “Na minha adolescência, sempre trabalhei mais na área de atendimento, meu pai não me deixava entrar na parte de produção, em que a maioria é homem, porque exige força física”, revela ainda. E o motivo está explicado: ela pesa menos de 50kg e tem 1,52m de altura.

“Só que eu peguei pesado também”, afirma. Pois é muito comum funcionários se desligarem da empresa e irem trabalhar no Japão como dekassegui. Aí é preciso colocar a mão na massa, literalmente. “Passei por todas as etapas: fiz esfiha, massa e tinha uma época que era só eu fazendo massa de pastel”. Hoje, com a ajuda da tecnologia, a produção tem equipamentos que facilitam o trabalho. Mesmo assim, o olho atento é fundamental: “saber como é o processo, ver, sentir a textura; até hoje a gente sofre muito”. O desafio de analisar e acertar os ingredientes é de seu filho Jobson.

Negócio em família

Hoje são três sócios: dona Luiza, seu marido Roberto e seu filho que entrou depois. Antes de Jobson começar a trabalhar na pastelaria, foi fazer estágio no Japão. Formado em Hotelaria, passou oito meses na província de Mie trabalhando na cozinha, que sempre foi seu foco.

A idealizadora do Yoka diz que teve sorte, porque, se não tivesse quem fizesse parte do negócio, venderia tudo dentro de uns 20 anos. “Não tenho nenhum apego!” [risos] “Penso assim: não acho que é porque é da família que tem que continuar, tem que ter total liberdade”, esclarece. Luiza dá como exemplo sua filha que seguiu a área de Administração e está feliz na área. “Ela gosta de comer, mas não gosta de cozinhar. Então quando ela entrou na faculdade, não pedi mais para ela vir aqui. Nos finais de semana, na fase de colegial, ela me ajudou bastante”.

Por isso, quando seu filho voltou do Japão teve de fazer sua escolha. Na realidade, Jobson já estava decidido a fazer parte do Yoka. “Ele gosta muito de trabalhar comigo, sempre foi assim, sabe?”, comemora. Um tanto rígida, a mãe deixou claro ao filho que precisava de um profissional dedicado e não apenas um ajudante. A proprietária da pastelaria sentia a necessidade de voltar ao trabalho administrativo, de ver o andamento geral da casa e dar atenção aos clientes. Por isso, ela queria que houvesse alguém que só se concentrasse na parte de produção para ajustar a receita e supervisionar se tudo está sendo feito do jeito certo. Traduzindo: uma pessoa que tivesse cuidado.

E ninguém melhor que “um chefe bravo”, como dona Luiza define o filho, que é responsável pela produção. Jobson também fez curso de Panificação e Confeitaria, o que ajuda – e muito – na prática. Fica mais fácil de testar, por exemplo, um ingrediente que pode ser acrescentado.

Como diz o ditado popular, “errando é que se aprende”. E é no que a responsável pelo Yoka acredita. “Isso fascina e é a melhor parte”, declara. Assim, sempre que recebe uma crítica, pensa que pode e deve melhorar. Luiza já ouviu muito dizer que seu estabelecimento já é conhecido, mas – para ela – ter nome é “muito pouco”. “A gente tem que ter resultado, chegar na média da maioria, no gosto, paladar, histórico de cada pessoa”. E reconhece que sempre deve mudar para aperfeiçoar e inovar.

Os pastéis

Atualmente, o cardápio do Yoka conta com 20 sabores salgados e quatro doces, sendo os de carne e palmito na disputa pelo título de mais vendido.

Além disso, o menu ganhou uma criação de Jobson, o “pastenoli” – uma versão do doce italiano cannoli, feito com massa de pastel. A invenção foi bem aceita, tanto que os de doce de leite e creme são os sabores favoritos dos clientes, enquanto o de chocolate vem em seguida na preferência.


Dedicação como mãe

Os filhos de dona Luiza estudaram japonês desde os nove anos de idade, além de terem feito cursos de inglês e natação. “Eu sabia que era investimento, comecei a trabalhar também por causa disso. A gente batalha muito! [risos] Quanto a isso, eu falo para os meus filhos, ‘vocês não têm que cobrar nada do que a mãe não fez em matéria de estudo e de formação’”, conta.

E o comércio exige bastante dedicação. “Na minha área, fiquei mais de 10 anos sem folgar, sem férias, e ainda a gente trabalha direto aqui. Feriado trabalho, sábado e domingo trabalho”.


Paixão pela cozinha

Luiza já tinha interesse pela arte de cozinhar. Antes de começar o trabalho na pastelaria, por cerca de três ou quatro anos, ela fazia massa de harumaki e fornecia para o primo, no Yokoyama, e em mercearias de quem conhecia. “Adorava fazer aquilo! [risos] Só parei por oportunidade”, diz. “Estava prontinha para entrar no comércio”.

Já em casa, ela diz que tem muita curiosidade em testar novas receitas. Até usa um aplicativo – que adora – para se inspirar e melhorar. Alguns “experimentos” dão certo, mas outros nem tanto.

Persistência

“Trabalhar pouco e ganhar muito não existe [risos]. Pelo menos no início. Eu não trabalho mais como antes, que eu ficava 12 horas. Eu entrava primeiro, abria, fechava, ainda tinha que voltar para casa e pensar no jantar da família. Não acho que isso é sacrifício, porque acho que é um investimento para você melhorar”.

Por isso, dona Luiza diz que tudo envolve aprendizado: no começo, pode parecer difícil, mas depois a linha de produção funciona graças a seu próprio trabalho e passa a não depender apenas de você. “Tem que investir a sua vida, o seu tempo. Acho que em qualquer área, né? Tem gente que desiste antes de vingar, porque não aguenta [risos].”

 

© 2018 Tatiana Maebuchi

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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