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A influência da culinária japonesa no Brasil – ontem, hoje e amanhã

Foto: Armando Cinagava

Os imigrantes japoneses vieram para o Brasil no século passado para trabalhar nas lavouras de café com o sonho de enriquecer e depois voltar para o Japão. Diante das dificuldades encontradas e, percebendo que não seria possível concretizar este sonho, iniciaram o processo de integração com os brasileiros (gaijin).

Aos poucos foram se adaptando aos costumes, culinária, crenças religiosas e estilo de vida do povo daqui. Mas no convívio familiar preservavam a sua cultura, principalmente quando as gerações mais novas conviviam com pessoas idosas preocupadas em repassar valores, costumes, idioma e também a culinária do Japão. 

Os hábitos alimentares trazidos pelos primeiros imigrantes à base de shirogohan, arroz branco preparado sem nenhum tempero, misoshiru feito com pasta de soja fermentada, moti feito com arroz motigome socado, natô feito com grãos de soja fermentada, tsukemono, um tipo de conserva preparado com gengibre (shoga), cenoura (ninjin), acelga (hakussai) e outros legumes e verduras, sashimi, à base de peixe cru, eram considerados exóticos, esquisitos e pouco apreciado pelos não nikkeis. 

Hoje, a culinária japonesa está em alta no Brasil, com algumas adaptações ao gosto ocidental e vem ganhando tradição e prestígio, por ser uma opção saudável, considerando a qualidade e a expectativa de vida dos japoneses. É possível saboreá-la nos restaurantes típicos ou associados à culinária de outras culturas orientais, como a chinesa e a coreana, nos fast foods, food trucks, churrascarias e outros espaços de gastronomia em qualquer região do país.

Em Londrina, no norte do Paraná, os restaurantes japoneses tornaram-se um sucesso entre os nikkeis e também os não nikkeis que conseguem manejar com incrível desenvoltura os antes exóticos pauzinhos que substituem o garfo – hashi – para comer sushi, sashimi, misoshiru, tempurá, shirogohan, além das saladas com temperos à base de shoyu e outros ingredientes típicos.

A vinda dos imigrantes permitiu a incorporação de uma variedade de frutas, verduras e legumes, como caqui, maçã, pera, acelga, espinafre japonês, brotos de feijão, broto de bambu, rabanete, abóbora cabotiá entre uma diversidade de produtos, enriquecendo a culinária nipo-brasileira.

Fazemos parte do Grupo Hikari de Londrina que reúne nikkeis e não nikkeis de ambos os sexos para treinar bon odori semanalmente na cidade de Londrina. Além dos treinos, o grupo costuma participar das festividades do bonenkai - confraternização de final de ano, shinenkai - confraternização de início do ano, e tandyokai, para comemorar os aniversários dos participantes do grupo. 

Nestes encontros, cada integrante costuma preparar uma iguaria de doce ou salgado e as compartilha com todos e com isso todos têm a oportunidade de provar vários tipos de comida. Largamente adotada pela comunidade nipo-brasileira, essa tradição aparentemente simples, conhecida como motiyori, é uma das responsáveis pela preservação de diversos aspectos da cultura japonesa, incluindo o costume de fazer o brinde com a palavra Banzai e o uso das expressões Itadakimasu e Gochisoosama antes e após as pessoas se servirem.

Foto: Nilza Okano

É a oportunidade de saborear o onishimê, tsukemono, sushi, hijiki gohan, harussame, mandiu, moti, kanten e outros pratos da culinária japonesa e também os preparados com carne bovina, peixes e frangos, massas, legumes e verduras em uma variedade de sabores, típicos da culinária brasileira.  

O costume do motiyori, além de não pesar no bolso dos organizadores nem dos participantes, é um grande exemplo de solidariedade, promovendo a união e uma maior integração entre as pessoas. Provando a comida preparada pelo amigo, vizinho ou parente o clima de intimidade se intensifica, é como se o salão fosse casa de todos – sem contar o prazer de poder apreciar uma boa comida preparada em casa.

Não chegamos a contar nestes encontros a proporção entre pratos da culinária japonesa e brasileira, porém constatamos que o grupo ainda conserva muitos dos hábitos alimentares dos pais e avós que vieram para o Brasil no século passado. 

Por conta da inserção da mulher no mercado de trabalho e talvez o pouco interesse pela atividade, está diminuindo o número de pessoas que produzem artesanalmente ingredientes como tofu, misô, natô, tsukemono e moti em casa. As famílias preferem frequentar os restaurantes especializados ou então adquirir estes produtos prontos em mercados, mercearias ou feiras.

Trocar receitas de comida é um costume comum entre os participantes do Grupo Hikari, daí surgiu a ideia da publicação de um livro de receitas.Como a maioria das pessoas não tem muito tempo para ficar na cozinha, optou-se pela seleção de pratos fáceis de preparar para serem consumidos no dia a dia e que fossem econômicos. Também foram incluídos outros, mais elaborados, que costumam ser servidos nos eventos festivos ou quando nos reunimos para realizar trabalhos em grupo com a finalidade de filantropia.

Foto: Alba Hino

Todos do grupo foram convidados para colaborar com pelo menos uma receita de doce ou de salgado, sem que necessariamente fizesse parte da culinária japonesa. O livro que está em fase de edição contém várias receitas que incluem o shoyu, saque, hondashi, gobu (algas), su (vinagre), shoga (gengibre), goma (gergelim), aji no moto, wasabi e kamaboko como ingredientes. Este fato serviu para demonstrar que as bases da culinária japonesa estão presentes no grupo.

Segundo um estudioso da área de Gastronomia, uma cultura não entra em contato com outra sem se transformar. O resultado disso são as opções de sushis preparados com cream cheese, maionese, morango, abacate ou manga, o sushi frito, croquete com aproveitamento do okara - resíduo do queijo de soja, harumaki recheado com goiabada e queijo, pastel com recheio de takenoko (broto de bambu), tofu (queijo de soja), temperado com azeite e pimenta-do- reino, enfim, uma infinidade de pratos em que se misturam ingredientes da culinária japonesa com a brasileira.

Pratos como o “philadelphia roll” produzidos com salmão, abacate e cream cheese podem agradar os brasileiros, porém dificilmente são encontrados em restaurantes tipicamente japoneses.

No período anterior e durante a 2ª guerra mundial, diante da falta do umeboshi, uma conserva semelhante à ameixa muito consumida no Japão, os imigrantes encontraram no fruto do hibisco de coloração avermelhada, uma alternativa de conserva para comer com o shirogohan aqui no Brasil.

Nos encontros semanais para treinar bon odori é servido ban-chá e cafezinho no intervalo da aula, enquanto alguns preferem o primeiro servido sem açúcar, outros não abrem mão do tradicional café brasileiro.

Na medida em que o tempo vai passando, os hábitos alimentares dos filhos, netos e bisnetos dos participantes do Hikari também vão se transformando como resultado da integração das duas culturas.

Com isso, é natural que as gerações mais novas nascidas no Brasil gostem de arroz com feijão, bife, batatinha frita e salada, feijoada, churrasco ou pizza, característicos da culinária local, mas é provável que parte desta geração prefira o arroz branco – shirogohan, feito na panela elétrica ao tradicional arroz temperado, o yakisakaná, peixe grelhado ao tradicional bife, o misoshiru, no lugar da sopa, o sashimi, à base de peixe cru, o tamagoyaki, omelete japonesa, e outras opções.

A culinária japonesa está se transformando para se adaptar ao paladar dos brasileiros, porém a nosso ver, as raízes devem ser preservadas pelos nikkeis, evitando que ela seja praticada fora das características originais de utilização, manuseio e conservação dos produtos.

Foto: Ronaldo Kondo

 

© 2017 Alba Shioco Hino, Nilza Matiko Iwakura Okano, Kiyomi Nakanishi Yamada

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Sobre esta série

Como a comida que você come expressa a sua identidade? Como a culinária ajuda a criar laços na sua comunidade e a unir pessoas? Que tipos de receitas foram passadas de geração à geração na sua família? Itadakimasu 2! Um Novo Gostinho da Cultura Nikkei revisitou o papel da culinária na cultura nikkei.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Editorial Committee’s Selections:

  Escolha do Nima-kai:

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About the Authors

Paranaense, graduada em História pela Universidade Estadual de Londrina - UEL e em Pedagogia pelo Centro de Estudos Superiores de Londrina - CESULON, professora aposentada da rede municipal e estadual de ensino. Bolsista do Governo Japonês-Ministério de Educação e Cultura na Universidade de Hiroshima entre 1987 a 1989. Participa do Grupo Hikari de Londrina, que tem como objetivo manter viva a cultura japonesa, responsável pela edição das fotos do site: www.hikarilondrina.com.br

Atualizado em junho de 2018


Natural de Arapongas, Paraná, graduada em Administração de Empresas pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Responsável pela administração de site e fanpage de empresa atacadista de joias e semijoias em Londrina, fotografando e produzindo vídeos para serem postados nos mesmos. Faz parte da coordenação do Grupo Ishindaiko de Londrina (taiko). Participa do Grupo Hikari de Londrina, que tem como objetivo manter viva a cultura japonesa, responsável pelas filmagens, produção e edição dos vídeos do site: www.hikarilondrina.com.br.

Atualizado em junho de 2018


Natural de Bebedouro no interior do Estado de São Paulo, graduada em Enfermagem pela Universidade São Paulo – USP, atuou como docente na Universidade Estadual de Londrina – UEL até se aposentar em 2010. Faz parte da equipe de produção do programa “Tecer Idades” da Rádio UEL FM da Universidade Estadual de Londrina, destinado ao público da terceira idade. Participa como voluntária em projetos ligados à área de envelhecimento humano e integra da diretoria da “Casa de Apoio ao Familiar de Idosos Acamados” em Londrina. Participa do Grupo Hikari de Londrina, que tem como objetivo manter viva a tradição e a cultura japonesa, responsável pela produção e redação de textos para o site: www.hikarilondrina.com.br

Atualizado em junho de 2018

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