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Feijoada?

Nunca imaginei que a feijoada pudesse ser algo repugnante aos olhos de uma pessoa. Mas a reação que vi de um jovem japonês ao provar esse prato, me fez mudar de ideia.

O rapaz havia acabado de chegar do Japão. Veio através de um programa de intercâmbio, estava ficando na casa de um amigo meu, e queria conhecer todos os clichês do Brasil.

Prometemos lhe apresentar as praias, o samba, a cachaça e o carnaval. Mas que, antes de tudo, ele teria que conhecer o nosso prato mais popular: a feijoada. Sugestão minha.

Fomos a um restaurante pequeno – daqui da Liberdade – que serve PF de feijoada toda quarta-feira. Sentamos a uma mesinha de lata e pedimos três pratos completos. Eu já lambia os beiços.

Quando a comida chegou, o rapaz ficou meio estranho. Parecia não ter gostado do que viu. Eu lhe expliquei – conversávamos em inglês – que aquilo era carne de porco, linguiça de porco, feijão preto e arroz branco, basicamente.

Mas ele não engoliu. Então eu disse a ele para que colocasse farofa, vinagrete e couve manteiga, para dar mais colorido ao prato. Ainda não.

Isso me deixou chateado. Senti que ele estava com muita frescura. Ora, o sujeito come gafanhoto, larva de abelha e peixe cru; e não come feijão preto com carne de porco?

É sério, caro leitor, ele olhava para a mesa como se o prato fosse uma poça de lama. E, depois que viu a folhinha de louro boiando, então, chegou à absoluta certeza.

Enquanto eu e meu amigo “chafurdávamos” em nossas feijoadas, ele preferiu ficar só na couve manteiga. Um verdadeiro fresco. Iria ter que jantar chouriço de sangue por ter feito pouco caso da feijoada. Se eu fosse para o Japão comeria até ensopado de água viva, numa boa – penso eu.

Então tive a ideia de apelar para algo mais lúdico. Pedi para o garçom um copinho de cachaça e uma laranja descascada. Instruí o rapaz a tomar a cachaça, comer a feijoada e, por fim, chupar a laranja. Nesta ordem.

Mas, depois da cachaça, ele passou logo para a laranja. Voltei a lhe explicar que, entre um e outro, havia o prato de feijoada. E ele se negou mais uma vez.

Minha insistência, às vezes, é de enlouquecer, admito. Então insisti para que ele comesse só um pedacinho de linguiça, para não dizer que não comeu nada. Mas ele também era insistente, e se negou.

Por sorte, meu amigo – sujeito cordial –, foi mais habilidoso com a situação. Disse para que ele não se forçasse a comer porque, depois, se ele quisesse, passaríamos numa casa de lamen que havia ali na esquina.

O rapaz não nos disse nada e não fez nenhum gesto de alívio, mas foi nítido que lhe escapou um fiapozinho de “Ufa!” de seus pulmões.

Além disso, ante a possibilidade de almoçar, ele também se mostrou mais flexível e topou comer um pedacinho de linguiça. Ficamos muito felizes por sua coragem.

E lá foi ele: puxou uma baita rodelona do meio do feijão. Cortou um pedacinho e o colocou na boca. Mastigou. Fez cara de surpresa. Achou gostoso... E fez com a cabeça que iria comer mais!

“Rá! Tá vendo? Experimentar não arranca pedaço de ninguém. E você gostou, né, olha só!?!”, eu lhe dizia isso, em português mesmo, enquanto ele mastigava todo feliz.

Mas, quando o rapaz virou a rodelona para averiguá-la melhor, percebeu que havia, bem no meio da peça, dois buraquinhos, um ao lado do outro. E foi aí que ele desistiu de vez. Era a ponta do focinho do porco.

 

© 2017 Hudson Okada

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About the Author

Udê, ou Hudson Okada, nasceu na cidade de Matão-SP, no dia 02 de agosto de 1979. Mora em São Paulo desde 2005. É neto de japoneses e adora escrever sobre a cultura nikkei.

Faz parte do time de colaboradores do site Descubra Nikkei e do site Tempos Crônicos.



Atualizado em abril de 2017

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