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Um convite à tradição e fé

A família de minha mãe se estabeleceu na cidade que hoje é Álvares Machado, no oeste paulista. Comprou terrenos na região e acabou por ceder parte das terras para a construção de uma escola e do cemitério japonês. No local estão sepultados membros da família Ogassawara e que recebe uma tradicional celebração há quase um século.

Tradição de quase um centenário

A tradição do Shokonsai – que significa “convite às almas para a missa” – surgiu a partir da celebração da primeira missa, no dia 15 de julho de 1920. Realizada todos os anos no segundo domingo de julho, tem média de público de 2.500 pessoas. A edição deste ano, o 97º consecutivo, teve a presença de três mil pessoas.

Dentre os preparativos, entre 40 a 50 pessoas da comunidade nipo-brasileira local fazem uma limpeza no sábado do fim de semana anterior ao evento e, na véspera, realiza os preparativos. Já a parte do palco é uma empresa que é responsável pela montagem.

Alberto Sano, de 76 anos, industrial aposentado, faz parte desde jovem das atividades da comunidade nikkei, desde 1980, ajudando na organização do evento todos os anos – segundo ele. Hoje é presidente da ACEAM – Associação Cultural, Esportiva e Agrícola Nipo-Brasileira de Álvares Machado, cargo que ocupa há cinco anos. Até então, tinha sido vice-presidente da associação.

A importância dessa celebração é o fato de este ser o único cemitério onde estão sepultados apenasjaponeses e seus descendentes, um marco histórico da imigração japonesa no Brasil. A preservação e conservação do cemitério é responsabilidade da ACEAM.

Além dos nipo-brasileiros, o presidente Sano diz que os não descendentes que participam têm curiosidade de observar o movimento, ver as apresentações, etc.

Programação solene e cultural

A programação começa logo cedo, às 9h. Primeiro, o culto – budista e que tem duração de uma hora – é celebrado na capela do cemitério. Em seguida, é a vez da reverência e a oração pela paz em memória aos soldados falecidos de todos os países na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Depois, autoridades – entre elas o cônsul – participam da abertura oficial do evento e apresentações de karaokê, danças típicas e folclóricas, taiko, são alguns dos destaques do palco.

No fim da tarde, o bon odori é a última atração antes do ritual das velas, que antecede o encerramento.

Fato curioso

Nestes 97 anos, nunca choveu no dia do Shokonsai – apenas antes ou depois. Além disso, às 17h, quando são acesas as velas em todos os túmulos, o vento cessa e é possível contemplar as chamas no local.

Helena Maria de Almeida Cararo, 30 anos, agente comunitária de saúde e jornalista, que se mudou para a cidade com seus pais aos 10 anos e onde se casou, se formou e mora até hoje, conta o que observou no evento de 2015 – experiência que virou livro-reportagem da faculdade de Jornalismo.

“Na noite anterior choveu muito durante a madrugada, até granizo caiu, e eu pensei que iria amanhecer chovendo. Mas quando a manhã chegou o sol raiou. Ventou durante todo o dia, mas na hora do acender das velas o vento parou totalmente.” E diz ainda: “Acredito que 97 anos sem chuva no dia e com o vento a não apagar as velas só acontece por causa da fé dos japoneses”.

Preservação da cultura trazida pelos imigrantes pioneiros

Na opinião de Alberto Sano, coordenador do evento, a cultura japonesa será preservada enquanto existir descendentes de japoneses e publicarem livros sobre a história dos imigrantes no Brasil.

O Shokonsai é o maior exemplo de atividade que mantém as tradições e a cultura. Mas a associação nipo-brasileira da cidade realiza sempre concursos de karaokê, além de servir yakisoba para arrecadar fundos e, consequentemente, se manter em funcionamento.

“Ninguém sabe o que vai acontecer, porque o pessoal da geração agora, 70-80 anos, é que está fazendo esses eventos. Daqui a pouco acaba tudo isso”, afirma o presidente da Associação Cultural, Esportiva e Agrícola Nipo-Brasileira de Álvares Machado. Na opinião de Sano, esta preservação da cultura nipônica vai depender dos jovens que são poucos no município, porque se mudam para outras cidades quando começam a faculdade e não voltam a morar lá.

Já Helena Cararo percebeu a importância desta tradição e viu no Trabalho de Conclusão de Curso a oportunidade de divulgá-la: “era preciso transmitir para as gerações futuras e também para as pessoas que não conhecem mais a fundo. Uma história de vida tão bonita não pode ser esquecida. O cemitério, um patrimônio tão importante, único da América Latina, não pode ser abandonado, é preciso guardar essa relíquia”.

“Eu me encantei por essa história e por esse povo, e gostaria que ao ler o meu livro, as pessoas também se apaixonassem por um povo tão lutador, que sofreu, mas venceu!”, finaliza.

O cemitério japonês

O cemitério de Álvares Machado é o primeiro e único só de japoneses da América Latina, tombado pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1980. Foi criado por volta de 1918 com a chegada dos imigrantes e a epidemia de febre amarela na região.

Lá estão sepultados 784 japoneses e descendentes diretos, e um brasileiro – Manoel, que foi morto ao defender uma família japonesa.

O cemitério japonês em Álvares Machado, São Paulo, é um marco histórico da imigração no Brasil que preserva uma tradição de quase 100 anos.


Referências:

Miyashita, Ryotaro. Cinquentenário da Colônia Japonesa de Álvares Machado.

Cararo, Helena. Shokonsai: A Vida Celebrando a Morte.

 

© 2017 Tatiana Maebuchi

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About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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