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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/7/20/nihongo-vai-e-vem/

Nihongo vai e vem

Tadatoshi e Setsuko, meus pais, chegaram à capital paulista, vindos de Vera Cruz, interior de São Paulo, em 1955, com 5 filhos. 

Depois de uma breve passagem por uma casa na zona leste, no distrito de Ermelino Matarazzo, meu pai adquiriu um mercadinho/mise, próximo dali.

Como os fregueses não aprendiam a pronunciar seus nomes, Tadatoshi virou Mário e Setsuko, Helena. Seu Mário e Dona Helena, tiveram que se comunicar em Português com os fregueses, com todas as dificuldades inimagináveis. Assim, o nosso Nihongo ficava restrito a algumas expressões e palavras como hai, iie, benjo, baka, itai e furo; cumprimentos como Ohayo, KonnitiwaKonbanwa e Sayonara; comidas: daikon e tsukemono, ah, e sake porque a gente também vendia cachaça e tabako. E outras palavras que sempre esqueço de lembrar. 

As escolas de Nihongo ficavam distantes de nossa vilazinha e assim meus irmãos e eu, sem estudá-lo, passávamos vergonha com a visita de algum parente ou amigo nipônico da família.

Lembro que, por volta de meio-dia, a gente chamava o pai para almoçar.

- Gohan!

E ouvia de um freguês engraçadinho: - Vai pegar rã, Seu Mário?!

A família assinava dois jornais: Jornal Paulista, que mais tarde foi adquirido pelo Jornal Nippak, da comunidade japonesa, e o Diário Popular, que não existe mais. Quando o jornal caía, a piada era inevitável:

- o jornal... shimbum! no chão.

Shimbum! era uma onomatopeia do barulho do jornal caindo no chão.

Meus melhores amigos eram os irmãos Ietsugu: Hiroshi, Sigueru e Massatoshi. Na casa deles, conversavam com a okaasan em nihongo. Eu ouvia, imaginava o teor da conversa, mas raramente perguntava o significado de alguma palavra. Tímido, no máximo arriscava um mizu doozo. Graças aos Ietsugu, participei de um undoukai, mas no final da corrida, quando eu liderava, caí. Sem o undou, meu mundo kai(u) e perdi a prova.

Meus colegas nisseis do curso ginasial, atual ensino fundamental I, estudavam Nihongo porém tinham dificuldades com o Português. Lembro de uma gincana de Português que quem errava a questão que vinha num papel enrolado, era eliminado. Dos 9 ou 10 nisseis, somente eu segui na competição com o amigo Amaury. Na semana seguinte, com a presença do diretor da escola, venci o duelo final. Essa façanha escolar me direcionou às Letras e Ciências Humanas enquanto Hanada & cia. automaticamente tomavam o rumo das Exatas e Economia. Inconscientemente, se sedimentava a ideia errônea de que o Nihongo não me faria falta.

No colegial, hoje curso Fundamental II, a professora Avelina, de Português, elogiava minhas redações. Nessa época, eu escrevia poesias e cheguei a publicá-las na página de poesia da revista A Recreativa e na capa em português do Jornal Paulista, no início dos anos 1970. O Nihongo se distanciava cada vez mais.

No Festival Internacional da Canção, na TV Globo, Kyu Sakamoto fez sucesso com a canção Sayonara, Sayonara, anos antes, Sukiyaki, de Rokusuke Ei, virou um hit no Brasil.  Decorava as letras e cantava em japonês, sem entender o sentido das músicas. Isso já tinha acontecido quando a música italiana imperava e eu cantava em italiano sem entender bulhufas, assim como cantava as canções dos Beatles com o meu precário English. Ao menos, o Nihongo sobrevivia na minha memória.

Nos anos 80, fiz um breve curso de Conversação de Japonês mas devido às gafes como chamar a colega médica de oishii em vez de ishi, constrangido, desisti do curso.

Além de English, aprendi um pouco de Français e Español. Sempre gostei de brincar com palavras de outros idiomas. Por exemplo, sei de frases em Português que parecem ser de outra língua. Por exemplo, “Comer maçã faz suar.”, não parece uma frase em Francês? E “O ó tem som de u?”, não lembra o Inglês? E “Se aqui nevasse, usava esqui?” Não parece alguém falando Russo? E “As aftas ardem e as hemorroidas idem”, não soa como Alemão? As frases que parecem Japonês estão no depoimento que prestei à Fundação Japão-SP sobre o Curso Marugoto, em 2013.

“Quando fiz 60 anos, desisti e disse: Sayonara, Nihongo! Até que fiquei sabendo do Curso Marugoto. Aos poucos fui do あいうえお/aiueo até o やゆよ/yayuyo. O mistério acabou. Eu só sabia falar, em Japonês, “Bambu vara de pescar” e “Chiclé goma de mascar”, agora sei falar Doozo yoroshiku e Tanjoobi Omedetoo. E digo Sumimasen quando quero sumir mais cedo da aula. O curso é “3 D”: Democrático, dinâmico e divertido. Outro D: é Demais! Por isso, ao sair do Marugoto, não digo apenas Sayonara! mas também Arigatoo!”

Estava animado com o curso até que apareceram os kanji. Achei-os extremamente muzukashii e desisti do curso novamente.

Turma de Nihongo, na Fundação Japão São Paulo, em 2012.

Em 2014, para grande surpresa minha, o meu texto sobre Nomes Nikkeis foi publicado no site discovernikkei.org. em diversos idiomas. Mesmo assim, não me animei a voltar ao curso de nihongo.

Para não esquecer o nihongo, fiz textos mnemônicos:

Minha Família 

Olá, sou Watashi Kazoku e quero te apresentar a minha família. Meu pai é Chichi, não espalha, e a minha mãe é Haha,engraçado,né?; meu mano mais velho é Ani e a minha irmã mais velha é a Ane; meu irmão mais novo é o Otooto e a minha irmãzinha é a Imooto. Meu avô é Sofu; a minha avó é Sobo.  Minha mulher é a Tsuma Kanai. Meus filhos são Oniisan, o mais velho; Oneesan, a mais velha, Otootosan, o mais novo, e Imootosan, a mais nova. Meu cachorro chama-se Inu e o gato é o Neko

Meus amigos 

Sou feliz porque tenho amigos de todos os tipos. Veja: 

O melhor:  Oto Modachi

A do lado: Naomi Yoko

A do metrô:  Chica Tetsu

A bancária: Eliza Ginkooin

A pequena:  Chisato Chiisai

O interessante: Luciano Omoshiroi

O dentista: Leonardo Haisha

A artista: Tereza Origami

A engraçada:  Eriko Tanoshii

A sensei: Maki Kyooshi

O engenheiro: Paulo Enginia

O importante: Sussa Taisetsu

O decorador: Matheus Ike Bana

O bebedor: Sake Nomimasu

O estilista: Diego Fasshon

O sushiman:  Hiroyuki Tempura

O poeta: Genésio Haiku

O jornalista: Aldo Shimbum

O jornalista 2: Alex Nippaku

A fotógrafa: Luci Shashin

O faz-tudo: Leão Shimasu

O educado:  Renato Oneigashimasu

O triste: Carlos Kanashii

O alegre:  Andoré  Ureshii

A folgada:  Hiromi Hima

A vegetariana: Celia Yasai

O aniversariante:  Kyoo Tanjobi

A ocupada: Toire Isogashii

A médica: Vanessa Isha

O surdinho: Moo Ichido

O comilão: Hayashi Hashi

O ator: Ricarudo Kabuki

O advogado: Lauro Bengoshi

O frangólatra: Tonico Toriniku

A do verão: Natsume Natsu

O do outono: Akira Aki

A primaveril: Haruko Haru

O fraternal: Ietsugu Maitoshi

O consumista: Kyoko Kyaku

O fumante: Coutinho Suimasu

O peixeiro: Claudio Sakana

O futebolita: Ivan Sakkaa

O pescador: Denis Tsuri

A estudiosa:  Claudine Benkyoo

O pop e chic : Bruno Mangá

A animada: Alessandra Anime

O coreano:  Arumando Kankoku

A “chinesa”:  Letícia Chuugoku

O passageiro:  Basu Subo Desu

O cantor: Karake Utaimasu

A avó:  Sumako Morita Sobo

O surfista: Taka Surufa Honda

A bonita: Lyvia Matsubarashii 

Agora, com 64 anos, será que sou um caso perdido? Serei um bakka para sempre? rsrs Como estou acalentando o sonho de conhecer o Japão, Nihon go! num futuro próximo, devo voltar ao nihongakkoo para aperfeiçoar meu Nihongo. Não quero ser um estranho no ninho. Não quero ser um estranho no Nihon.

 

© 2016 Jorge Nagao

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Sobre esta série

Arigato, baka, sushi, benjo e shoyu—quantas vezes você já usou estas palavras? Numa pesquisa informal realizada em 2010, descobrimos que estas são as palavras japonesas mais utilizadas entre os nipo-americanos residentes no sul da Califórnia.

Nas comunidades nikkeis em todo o mundo, o idioma japonês simboliza a cultura dos antepassados, ou a cultura que foi deixada para trás. Palavras japonesas muitas vezes são misturadas com a língua do país adotado, originando assim uma forma fluida, híbrida de comunicação.

Nesta série, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. No total, cinco histórias favoritas foram selecionadas.

Aqui estão as histórias favoritas selecionadas.

  Editorial Committee’s Selections:

  • PORTUGUÊS:
    Gaijin 
    Por Heriete Setsuko Shimabukuro Takeda

  Escolha do Nima-kai:

Para maiores informações sobre este projeto literário >>


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About the Author

Jorge Nagao nasceu em Vera Cruz-SP, em 1952. Mora em São Paulo. Colaborou na seção de humor da Folha de S.Paulo e no famoso semanário humorístico Pasquim, nos anos 1980. Desde 2010 é colunista do jornal Nippak/Brasil e integra a constelação do www.algoadizer.com.br.

Atualizado em novembro de 2014

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