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Jogos Olímpicos de Helsinque: três atletas de sangue japonês e de três diferentes nacionalidades dominam o pódio – Tetsuo Okamoto, medalhista dos 1.500m nado livre: “Eu nadei para demonstrar o espírito japonês”

Faltando dois meses para os Jogos Olímpicos de Verão, mais comumente Rio 2016, será que é do seu conhecimento que houve uma olimpíada em que três atletas de sangue japonês e de três diferentes nacionalidades monopolizaram o pódio? Foi em 1952 nos Jogos Olímpicos de Helsinque, nos 1.500 metros nado livre foram vencedores: em primeiro lugar, Ford Konno, Nikkei americano natural do Havaí; em segundo, Shiro Hashizume, do Japão e em terceiro lugar, o Nikkei brasileiro Tetsuo Okamoto. Além de se tornar herói por ter conquistado a primeira medalha olímpica da história da natação brasileira, Tetsuo Okamoto foi o pioneiro da comunidade Nikkei. Este episódio é digno de ser lembrado pelos nikkeis do mundo inteiro toda vez que houver uma olimpíada.

Tetsuo Okamoto (falecido em outubro de 2007) nasceu em Marília em 1932. Seu pai Sentaro é natural de Hokkaido e sua mãe Tsuyoka, da província de Fukuoka. Situada a 440 quilômetros a noroeste da capital do Estado, Marília é uma das cidades da Alta Paulista que mais se desenvolveram. Antes e depois da guerra, milhares de famílias de imigrantes japoneses dedicaram-se à agricultura nos arredores e, mesmo sendo interior do Estado de São Paulo, a presença japonesa ali era notável.

O registro de nascimento de Tetsuo foi de número 36, portanto, ele faz parte da história da cidade. Começou a nadar aos sete anos de idade, em 1940, pouco antes do início da Guerra do Pacífico.

Nikkey Shimbun de 14/08/2004

Segundo o Jornal Paulista de 18/09/1952, foi em 08/10/1940 que Shinzo Tozaki e Yoichi Yamazaki terminaram de construir com recursos próprios uma piscina na fazenda de sua propriedade e que foi chamada de “Piscina de Japonês”. Tinha 25 metros de comprimento por 12 metros de largura. O orçamento que estava previsto para 30 contos, acabou sendo de 50 contos. Naquela época, era muito raro um japonês possuir uma piscina.

O garoto Tetsuo, que sofria de asma, começou a nadar nessa piscina por recomendação dos pais que queriam que ele fortalecesse o corpo. O jornal Nikkey Shimbun de 14/08/2004 relata como foi esse começo: “Como era interior, a piscina não era de azulejos, foi construída represando um pequeno rio onde sempre havia sapos nadando. Ao começar a andar, as águas ficavam turvas e se abrisse os olhos dentro da água não se podia ver nada”.


Uma luz de esperança num período difícil para os imigrantes japoneses

No período que antecedeu a guerra e mesmo depois, quando Tetsuo contava pouco menos de 10 anos de idade, os imigrantes japoneses enfrentaram tempos muito difíceis.

Em 1937, com o estabelecimento do governo autoritário de Getúlio Vargas, uma das medidas adotadas foi promover o nacionalismo e, no ano seguinte, foi proibido o ensino de língua estrangeira a crianças menores de 10 anos. No final do mesmo ano, todas as escolas de língua estrangeira (japonês, alemão, italiano) foram fechadas. Em julho de 1941, todos os jornais de língua japonesa tiveram de cessar as publicações. Foi como se as esperanças no futuro (educação japonesa para as crianças), os olhos e os ouvidos (notícias em japonês) fossem roubados quase que ao mesmo tempo.

Em janeiro de 1942, foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência Pan-Americana de Negócios Estrangeiros por iniciativa dos EUA. Com exceção da Argentina, dez países da América do Sul resolveram romper relações diplomáticas com as potências do Eixo – Japão, Alemanha, Itália – e no mesmo mês de janeiro, 29, o governo brasileiro declarou o rompimento de relações com o Japão, Alemanha e Itália.

Com respeito às “nações inimigas”, a Secretaria de Administração do Estado de São Paulo estabeleceu medidas de controle: “proibida a distribuição de material escrito na língua de seu país”, “proibido o uso da língua de seu país em locais públicos”, “proibido o ir e vir sem portar o salvo-conduto emitido pela Secretaria”, “proibida a mudança de endereço sem comunicação à Secretaria”. Tais medidas foram severamente impostas aos imigrantes japoneses.

A recém-construída “Piscina de Japonês” apresentou irregularidades na documentação e seu uso foi logo proibido. Imediatamente, dirigiram-se à Capital para consultar o secretário de Estado da Secretaria de Esportes.

Então algo surpreendente aconteceu: “Além de serem orientados com presteza a como proceder com a documentação, o secretário Padilha concedeu-lhes permissão para reabrir a piscina que ficou fechada durante a guerra. Era como se o secretário Padilha fizesse Okamoto nascer para o mundo” (jornal acima referido). Por um tratamento excepcional dado às “nações inimigas”, Tetsuo Okamoto conseguiu prosseguir praticando natação.

Logo após o término da guerra, em março de 1946 começaram os conflitos envolvendo os vitoristas (aqueles que acreditavam na vitória do Japão) e os derrotistas (os que reconheciam a derrota japonesa), o que lançou a comunidade Nikkei numa situação caótica sem precedentes.

Desde 1941, quando os jornais em língua japonesa foram fechados, os imigrantes japoneses só contavam com as notícias oficiais do governo japonês a que tinham acesso pelas ondas curtas da “Rádio Tóquio”, pois não lhes saía da cabeça que os jornais brasileiros traziam informações conspiradoras a favor dos Estados Unidos.

Por esse motivo, os imigrantes dividiram-se em dois grupos: “kachigumi”, que não acreditava na veracidade da rendição incondicional do Japão e “makegumi”, que logo reconheceu a derrota japonesa, e a comunidade se defrontou com uma crise que resultou na morte de mais de 20 pessoas e que atingiu o seu auge no período de abril a julho de 1946, prosseguindo até o início do ano seguinte.

No final de 1946, os jornais em língua japonesa voltaram a ser publicados e a tendência era de a situação se normalizar, mas nos 10 anos seguintes essa divisão em dois grupos continuou existindo.

Foi em 1948, quando a repercussão dos conflitos ainda persistia, que Tetsuo com apenas 16 anos participou da Competição Sul-Americana de Natação realizada no Uruguai.

Seu pai Sentaro ficou muito feliz e compôs versos que falavam da “primeira batalha na competição de natação e a noite na capital” (Yukimura).


Os Peixes Voadores de Fujiyama mudaram o destino de Tetsuo

Em março de 1950, um acontecimento mudou a vida de Tetsuo. Uma delegação de nadadores japoneses desembarcou no Brasil no dia 4 de março, como primeiro passo para estreitar as relações entre Brasil e Japão no pós-guerra. Eram os nadadores Hironoshin Furuhashi, Shiro Hashizume e Yoshihiro Hamaguchi, que ficaram conhecidos como os “Peixes Voadores de Fujiyama”, acompanhados do técnico Masanori Yusa e do capitão Shuichi Murayama. Na época, Tetsuo certamente nem imaginava que um dia fosse competir com Shiro Hashizume nos Jogos Olímpicos.

Tetsuo, que já representava o Brasil, passou a acompanhar a delegação japonesa durante dois meses, participando de certames amistosos que se realizaram na capital de São Paulo, Marília (SP), Londrina (PR), locais de grande concentração de população nikkei. Tetsuo ficou muito impressionado com os nadadores mais velozes do mundo.

Por ter sido derrotado na guerra, o Japão não participou dos Jogos Olímpicos de 1948 em Londres. Mas assim que foi reconhecida a volta do Japão para a Federação Internacional de Natação em junho de 1949, Hironoshin Furuhashi, Shiro Hashizume e mais quatro nadadores foram convidados a participar em agosto do mesmo ano da Competição Nacional em Los Angeles, quando eles estabeleceram o recorde mundial nos 400m, 800m e 1.500m nado livre.

Como isso foi antes da assinatura do Tratado de San Francisco ou Tratado de Paz com o Japão (1951), não havia dólares americanos em território japonês e foi graças às doações da diretoria da Federação Japonesa de Natação e dos nikkeis americanos que o recorde mundial foi estabelecido. Os jornais locais da época teceram elogios chamando os nadadores de “Peixes Voadores de Fujiyama”, fato que deu novo ânimo ao povo japonês.

No ano seguinte, depois de participar na Competição nos Estados Unidos, os nadadores japoneses foram convidados pelo Ministério de Esportes do Brasil a percorrer a América do Sul – eram os “peixes voadores” dos dias de glória. Aproveitando a ocasião, realizou-se a Competição Nacional de Natação na Piscina do Pacaembu, na capital de São Paulo, quando Hironoshin Furuhashi realizou a façanha de estabelecer o recorde sul-americano nos 400m nado livre.

Foi nessa ocasião que, por um gesto especial do governador do Estado, os imigrantes japoneses receberam um grande presente. Passados oito anos do rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Japão, a bandeira japonesa foi hasteada em local público. Para os imigrantes japoneses que tinham passado por duras experiências no período da guerra, foi um fato que lhes trouxe consolo e novas forças.

A trajetória de 30 anos da colônia segundo o Jornal Paulista” (1977) Matéria sobre a visita da delegação japonesa à página 16.

“A única forma de melhorar seu desempenho é aumentar a quantidade de treinos”, foi este o conselho que Tetsuo recebeu dos nadadores japoneses. Ele treinava apenas mil metros por dia, mas a partir daí aumentou para 10 mil metros, meta que cumpriu com todo rigor por toda a vida (Nikkey Shimbun).

Quando Tetsuo faleceu, o jornal Folha de São Paulo de 03/10/07 publicou o seguinte: “Na época, como não era piscina aquecida, ele teve de lutar contra o frio e, com os olhos vermelhos devido ao cloro, nadava dez mil metros todos os dias feito um louco”. E foi exatamente isto que transformou a sua vida.

Mesmo com a chegada da delegação japonesa de natação, era uma época em que havia muitas pessoas que se diziam vitoristas, não acreditando na derrota de seu país. Em novembro de 1950, a polícia de Marília prendeu 50 membros de um grupo chamado “Kokumin Zen Eitai”, que extorquia dinheiro dos vitoristas sob o pretexto de custear a volta ao Japão. Foi uma época em que os conflitos entre vitoristas e derrotistas ainda repercutiam na cidade.


O herói se distingue pelo treinamento especial

O treinamento especial a que Tetsuo se submeteu logo mostrou resultado. Ele foi campeão nos 400m e 1.500m nado livre nos Jogos Pan-Americanos realizados em Buenos Aires, Argentina, em 1951, sendo o primeiro nadador brasileiro a conquistar medalha nos Jogos Pan-Americanos.

Em 1950, o Brasil sediou pela primeira vez a Copa do Mundo e sofreu amarga derrota nas finais enfrentando o Uruguai e ainda não estava refeito do choque. Marília, a terra natal de Tetsuo, decretou feriado e o povo recepcionou entusiasticamente o seu campeão. Ocorre que, enquanto Tetsuo desfilava pela cidade em carro aberto, ladrões invadiram sua residência, levando dinheiro e objetos de valor. Um episódio suplementar bem do jeito brasileiro.

A comunidade nipo-brasileira de Marília quis festejar o feito de Tetsuo, presenteando-o com um carro, mas ele não aceitou: “O atleta olímpico tem que ser amador. Se receber um presente que pode não ser um prêmio, ele deixa de ser amador”.

Diferente de agora, era uma época em que os atletas profissionais não podiam participar.

Jornal Paulista de 06/09/1952. “O abraço da alegria”, Tetsuo Okamoto em visita ao governador do Estado de São Paulo.

E nos Jogos Olímpicos de Helsinque (1952), na categoria 1.500m nado livre subiram ao pódio: em primeiro lugar, o Nikkei americano natural do Havaí Ford Konno; em segundo, o japonês Shiro Hashizume e em terceiro, o Nikkei brasileiro Tetsuo Okamoto.

Segundo o Nikkey Shimbun citado anteriormente, na última volta dos 1.500m, Tetsuo sentiu que ia perder os sentidos, mas lembrou-se das palavras de seu pai: “Você é um descendente de samurai, mostre primeiro o espírito japonês e depois morra” e então ele nadou com todas as suas forças. Um comentário condizente com a época. E quando soube que havia se classificado em terceiro, não teve palavras, apenas derramou lágrimas de alegria.

O fato de subir ao pódio junto com Shiro Hashizume que, dois anos antes, fez parte da delegação japonesa que assombrou o Brasil, foi uma emoção muito grande para Tetsuo.

Ford Konno nasceu em 1933 no Havaí, cursou a Mckinley High School em Honolulu e a Universidade de Ohio, onde atuou como nadador. Nos Jogos Olímpicos de Helsinque conquistou três medalhas, sendo duas de ouro e uma de prata; nas Olimpíadas de 1956 em Melbourne obteve a medalha de prata, tornando-se um herói da natação norte-americana.

Mas Hironoshin Furuhashi, o famoso “Peixe Voador de Fujiyama”, enquanto excursionava pela América do Sul foi acometido de disenteria amebiana, o que influiu na sua classificação nos 400m nado livre em Helsinque, ficando em oitavo lugar. Embora tivesse estabelecido inúmeros recordes mundiais, não conquistou nenhuma medalha em olimpíadas.

Quando Tetsuo faleceu no dia 2 de outubro de 2007, a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos decretou luto de três dias.

 

© 2016 Masayuki Fukasawa

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About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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