Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2016/2/4/6127/

Cozinha Nikkei: história, evolução e expansão internacional. Dos huariques à conquista do mundo

Maki Acebichado, uma das inovações da culinária Nikkei. (Foto: APJ/Jaime Takuma).

Em junho de 2015, o restaurante Maido de Mitsuharu Tsumura foi classificado entre os 50 melhores do mundo, segundo ranking da revista Restaurant. Foi um marco para a culinária Nikkei. Tsumura então declarou: “O mais lindo é que é a primeira vez na história que um restaurante Nikkei, com esse estilo de cozinha, entra numa lista como essa”. Maido ficou em 44º lugar.

Mitsuharu Tsumura, principal representante da culinária Nikkei (Foto: APJ/Óscar Chambi).

Pouco antes, em fevereiro, o chef destacou na cimeira gastronómica Madrid Fusión 2015 que a cozinha Nikkei é o “resultado do encontro e do diálogo entre duas culturas”, a peruana e a japonesa. Não é comida japonesa com ingredientes peruanos ou comida peruana com ingredientes japoneses, mas sim uma mistura cultural.

Ele se usou como exemplo: “Eu pareço japonês, poucas pessoas na rua diriam por causa da minha aparência que sou peruano, até que saia aquela maldade da culinária peruana, de tempero e limão”.

O artista Eduardo Tokeshi costuma dizer algo semelhante: “Sou uma garrafa de sillao com Inca Kola dentro” (frase que admite uma variante do próprio Tokeshi: saquê em vez de sillao). Uma definição que poderia ser estendida ao resto do Nikkei e à culinária criada pelos imigrantes japoneses no Peru. Mitsuharu declarou certa vez ao jornal El Comercio: “Definir o que é a culinária Nikkei é como definir a nós mesmos”.

Um prato à base de ouriço que apresentou no Madrid Fusión, com lula, leite de tigre e nori, entre outros elementos, resumiu esse encontro: “Um prato esteticamente muito japonês, que quando se coloca na boca é uma explosão peruana”.


GASTRONOMIA NIKKEI EM TRÊS VEZES

No livro Nikkei é Peru , cuja autoria divide com a escritora Josefina Barrón, Mitsuharu afirma que a culinária Nikkei tem três etapas.

A primeira, localizada na década de 1950, quando os imigrantes japoneses preparavam a comida peruana em pousadas ou modestos negócios. Restaurantes como o La Buena Muerte, de Minoru Kunigami, nome capital da história da culinária peruano-japonesa, estão abertos. “Eles não sabiam que eram pioneiros de uma nova forma de cozinhar. Tratava-se de sobreviver fazendo o melhor que sabiam fazer. O sabor japonês estava se infiltrando no tempero crioulo.”

Pioneiro. Minoru Kunigami, do restaurante La Buena Muerte, é considerado o fundador da culinária Nikkei. (Foto: Arquivo da família).

Kunigami foi autor de criações de sucesso como o sanduíche de tempura de prata e o tamale kamaboko.

“Todo império precisa de um fundador e esse poderia ser Minoru Kunigami (1918-2004), um chef que cativou uma população acostumada ao frango e à carne com sua proposta de peixes e frutos do mar. Kunigami reeducou o paladar Lima e popularizou os alimentos crus.”

A segunda, ambientada na década de 1970, quando chefs japoneses como Nobuyuki Matsuhisa (Nobu) e Toshiro Konishi chegaram ao Peru. “As empresas japonesas chegam e precisam ter uma cozinha própria, tão acostumadas quanto estão com sua dieta, técnica e sabores.” Cozinha tradicional japonesa.

Toshiro Konishi chegou ao Peru na década de 1970 com Nobu. É um porta-estandarte da culinária tradicional japonesa. (Foto: APJ/Óscar Chambi)

Na terceira etapa, “os dois aspectos se unem. “Japonês e crioulo com toques japoneses.” Nasce o sushi Nikkei. “(O restaurante) Edo é um dos melhores representantes desta época. Edo levou o mundo dos makis para mais moradores de Lima, com preço mais baixo e sabores bem crioulos.”

A nova geração de chefs Nikkei tem como representantes reconhecidos Mitsuharu, Hajime Kasuga, Rafael e Toshi Matsufuji, Diego Oka e Yaquir Sato, entre outros.


DO PRIMEIRO JAPONÊS QUE DEU PASSO EM LIMA

Humberto Sato, figura emblemática da culinária Nikkei. (Foto: APJ/Álvaro Uematsu)

A gastronomia Nikkei tem outra figura emblemática: Humberto Sato. Para ele, “a culinária Nikkei sempre existiu, desde os primeiros japoneses que pisaram em Lima. Não havia wasabi , (então os japoneses) kion ralado ou mostarda em pó comprada de outra forma. Não era a mesma coisa, mas no final das contas bastava, servia como wasabi. Surgiu por necessidade. Shoyu não veio do Japão, tiveram que fazer aqui, modificando e experimentando.”

Embora o mesmo oceano banhe os dois países, os japoneses aproveitaram melhor seus recursos. Sato lembrou que quando era criança “em Barranco, em Agua Dulce, o polvo saiu do mar. Todos correram, os japoneses os pegaram. Meu pai pescava caranguejos no cais de Água Dulce, em boa quantidade e grandes. Todo mundo decolou, para não cair e morder você. O polvo não foi consumido, o caranguejo menos ainda.”

Os japoneses contribuíram para que os moradores de Lima valorizassem os produtos que o mar dava e o ceviche fosse servido fresco. “Antes o ceviche era preparado às 8 da manhã, eram 3 da tarde e continuava sendo vendido. Agora não, você pede o ceviche e está pronto. Essa é a influência japonesa.”

Embora na prática já existisse, a culinária Nikkei só foi batizada como tal na década de 1980 pelo poeta Rodolfo Hinostroza, exultante com uma chita com pimenta preparada por Sato que o fez exclamar que havia descoberto o sabor Nikkei. Tudo o que ele precisava fazer era gritar “Eureka!”


RECONHECIMENTO MUNDIAL

A rigor, a culinária Nikkei deveria se referir a toda culinária feita por descendentes de japoneses fora do Japão, não apenas à culinária peruana. No entanto, o seu reconhecimento é tão grande a nível mundial que se tornou sinónimo da cozinha peruano-japonesa, como destacou o espanhol Ferran Adrià. Motivo de orgulho para os Nikkei peruanos, destaca Mitsuharu.

Já em 2011, o visionário Adrià, considerado o melhor chef do mundo, previu que a cozinha peruana que “funcionará melhor no exterior será a Nikkei”.

Há alguns anos, seu irmão Albert abriu em Barcelona o Pakta, um restaurante de cozinha Nikkei que em 2014 obteve sua primeira estrela Michelin, a maior distinção do mundo gastronômico.

Num vídeo promocional do Pakta, recorda-se que os imigrantes japoneses começaram a chegar ao Peru em 1899 e que “os produtos e técnicas da cozinha japonesa também viajam com eles, e juntam-se às cores e sabores da cozinha peruana”.

Pakta significa “união” em quíchua e oferece dois cardápios: Machu Picchu e Fujiyama. Uma declaração de intenções.

Cafeteria japonesa em Lima do início do século XX. (Foto: Museu da Imigração Japonesa ao Peru “Carlos Chiyoteru Hiraoka”).

Na Espanha há outro representante da culinária Nikkei, o peruano Luis Arévalo, proprietário e chefe de cozinha do restaurante Kena em Madri, “onde o Peru encontra o Japão”.

“Falar de Kena é falar da culinária Nikkei, ou seja, daquela fusão das cozinhas japonesa e peruana resultante da onda de imigrantes japoneses que chegou ao Peru no final do século XIX. “Kena representa a evolução da cozinha Nikkei, muito mais cosmopolita e global, em que o produto, tratado com as técnicas mais tradicionais japonesas, torna-se protagonista absoluto de um ponto de vista muito pessoal”, afirma no seu site.

Arévalo trouxe a gastronomia Nikkei para a França, onde é diretor gastronômico do restaurante K'ORI, no centro turístico de Saint-Tropez. Lá servem, por exemplo, sushi e tiraditos.

Tsumura também trouxe a culinária Nikkei para Milão, Itália. Em julho participou do programa “Peru, alimenta sua alma” organizado pela Promperú, para apresentar pratos inovadores como polvo de azeitona com tofu e quinoa preta.

Nossa cozinha tem cada vez menos limites. Na China, o hotel MGM Grand Macau vai abrir em 2016 o restaurante AJI (para “ají” em espanhol e “sabor” em japonês), um projecto liderado por Mitsuharu, que garante que pela primeira vez na Ásia as pessoas vão desfrutar “do magia, os sabores e o caráter distintivo da minha culinária nikkei peruana.”

Na América do Sul, a culinária peruano-japonesa está presente em países como Argentina, Chile, Brasil e Equador, por meio de restaurantes como Osaka.

Mitsuharu Tsumura sempre lembra que a culinária Nikkei não começou com makis, mas com ceviches, e que pioneiros como Kunigami preparavam uma culinária crioula com influência japonesa. Cerca de 60 anos depois, a gastronomia que nasceu da necessidade e da criatividade dos imigrantes japoneses continua a evoluir e começa a conquistar o mundo.

SUMILLA: Embora na prática já existisse, a culinária Nikkei só foi batizada como tal na década de 1980 pelo poeta Rodolfo Hinostroza, exultante com uma chita com pimenta preparada por Sato que o fez exclamar que havia descoberto o sabor Nikkei.

* Este artigo foi publicado graças ao acordo entre a Associação Japonesa Peruana (APJ) e o Projeto Descubra Nikkei. Artigo publicado originalmente na revista Kaikan nº 100 e adaptado para o Descubra Nikkei.

© 2015 Texto y fotos: Asociación Peruano Japonesa

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About the Authors

Enrique Higa é peruano sansei (da terceira geração, ou neto de japoneses), jornalista e correspondente em Lima da International Press, semanário publicado em espanhol no Japão.

Atualizado em agosto de 2009


A Associação Peruano Japonesa (APJ) é uma organização sem fins lucrativos que reúne e representa os cidadãos japoneses residentes no Peru e seus descendentes, como também as suas instituições.

Atualizado em maio de 2009

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