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Ser nikkei brasileira: ontem e hoje

Da infância até a vida adulta, posso dizer que como brasileira nikkei vivi e vi alguns aspectos da convivência entre descendentes. Observei também que a cultura japonesa tem se popularizado aos poucos e isto com certeza influenciou, junto com outras mudanças – por exemplo, a visão que tenho de minhas raízes – a forma como vivo hoje em relação à comunidade nipo-brasileira e a de não descendentes.


Raízes nipônicas

Lembro que durante minha infância diversas vezes me perguntavam se era sansei (descendente de terceira geração, neto de japoneses) ou yonsei (descendente de quarta geração, bisneto de japoneses), mas não entendia o que queriam dizer. Meus pais sopravam a resposta para mim: yonsei. Descobri o significado e a lógica existente nessas palavras só quando fiz uma imersão na cultura japonesa, quando trabalhei no Bunkyo de São Paulo.

Na escola, quando ainda era pequena, meus colegas se referiam a mim como “japonesa” e faziam brincadeiras, perguntando se conseguia enxergar, porque diziam que meus olhos pareciam estar fechados.

Depois, na adolescência, falavam que eu e outros descendentes éramos super inteligentes, visão que hoje em dia ainda se tem sobre os nipo-brasileiros. Para mim, os nikkeis são muito esforçados e dedicados no que fazem.


O uso e aprendizado do nihongo

Muitas pessoas se surpreendem quando conto que estudei em colégio alemão. Até fazer curso de Japonês, já tinha aprendido um pouco de Alemão, Inglês e Espanhol. Alguns até falavam que como descendente deveria saber falar a língua materna de meus bisavós, o nihongo.

Entre família, mais durante minha infância, usávamos expressões do dia a dia em Japonês, um costume que – com o tempo – perdemos. Minha avó por parte de pai chegou a me ensinar a contagem de números de 1 a 10 e algumas palavras e frases.

Percebi que quem tem mais contato com o Japão ou japoneses costuma usar palavras no idioma desse país, como Nihon (“Japão”), arigatou (“obrigado”), daijoubu (“tudo bem”, “está tudo bem”, “ok”) e onegai (“por favor”). Quando fiz aulas, também falava assim!


Comida brasileira e japonesa

É bem provável que a alimentação seja a única parte de minha vida em que sempre existiu a cultura brasileira e japonesa misturadas. Minha família fazia – e ainda faz – churrasco com gohan, comia futomaki junto com outros pratos daqui e da culinária japonesa, inclusive na ceia de Natal e Ano Novo. Até mochi e manju entram no cardápio de café da manhã ou lanche da tarde ou mesmo como sobremesa.

Minhas avós costumavam preparar algumas comidas típicas. Já hoje é mais fácil comprar pronto ou um obento (“marmita”). Mesmo porque nos dias atuais há mais mercados que vendem produtos japoneses que uns anos atrás. Existem também mais restaurantes de culinária japonesa, que agora é muito popular e valorizada no Brasil.

Comidas brasileiras e japonesas sempre fizeram parte das refeições em família (foto: Tatiana Maebuchi)


Nikkei hoje: sociedade e costumes

Curioso é que já vivenciei algumas situações em que brasileiros não descendentes comentavam que qualquer oriental semelhante a um nikkei era “um japa”. Talvez porque hoje em dia seja bastante comum ver nipônicos no Brasil, mas também talvez seja um pouco impensado, já que existem muitos chineses e coreanos por aqui.

Pelo menos em São Paulo já é assim. O bairro da Liberdade, ou apenas “Liba”, concentra no centro da cidade lojas e restaurantes japoneses. Antes conhecido como “bairro japonês”, atualmente é chamado de “bairro oriental” por conta da presença de muitos estabelecimentos chineses na região. Apesar disso, ainda guarda referências ao Japão – como os postes de iluminação típicos e o torii (“portão”, em Português) na Rua Galvão Bueno.

Torii é símbolo da presença de japoneses no bairro da Liberdade, que é frequentado por nipo-brasileiros e não descendentes em São Paulo (foto: Tatiana Maebuchi)

Gosto bastante de passear lá, fazer umas compras (há uma grande variedade de produtos importados do Japão) e comer kare (“curry”), sushi ou teishoku (espécie de combo japonês, que em geral tem o prato principal, com carne de porco ou peixe, uma porção de arroz, tsukemono – legumes em conserva – e tofu – um “queijo” de soja). Tenho a impressão de que, talvez cada vez mais, não descendentes estejam frequentando o bairro.

Esta popularização da cultura pode ter contribuído para quebrar o “preconceito” que os brasileiros descendentes de outros países tinham dos nikkeis. Na realidade, vejo esse pré-julgamento como uma ideia que se tinha por desconhecer até então os japoneses e seu mundo.


Japoneses e imigrantes, uma inspiração aos brasileiros

Com a experiência de viver no Brasil e depois de conhecer e compreender melhor o Japão, posso dizer que a cultura e a história do país de origem de minha família tem muito a ensinar aos brasileiros, descendentes ou não.

Por enquanto, esta influência talvez esteja mais presente na parte de alimentação, música, cultura pop (manga, anime) e afins. Porém, de pouco em pouco (quem sabe?), não nos inspiraremos naquele povo que teve seu país destruído na Segunda Guerra Mundial? Ou naqueles imigrantes que depois de meses de viagem chegaram a uma terra totalmente desconhecida e, mesmo assim, enfrentaram uma série de dificuldades e conquistaram uma vida melhor?

 

© 2016 Tatiana Maebuchi

Brasil comunidades cultura costumes (social) línguas
About the Author

Nascida na cidade de São Paulo, é brasileira descendente de japoneses de terceira geração por parte de mãe e de quarta geração por parte de pai. É jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e blogueira de viagens. Trabalhou em redação de revistas, sites e assessoria de imprensa. Fez parte da equipe de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), contribuindo para a divulgação da cultura japonesa.

Atualizado em julho de 2015

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